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Guilherme Esteves de Jesus e outra – 5020227-98.2015.4.04.7000
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NOME DO PROCESSO
Guilherme Esteves de Jesus e outra - 5020227-98.2015.4.04.7000
FASE DA LAVA JATO
DESCRIÇÃO
"Crime de embaraço à investigação de organização criminosa cometido por Guilherme Esteves de Jesus e Lilia Loureiro Esteves de Jesus. Em 29 de abril de 2015, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra os acusados pela prática do delito de embaraço de investigação de infração penal, previsto no art. 2º, § 1º e §4º, II, III, IV e V, da Lei 12.850/2013. Segundo a denúncia, em 5 de fevereiro de 2015, durante busca e apreensão autorizada pela Justiça na residência do operador financeiro Guilherme Esteves, os acusados impediram o pronto acesso dos policiais ao local das buscas. Com isso, possibilitaram que Lilia fugisse do local pela porta dos fundos da casa com um volumoso pacote que continha valores em espécie, documentos e provas úteis à investigação. A ação foi registrada em imagens por câmeras de segurança interna da residência, prova que instrui a ação penal".
Descrição obtida na linha do tempo da lava-jato elaborada pelo MPF. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/grandes-casos/lava-jato/acoes
ENVOLVIDOS
Juiz
Sergio Fernando Moro;
Luiz Antônio Bonat
Juízo originário
Juízo Federal da 13ª Vara Federal de Curitiba
Acusação
Força-tarefa da Lava Jato:
Orlando Martello;
Andrey Borges de Mendonça;
Januário Paludo;
Deltan Dallagnol;
Isabel Cristina Groba Vieira;
Jerusa Burmann Viecili;
Laura Gonçalves Tessler; e
Julio Carlos Motta Noronha.
Acusados e seus advogados
Guilherme Esteves de Jesus e Lilia Loureiro Esteves de Jesus, representados pelos Advogados:
Ademar Borges de Sousa Filho;
Henrique Smijtink;
Fernanda Lara Tortima;
Cláudio Bidino de Souza;
André Galvão Pereira; e
Felipe Lins Maranhão.
DENÚNCIA DO MPF
Evento no processo e data do protocolo
Evento 01, inserido no sistema 29/04/2015 20:58:29
Tipificação
Os réus foram denunciados pela prática, em 05/02/2015, do delito de embaraço de investigação de infração penal, previsto no art. 2º, § 1º e §4º, II, III, IV e V, da Lei 12.850/2013.
Pedidos da denúncia
Requereu o Ministério Público Federal:
"a) o recebimento desta denúncia, a citação dos denunciados para responderem à acusação e sua posterior intimação para audiência, de modo a serem processados no rito comum ordinário (art. 394 § 1º, I, do CPP), até final condenação, na hipótese de ser confirmada a imputação, nas penas da capitulação;
b) a oitiva das testemunhas arroladas ao final desta peça;
c) Seja conferida prioridade a esta Ação Penal, não só por contar com Réu preso, mas também com base no art. 11.2 da Convenção de Palermo (Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transacional – Decreto Legislativo 231/2003 e Decreto 5.012/2004);
d) sejam os denunciados condenados a efetuar o pagamento do dano mínimo causado pela infração, com base no art. 387, caput e IV, do CPP, no montante de R$ 100.000,00 cada, haja vista o prejuízo que o crime causou às investigações, bem como o desprestígio de dele resultou à atuação do Ministério Público Federal, que postulou pela busca e apreensão, da Polícia Federal, que a cumpriu a medida e, ainda, sobretudo, do Poder Judiciário, que determinou que ela fosse realizada”.
Testemunhas de acusação
Carla Maria de Oliveira Costardi;
Erika Cerqueira de Carvalho Alves;
Rafael de Paiva Panno; e
Rodrigo Távora Pescadinha Schnarndorf.
Número do inquérito originário
05095-98.2015.404.7000 e 5009384- 74.2015.404.7000
RECEBIMENTO DA DENÚNCIA
Evento no processo e data do protocolo
Evento 13, protocolado em 15/05/2015
Síntese da acusação
"Trata-se de denúncia do MPF contra Gilherme Esteves de Jesus e Lilia Loureiro Esteves de Jesus pelo crime do art. 2º, §1º e §4º, II, III, IV e V, da Lei n.º 12.850/2013.
Em síntese, integrantes de grupo criminoso organizado dedicado à corrução e lavagem de dinheiro, teriam ocultado provas, obstruindo a ação da Justiça, durante diligência de busca e apreensão domiciliar.
Em que pese a denúncia restrita, entendo que a imputação de associação criminosa depende de melhor discriminação dos crimes fins, ou seja, de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro.
Embora o MPF tenha descrito esses crimes na denúncia, não houve imputação a esse respeito, gerando dúvidas quanto a materialidade.
A questão é relevante para fins de prosseguimento do processo, inclusive quanto à manutenção ou não da prisão cautelar de Guilhermes Esteves.
Com esse propósito, determinei a intimação do MPF para esclarecimentos.
O MPF peticionou e insistiu no processamento da denúncia. Relativamente aos demais fatos, esclareceu que "tratam-se de delitos que ainda continuam sob investigação e demandam melhores esclarecimentos antes da adoção das medidas cabíveis por este parquet federal" (evento 10).
Coerentemente, no inquérito 5005095-98.2015.4.04.7000, requereu o MPF diligências para apuração dos crimes de corrupção e e de lavagem.
Já a Defesa peticionou afirmando a inépcia da presente denúncia e requerendo a colocação do acusado em liberdade, reiterando idêntico pleito formulado no processo 5019629-47.2015.4.04.7000".
Recebimento
“Reputo presentes suficientes indícios de autoria e materialidade do crime acessário narrado na denúncia, especificamente a obstrução de investigação de crime supostamente praticado por grupo criminoso organizado, motivo pelo qual, sem prejuízo da avaliação final, recebo a denúncia ofertada pelo MPF contra Guilherme Esteves de Jesus e Lilia Loureiro Esteves de Jesus”.
Diligências
“Há indícios de que o acusado mantém contas secretas no exterior através do qual realizou transferência milionárias para contas de Renato Duque e Pedro Barusco.
Nessas condições, há um possível risco de evasão caso seja colocado em liberdade. Para minorar esse risco, necessário exigir fiança. Sempre que possível, excetuada hipossuficiência econômica, deve ser exigida fiança para vincular o investigado e o acusado ao processo, garantir sua presença nos atos processuais, contribuindo ainda para garantir a futura reparação do dano decorrentes do crime.
No caso, considerando o suposto envolvimento do acusado com contas off-shores no exterior, pagamentos de propinas milionárias, todos signos presuntivos de riqueza, fixo a fiança, considerando parâmetros do art. 325, II, c/c, §1º, III, do CPP, em quinhentos mil reais, cerca de seiscentos e trinta e cinco salários mínimos.
Imponho igualmente como medidas cautelares adicionais:
- entrega do passaporte e proibição de deixar o país, para minorar risco de fuga e considerando a prática do crime por meio de contas no exterior;
- comparecimento a todos os atos processuais, salvo dispensa expressa do Juízo, mediante intimação por qualquer meio, inclusive telefone;
- proibição de mudança de endereço, sem prévia autorização do Juízo.
Intime-se MPF e Defesa desta decisão, a última inclusive por telefone em decorrência da urgência.
Abra a Secretaria conta vinculada a estes autos para receber a fiança.
Depositados os valores e entregue o passaporte, lavre-se termo de compromisso e expeça-se alvará de soltura para colocação do acusado em liberdade salvo se por outro motivo tiver que permanecer preso.
Fica desde logo o acusado alertado que a falta cumprimento das medidas cautelares implicará no restabelecimento da preventiva.
Quanto ao prosseguimento da presente ação penal após o recebimento da denúncia, deverá o MPF esclarecer se, com o acusado em liberdade, é o caso de aguardar o final da investigação em relação aos demais crimes ou se é o caso de prosseguir ainda assim. Prazo de cinco dias”.
RESPOSTAS À ACUSAÇÃO
Evento no processo e data do protocolo
Evento 158, inserido no sistema 17/08/2018 22:36:06.
Mérito
Os réus alegaram, em suas respostas preliminares, que o art. 2º, §1º, da Lei 12.850/2013 é inconstitucional, por violação à taxatividade, uma vez que o tipo penal seria vago, e à proporcionalidade, pois apenado com o mesmo rigor que o crime de pertinência a organização criminosa, do art. 2º, caput, da mesma Lei.
Ainda, aduzem que os fatos imputados aos acusados estão abarcados no âmbito do direito à não-autoincriminação.
Por fim, afirmam que falta justa causa à ação penal, pois não há demonstração de que o material retirado pela acusada de sua residência teria potencialidade para influir nas investigações, e que os fatos imputados à segunda acusada estariam abarcados pela isenção de pena do art. 348, §2º, o que ensejaria a rejeição da denúncia por falta de interesse processual.
A Defesa não apresentou requerimentos probatórios e não arrolou testemunhas.
DECISÃO DE SANEAMENTO DO PROCESSO
Evento no processo e data do protocolo
Evento 164, inserido no sistema 28/09/2018 17:53:38
Dispositivo
"Não sendo caso de absolvição sumária dos acusados, deve a ação penal prosseguir com instrução".
Diligências
Considerando o tempo transcorrido desde a propositura da denúncia, verifique a Secretaria com a Polícia Federal o local atual de lotação das testemunhas de acusação Carla Maria de Oliveira Costardi, Erika Cerqueira, Rafael de Paiva Panno e Rodrigo Távora Pescadinha Schnarndorf.
Com a informação, agende-se videoconferências e expeçam-se precatórias para oitiva.
Presentes as datas, intimem-se pessoalmente os acusados.
Autorizo a dispensa de comparecimento dos acusados nas audiência, desde que expressamente requerido e que as intimações possam ser feitas exclusivamente na pessoa dos defensores.
OUTROS PROCEDIMENTOS RELACIONADOS
5018020-77.2015.4.04.0000/TRF (Habeas Corpus, evento 39, 19/05/2015 03:15:29);
5018021-62.2015.4.04.0000/TRF (Habeas Corpus, evento 40, 19/05/2015 02:59:05);
5018022-47.2015.4.04.0000/TRF (Habeas Corpus, evento 41, 19/05/2015 03:04:20);
5018023-32.2015.4.04.0000/TRF (Habeas Corpus, evento 42, 19/05/2015 03:13:37);
ALEGAÇÕES FINAIS
Evento no processo e data do protocolo
Evento 238 (03/06/2019) e 243 (24/06/2019).
Alegações finais do MPF
O MPF apresentou alegações finais. Alegou, em síntese: (i). o §1º do art. 2º da Lei nº 12.850/13 não padece do vício de inconstitucionalidade alegado pela defesa, tendo, inclusive, em caso análogo ao presente, o E. Supremo Tribunal Federal rejeitado integralmente idêntica tese defensiva acerca da inconstitucionalidade de tal previsão legal; (ii). não cabe prosperar a alegação de ausência de justa causa no presente caso, pois, além da presença de suporte probatório mínimo sobre o envolvimento dos réus nos atos ilícitos denunciados quando do recebimento da denúncia, restou manifesto, após instrução, o efetivo envolvimento dos acusados nos crimes narrados; (iii). não há nenhuma violação ao direito à não autoincriminação e ao princípio ne bis in idem; (iv). a pretensão defensiva de aplicação, por analogia, da escusa absolutória em benefício de LÍLIA ESTEVES deve ser rejeitada; (v). com o encerramento da instrução processual nos autos da ação penal nº 5050568-73.2016.4.04.7000, restou efetivamente comprovada a prática do crime de pertinência à organização criminosa; (vi). o fato criminoso, o embaraço à investigação de organização criminosa ocorreu desde o primeiro momento do cumprimento do mandado de busca e apreensão na residência dos acusados, pois a alegação de LILIA de que prenderia os cachorros revelou-se como sendo apenas uma desculpa para justificar a demora em abrir a porta, concedendo tempo para que ocorresse a ocultação de provas e o embaraço à investigação criminal; (vii). a versão dos fatos apresentada por GUILHERME ESTEVES para justificar a fuga de sua companheira com o pacote contendo material probatório, alegando que decorreu de preocupação com o sustento de sua família, é inconsistente com os demais elementos de prova dos autos, sendo que, à época dos fatos, o acusado mantinha ao menos duas contas em nome de empresas offshore no exterior - conforme comprovado nos autos da ação penal nº 5050568-73.2016.4.04.7000 -, o que atesta a alta disponibilidade de valores e o alto padrão de vida do acusado e de sua esposa; (viii). o Mandado de Busca e Apreensão nº 700000234655 determinava apenas a apreensão de quantias de valor igual ou superior a R$ 50.000,00 ou USD 50.000,00, desde que não fosse apresentada prova documental cabal de sua origem ilícita, de modo que a quantia de R$ 30 mil que o acusado supostamente teria orientado sua esposa a levar da residência sequer estava sujeita à apreensão nos termos da ordem judicial; (ix). a defesa dos acusados em nenhum momento produziu qualquer elemento de prova acerca da suposta obra então construída pelos acusados, de modo que tais alegações não encontram corroboração nos elementos constantes dos autos; (x). a verificação do conteúdo do pacote subtraído por LÍLIA ESTEVES não é necessária para a configuração do crime de embaraço à investigação de organização criminosa, vez que o tipo penal em questão consiste em crime formal; (xi). durante seu interrogatório judicial, GUILHERME ESTEVES apresentou assertiva falsa de que nunca teve negócios ou falou com alguém da PETROBRAS.
Requereu o MPF, ao fim, a condenação dos acusados nas penas previstas no art. 2º, §º1 e 4º, II, III, IV e V da Lei 12.850/2013 e que sejam eles condenados a efetuar o pagamento do dano mínimo causado pela infração, com base no art. 387, caput e IV, do CPP, no montante de R$ 100.000,00.
Alegações finais da defesa
Nas alegações dos réus, foi alegado o seguinte, em síntese: (i). preliminarmente, a inconstitucionalidade do §1º do art. 2º da Lei nº 12.850/2013, pela violação aos princípios da legalidade e da proporcionalidade; (ii). que GUILHERME ESTEVES DE JESUS não poderia responder pelo crime de obstrução de investigação de organização criminosa, considerando que as condutas a ele imputadas estariam abarcadas pelo direito a não autoincriminação e constituiriam, quando muito, pós-fato impunível; (iii). a imputação conjunta dos delitos de organização criminosa e obstrução de investigação de organização criminosa a um mesmo indivíduo viola o princípio constitucional do ne bis in idem, já que este delito consiste apenas numa forma de asseguramento ou desfrute de um benefício (ilícito) obtido com a prática daquele outro crime, devendo ser considerado como um post factum impunível; (iv). o acusado não pode incorrer duas vezes nas mesmas penas pela prática de condutas alternativas previstas no mesmo tipo penal incriminador; (v). aplicável a imunidade do §2º do artigo 348 do Código Penal, por analogia, à LILIA LOUREIRO no presente caso, não podendo ela ser punida; (vi). ausência de prova da materialidade do crime, pois, pelas imagens de vídeo obtidas a partir das câmeras de segurança instaladas na residência dos acusados, não é possível conhecer o conteúdo do referido pacote levado e, por outro lado, todos os agentes de polícia que participaram das diligências de busca e apreensão afirmaram não saber informar o conteúdo do pacote portado por LILIA; (vii). o conteúdo do pacote não pode ser presumido para fazer incidir na espécie o tipo penal de obstrução de investigação, considerando que, no âmbito do processo penal, todas as dúvidas sobre questões de fato devem ser resolvidas em favor do acusado, por força do princípio da presunção de inocência; (viii). como reconhece o próprio MPF, foram apreendidos documentos físicos e virtuais durante o cumprimento da busca e apreensão, que, ao que parece, foram úteis à investigação, tanto que utilizados para formular a acusação contra o defendente na ação penal principal e, caso o acusado tivesse orientado sua esposa a fugir com documentos, teriam sido levados exatamente os documentos que vieram a ser utilizados contra ele posteriormente; (ix). não merece prosperar o raciocínio ministerial no sentido de que o acusado pudesse ficar tranquilo pelo fato de a família poder vir a ser atendida a partir dos depósitos existentes no exterior, notadamente se viesse a ser preso naquele momento; (x). carece de sentido o argumento da acusação de que o defendente não teria motivo para querer ver os aludidos 30 mil reais preservados pelo fato de que o mandado de busca determinava a apreensão de valor igual ou superior a 50 mil reais, pois o defendente não tinha em mãos o mandado de busca e apreensão antes de seu cumprimento; (xi). pouco importa que o crime seja formal e que não haja necessidade de verificação de efetiva turbação da investigação, o que se afirma é que não há prova de que os defendentes tenham pretendido ocultar documentos úteis à investigação, pelo simples fato de que a acusação não conseguiu provar que o envelope continha tais documentos, e (xii). ao contrário do que afirmou a acusação, o defendente sempre reconheceu em Juízo os fatos praticados, tendo esclarecido que efetivamente pagou comissão a Pedro Barusco e que conhecia Renato Duque, embora tenha estado poucas vezes pessoalmente com ele.
Ainda, anexou a Defesa documentos supostamente comprobatórios da obra de grande porte que os acusados realizavam em casa àquela época (evento 243, anexo2).
Por fim, requereu a Defesa: a absolvição dos defendentes com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal, em razão da inconstitucionalidade do §1º do art. 2º da Lei n° 12.850/2013, por violação aos princípios da legalidade e da proporcionalidade; a absolvição de GUILHERME com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal, em razão dos princípios do nemo tenetur se detegere e do ne bis in idem; absolvição de LILIA com fulcro no art. 386, VI, do Código de Processo Penal, pela aplicação analógica da escusa absolutória constante do art. 348, § 2º, do Código Penal, e absolvição dos defendentes com fulcro no art. 386, II ou VII, do Código de Processo Penal, seja pela inexistência de prova da materialidade delitiva, seja pela ausência de prova suficiente para condenação.
SENTENÇA
Evento no processo e data do protocolo
Evento 247, inserido no sistema 02/10/2020 18:21:14.
Juiz sentenciante
Luiz Antônio Bonat
Dispositivo
Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva e condeno GUILHERME ESTEVES DE JESUS e LILIA LOUREIRO ESTEVES DE JESUS pelo crime de embaraço de investigação de infração penal envolvendo organização criminosa, previsto no § 1º, do art. 2º, da Lei n.º 12.850/2013.
Dosimetria da pena
GUILHERME ESTEVES DE JESUS
GUILHERME ESTEVES DE JESUS não tem antecedentes registrados no processo. Culpabilidade, motivos e circunstâncias do crime foram normais ao tipo, sem características que mereçam maior reprovação. Conduta social e personalidade não podem ser valoradas negativamente a partir dos elementos que constam nos autos. No que diz respeito às consequências do crime, ainda que se considere que levou ao embaraço de relevante investigação de organização criminosa, trata-se de consequência inerente ao tipo. Comportamento da vítima é elemento neutro. Fixo pena no mínimo de três anos de reclusão e dez dias-multa.
Não incide a atenuante da confissão quando, a pretexto de confirmar parte dos fatos descritos na denúncia, invoca circunstância de atipicidade ou apresenta versão elidida pelas demais provas. Inexistem atenuantes ou agravantes a serem consideradas.
Não há causas de aumento ou diminuição, restando definitiva a pena mínima de três anos de reclusão e dez dias-multa.
Quanto à capacidade econômica e carreira profissional, GUILHERME ESTEVES declarou, quando da audiência nestes autos, que não tem renda (evento 224). Por sua vez, na audiência dos autos 50505687320164047000, em que restou sentenciado por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa, ele declarou que recebia entre R$ 10.000 e R$ 12.000,00 (evento 358, termoaud1, fl. 9). Além disso, em tal condenação foi levada em conta sua declarada atuação como representante do estaleiro Jurong na intermediação de grandes contratos, com comissionamentos expressivos, bem como a sua atuação em operações do alto empresariado, razão pela qual restou fixada a multa em cinco salários mínimos ao tempo do último fato criminoso. Ainda, nos presentes autos, a fiança fixada em R$ 500.000,00 por este Juízo foi substituída pela hipoteca do bem imóvel de titularidade do acusado e de sua esposa de matrícula 147.459 do Cartório do 9º Ofício do Registro de Imóveis do Rio de Janeiro/RJ. Considerando o tempo já transcorrido desde então e a alegação do acusado de que se encontra sem renda, fixo a multa em um salário mínimo ao tempo do fato criminoso (05/02/2015).
Considerando a previsão do art. 33, §§ 2º, "c" e 3º, do Código Penal, bem assim as circunstâncias do art. 59, como acima indicado, fixo o regime aberto para o início de cumprimento da pena.
Ainda, considerando o disposto no art. 44, incisos I e III, e § 2.º, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, consistentes na prestação de serviço à comunidade e em prestação pecuniária. A pena de prestação de serviços à comunidade deverá ser cumprida junto à entidade assistencial ou pública, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, ou de sete horas por semana, de modo a não prejudicar a jornada de trabalho do condenado, e durante o período da pena substituída, ou seja, três anos. A pena de prestação pecuniária consistirá no pagamento do total de dez salários mínimos a entidade assistencial ou pública como forma de compensar a sociedade pela prática do crime. Caberá ao Juízo da execução o detalhamento das penas, bem como a indicação das entidades assistenciais. Justifico as escolhas: a prestação de serviço pelo seu elevado potencial de ressocialização, a prestação pecuniária porque, de certa forma, compensa a sociedade, vítima do crime.
V.2. LILIA LOUREIRO ESTEVES DE JESUS
LILIA LOUREIRO ESTEVES DE JESUS não tem antecedentes registrados no processo. Culpabilidade, motivos e circunstâncias do crime foram normais ao tipo, sem características que mereçam maior reprovação. Conduta social e personalidade não podem ser valoradas negativamente a partir dos elementos que constam nos autos. No que diz respeito às consequências do crime, ainda que se considere que levou ao embaraço de relevante investigação de organização criminosa, trata-se de consequência inerente ao tipo. Comportamento da vítima é elemento neutro. Fixo pena no mínimo de três anos de reclusão e dez dias-multa.
Não incide a atenuante da confissão quando, a pretexto de confirmar parte dos fatos descritos na denúncia, invoca circunstância de atipicidade ou apresenta versão elidida pelas demais provas. Inexistem atenuantes ou agravantes a serem consideradas.
Não há causas de aumento ou diminuição, restando definitiva a pena de três anos de reclusão e dez dias-multa.
Quanto à capacidade econômica e carreira profissional, LILIA ESTEVES declarou, quando da audiência nestes autos, que tem renda aproximada de R$ 10.000,00 (evento 224). Fixo, então, a multa em um salário mínimo ao tempo do fato criminoso (05/02/2015).
Considerando a previsão do art. 33, §§ 2º, "c" e 3º, do Código Penal, bem assim as circunstâncias do art. 59, como acima indicado, fixo o regime aberto para o início de cumprimento da pena.
Ainda, considerando o disposto no art. 44, incisos I e III, e § 2.º, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, consistentes na prestação de serviço à comunidade e em prestação pecuniária. A pena de prestação de serviços à comunidade deverá ser cumprida, junto à entidade assistencial ou pública, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, ou de sete horas por semana, de modo a não prejudicar a jornada de trabalho da condenada, e durante o período da pena substituída, ou seja, três anos. A pena de prestação pecuniária consistirá no pagamento do total de dez salários mínimos a entidade assistencial ou pública como forma de compensar a sociedade pela prática do crime. Caberá ao Juízo da execução o detalhamento das penas, bem como a indicação das entidades assistenciais. Justifico as escolhas: a prestação de serviço pelo seu elevado potencial de ressocialização, a prestação pecuniária porque, de certa forma, compensa a sociedade, vítima do crime.
VI. EFEITOS DA CONDENAÇÃO
No que concerne à reparação mínima dos danos, prevista no art. 387, IV, do CPP, deixo de fixar valor mínimo, em face da natureza do delito, que não permite extrair parâmetros objetivos claros para orientar a fixação de tal valor a título reparatório.
Ainda, na sentença dos autos 5050568-73.2016.4.04.7000 decretei o confisco em face de bens de GUILHERME nos seguintes termos:
Decreto o confisco, nos termos do art. 91, II, do CP c/c art. 7º, I, da Lei 9613/98, com redação dada pela Lei 12683/2012, como produto direto e indireto dos crimes antecedentes e da lavagem:
- dos valores bloqueados em face de Guilherme Esteves de Jesus e depositados nas contas judiciais 0650.005.08139874-9, 0650.005.08139873-0 e, vinculadas ao processo de sequestro 5005343-64.2015.4.04.7000, nas quais há cerca de R$ 592.000,00, considerando a anterior liberação do valor de R$ 1.905,65, depositado na conta nº 0650.005.08139875-7, além do valor de R$ 38.160,00 (tudo conforme decido nos autos nºs 5009443-62.2015.4.04.7000);
- dos saldos mantidos por Guilherme Esteves de Jesus nas contas em nome das off-shores Opdale Industries Ltd. e Black Rock Oil Services Ltda., mantidas em Liechtenstein, no Valartis Bank.
Fica a cargo do MPF a repatriação dos valores.
[...]
No processo 5014095-20.2018.4.04.7000, foi descoberto, a partir de informações transmitidas espontaneamente por autoridades da Suíça, que Guilherme Esteves de Jesus, investigado por crimes de lavagem de dinheiro e corrupção perante as Cortes de Justiça daquele país, seria beneficiário econômico da conta em nome de Klaystone Associates Ltd., nº 14109387, mantida no banco BSI SA da Suíça. Na conta, haveria cerca de USD 1,3 milhão.
A conta Klaystone Associates teria sido abastecida no ano de 2014 com cerca de USD 4 milhões da conta da Black Rock, controlada igualmente por Guilherme Esteves de Jesus, conforme visto acima e utilizada para pagamentos a agentes da Petrobrás em decorrência do contrato da Jurong com a Sete Brasil.
Além da Klaystone, identificou-se que Guilherme Esteves de Jesus era beneficiário econômico das seguintes contas mantidas no Valartins Bank, de Lichtenstein: Black Rock Oil Services Ltd, Beneia Group Ltd, Opdale Industries Ltd, Igala Ventures Ltd, Trunion Group Ltd e Klaystone Associates Ltd.
No processo 5014095-20.2018.4.04.7000, por decisão de 21/06/2018 (evento 4), foram decretadas a quebra do sigilo bancário e o sequestro de tais contas. Transcreve-se:
[...]
O resultado da quebra e dos sequestros foi juntado evento 18 daquele feito. Resultado da cooperação internacional com Liechtenstein no evento 18, anexo2-anexo8, e com a Suíça no anexo9-anexo15.
Foram bloqueados valores na conta da Beneia Group Ltd., no Valartis Bank, de Lichtenstein (evento 18, anexo2, fl. 3, do processo 5014095-20.2018.4.04.7000). Foram também bloqueados USD 1.344.622,44 na conta em nome da Klaystone Associates Ltd., nº 14109387, mantida no banco BSI SA da Suíça (evento 18, anexo9, fl. 2, do processo 5014095-20.2018.4.04.7000).
Como a vantagem indevida foi repassada por Guilherme Esteves de Jesus no exterior, incide o art. 91, §1º, do CP, para autorizar constrição de valores equivalentes, pelo que decreto o confisco dos saldos mantidos por Guilherme Esteves de Jesus na conta em nome da off-shore Beneia Group Ltd. e Klaystone Associates Limited, no BSI da Suíça.
Fica a cargo do MPF a repatriação dos valores.
A Defesa de Guilherme Esteves de Jesus obteve ordem no HC 324.500/PR determinando a utilização do imóvel de matrícula 147.459, do 9º Ofício do Registro de Imóveis do Rio de Janeiro, para integralizar fiança, mediante inscrição de hipoteca legal, estipulada no valor de R$ 500.000,00. O imóvel pertence a Guilherme Esteves de Jesus e a sua esposa, Lilia Loureiro Esteves de Jesus. Declaração da esposa do condenado, autorizando a utilização do imóvel para garantia da fiança até R$ 500.000,00, bem como matrícula do bem juntadas no evento 47 da ação penal 5020227-98.2015.4.04.7000.
Guilherme Esteves de Jesus é proprietário de metade do imóvel. Portanto, decreto o confisco, na forma do art. 91, §1º, do CP, de fração de 50% do imóvel de matrícula 147.459, do 9º Ofício do Registro de Imóveis do Rio de Janeiro.
O imóvel deverá, oportunamente, ser objeto de alienação, garantindo-se a subrogação da meação da esposa do condenado sobre o preço da arrematação.
Assim, em tais autos já foi determinado o confisco da fração de 50% do imóvel de matrícula 147.459, do 9º Ofício do Registro de Imóveis do Rio de Janeiro, oferecido nos presentes autos para integralizar a fiança de GUILHERME ESTEVES (evento 64).
Já tendo sido a fração de 50% do imóvel confiscada nos autos 5050568-73.2016.4.04.7000, então, deixo de analisar a possibilidade de utilização de tal quantia da fiança para o pagamento das custas, da prestação pecuniária e da multa, nos termos do artigo 336 do CPP. Ainda, em que pese seja a outra fração de 50% pertencente a LILIA ESTEVES, condenada nos presentes autos, a fiança foi prestada por GUILHERME, razão pela qual também deixo de aplicar o 336 do CPP em relação à fração pertencente a tal acusada.
VII. DISPOSIÇÕES FINAIS
Ainda, de acordo com o art. 387, §1º, do CPP, na sentença, o magistrado deverá decidir, fundamentadamente, sobre a manutenção ou imposição de prisão preventiva ou outras medidas cautelares penais.
No curso das investigações, no processo 5009384.74-2015.4.04.7000, por decisão de 26/03/2015 (evento 17), foi decretada a prisão preventiva de GUILHERME ESTEVES DE JESUS. A prisão foi cumprida em 27/03/2015 (evento 22 daquele processo). Na presente ação penal, quando do recebimento da denúncia, em 15/05/2015 (evento 13), a prisão preventiva de GUILHERME foi substituída por outras medidas cautelares, como a fiança de R$ 500.000,00. Em 25/05/2015, sobreveio liminar do Ministro Newton Trisotto concedida no HC 324.500 do Superior Tribunal de Justiça para que fosse aceito como fiança o imóvel de matrícula 147.459 do Cartório do 9º Ofício do Registro de Imóveis do Rio de Janeiro/RJ, oferecido pelo acusado. O alvará de soltura foi cumprido no dia 26/05/2015 (evento 73).
Assim, o acusado GUILHERME ESTEVES permaneceu solto durante a instrução processual e não se encontram presentes os requisitos da prisão preventiva. Pode o réu apelar em liberdade.
Em relação à detração, na sentença da ação penal 5050568-73.2016.4.04.7000 já restou consignado que o período em que o condenado ficou preso deverá ser detraído.
LILIA ESTEVES, por sua vez, permaneceu solta durante toda a instrução processual. Ademais, não se encontram presentes os requisitos da prisão preventiva. Pode a ré apelar em liberdade.
Os condenados devem arcar com as custas processuais, nos termos do art. 804 do CPP.
Transitada em julgado a condenação, os nomes dos condenados deverão ser lançados no rol dos culpados. Procedam-se às anotações e comunicações de praxe (inclusive ao TRE, para os fins do artigo 15, III, da CF).
INTERPOSIÇÃO DOS RECURSOS
Evento no processo e data do protocolo
Evento 255, inserido no sistema 21:54:06
Razões da apelação réus
Evento 12 (TRF-4), inserido no sistema 01/12/2020 22:47:13.
Absolvição dos apelantes com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal, em razão da inconstitucionalidade do §1º do art.
2º da Lei n. 12.850/2013, por violação aos princípios da legalidade e da proporcionalidade;
b) Absolvição do primeiro apelante com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal, em razão do princípio do nemo tenetur se detegere;
c) Absolvição do primeiro apelante com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal, em razão do princípio do ne bis in idem;
d) Absolvição da segunda apelante com fulcro no art. 386, VI, do
Código de Processo Penal, pela aplicação analógica da escusa
absolutória constante do art. 348, § 2º, do Código Penal;
e) Absolvição dos apelantes com fulcro no art. 386, II ou VII, do Código de Processo Penal, seja pela inexistência de prova da materialidade delitiva, seja pela ausência de prova suficiente para condenação.
) Absolvição dos apelantes com fulcro no art. 386, II ou VII, do
Código de Processo Penal, seja pela inexistência de prova do
elemento subjetivo do tipo penal, seja pela ausência de prova
suficiente para condenação.
g) Absolvição do primeiro apelante com fulcro no art. 386, II do Código de Processo Penal, em razão da inexigibilidade de conduta diversa.
h) Subsidiariamente, a reforma da dosimetria da pena aplicada pelo Juízo a quo para que, relativamente a ambos os apelantes, seja reconhecida a incidência da atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal.
Parecer da procuradoria da república
Evento 16 (TRF-4), inserido no sistema 28/01/2021 14:27:24
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. OPERAÇÃO LAVA JATO. EMBARAÇO A INVESTIGAÇÃO DE CRIME ENVOLVENDO ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ART. 2, § 1º, DA LEI 12.850/13. CONSTITUCIONALIDADE DO TIPO PENAL. ELEMENTOS EXISTENCIAIS DO CRIME. COMPROVAÇÃO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ANALÓGICA DO § 2º DO ART. 348 DO CP. CRIME FORMAL. DEMONSTRAÇÃO DO DOLO. EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. INAPLICABILIDADE DA ATENUANTE DE CONFISSÃO ESPONT NEA.
1. Constitucionalidade do tipo penal contido no art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/13 1.1. A tipificação em questão não viola o princípio da legalidade, porquanto sua incidência está restrita às condutas voltadas a impedir – obstaculizar ou inviabilizar (significado de integralidade e paralisia) – ou embaraçar, de qualquer forma – complicar ou perturbar (significado de fragmentariedade e retardamento) – a “investigação de infração penal que envolva organização criminosa” – cuja definição se encontra no § 1º do art. 1º da Lei 12.850/13 –, o que reduz drasticamente o alcance da referida norma, tornando-o suficientemente delimitado. 1.2. Tampouco há violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que inexiste gritante descompasso entre as condutas descritas no caput – “Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:” – e no § 1º do art. 2º da Lei 12.850/13, cujas penas são as mesmas “reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas”. Ambas as tipificações dizem respeito à atuação em prol de organização criminosa, embora tutelando bens jurídicos distintos (paz pública e administração da justiça, respectivamente), de forma que não é possível valorar com precisão matemática qual seria a conduta mais graves entre elas. 1.3. À luz do que os Tribunais Superiores têm decidido, a presunção de constitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/13 segue inabalada. 2. Comprovação da prática criminosa 2.1. Há farta prova, inclusive em imagens, no sentido que o réu GUILHERME atuou, livre e conscientemente, para retardar o acesso da equipe policial que aguardava à porta, imediatamente após tomar conhecimento de execução de mandado judicial de busca e apreensão em sua residência estava em andamento, fazendo-o com auxílio de sua esposa, a ré LÍLIA, a qual logrou evadir-se do local com envelope que estava sujeito às medidas ordenadas pelo juízo competente. 2.2. Inexistindo excludentes de ilicitude ou culpabilidade, não é possível extrair conclusão diversa, senão a de que os acusados, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, de forma consciente e voluntária, embaraçaram investigação de crimes que envolviam organização criminosa, praticados por um deles, sujeitando-se, assim, às sanções previstas art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/13. 3. Improcedência das teses absolutórias específicas e do pedido subsidiário 3.1. Inaplicabilidade do princípio do nemo tenetur se detegere. A conduta praticada pelo acusado, que caracteriza o crime tipificado no art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/13, destinado à tutela da administração da justiça, não está coberta pelo direito à não autoincriminação. A atuação daquele que age com o objetivo de embaraçar a execução de mandado judicial de busca e apreensão em andamento, não se confunde com o direito, garantido a investigados e acusados, ao silêncio e a liberdade de não colaborarpara eventual condenação contra si próprio. 3.2. Inexistência de bis in idem. Descabe cogitar bis in idem na condenação do mesmo acusado – no caso, em processos criminais diferentes –, às sanções previstas nos tipos penais previstos do caput e do § 1º do art. 2º da Lei 12.850/13, os quais são autônomos e tutelam bem jurídicos distintos. 3.3. Impossibilidade da aplicação analógica da escusa absolutória prevista no § 2º doart. 348 do CP. A conduta da acusada se amolda àquela prevista no art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/13, seja em razão da especialidade da lei destinada ao enfrentamento de organizações criminosas, seja porque a atuação da acusada não se limitou ao mero auxílio a autor de crime descrito art. 348 do CP. Além disso, a aplicação analógica do §2º do art. 348 do CP não é possível porque: inexiste uma situação semelhante a que a lei tratou desigualmente, pois os tipos penais em questão não são dotados da mesma gravidade, o que se verifica no alcance e nas sanções de cada um deles; trata-se de norma penal excepcional não incriminadora, e não norma penal não incriminadora geral; a ausência de previsão de isenção de pena para familiares próximos que pratiquem embaraço de investigação de infração penal envolvendo organização criminosa, diante dos propósitos da Lei 12.850/13, não pode ser considera uma omissão do legislador. 3.4. Existência de prova da materialidade (crime formal). O crime tipificado no art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/13 tem natureza formal, de modo que, tendo como bem jurídico tutelado a administração da justiça, independe de resultado naturalístico quando materializado na forma de embaraço às investigações de infração penal envolvendo organização criminosa. Logo, a aferição do conteúdo de envelope que deixou de ser apreendido – prova que se buscava apreender por ordem judicial – é irrelevante. 3.5. Demonstração do dolo. Inexistem dúvidas quanto à consciência dos acusados sobre a natureza do mandado de busca e apreensão cujo cumprimento embaraçaram, voltada a subsidiar investigação de crimes que envolviam organização criminosa instalada no seio da PETROBRAS da qual o réu GUILHERME comprovadamente fazia parte. A atuação pronta, decidida e extremamente célere da ré LÍLIA, que empreendeu imediata evasão de sua residência portando envelope sujeito à busca e apreensão, de maneira coordenada com seu marido, mostra-se completamente incompatível com o comportamento de quem supostamente teria recebido a equipe policial sem contar previamente com tal possibilidade.
3.6. Exigibilidade de conduta diversa. Diante da inexistência de circunstância concreta apta a tornar inexigível conduta diversa – ao comportamento conforme o Direito – por parte do acusado – a defesa nem sequer menciona uma, limitando-se trazer alegações próximas àquelas empregadas na arguição de inconstitucionalidade do tipo penal –, não há falar em reconhecimento da excludente supralegal de culpabilidade correspondente. 3.7. Inaplicabilidade da atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do CP (confissão espontânea). Considerando que os acusados nada confessaram, a aplicação da referida atenuante é descabida. Ademais, as penas já se situam em seu mínimo legal, de modo que eventual atendimento do pedido da defesa não seria capaz de reduzi-las, conforme entendimento consolidado no Enunciado 231 da Súmula do STJ, o qual não apresenta incompatibilidade com o ordenamento jurídico pátrio (STF, REQORG 597270; STJ, RESP 146056). PARECER PELO NÃO PROVIMENTO DA APELAÇÃO.
JULGAMENTO DA APELAÇÃO
Evento no processo e data do protocolo
Evento 26, inserido no sistema 20/05/2022 09:49:05.
Nomes dos julgadores e turma recursal (câmara criminal)
Relator João Pedro Gebran Neto
Votante: juíza federal Gisele Lemke
Votante: desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. EMBARAÇO À INVESTIGAÇÃO QUE ENVOLVA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ART. 2º, §1º, DA LEI Nº 12.850/2013. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E PROPORCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA. CONSTITUCIONALIDADE. GARANTIA DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO. NÚCLEO ESSENCIAL PRESERVADO. "BIS IN IDEM". AUSÊNCIA. CONDUTA AUTÔNOMA À DO "CAPUT". APLICAÇÃO ANALÓGICA DO §2º DO ART. 348 DO CÓDIGO PENAL À ACUSADA. OMISSÃO LEGISLATIVA INEXISTENTE. TIPICIDADE. EMBARAÇO. CRIME FORMAL. POTENCIALIDADE LESIVA DA CONDUTA NÃO DEMONSTRADA. ABSOLVIÇÃO.
1. Da norma incriminadora do art. 2º, §1º, da Lei nº 12.850/2013 é possível extrair critérios seguros de interpretação para que se apreenda com segurança o seu núcleo essencial, o que afasta a tese de ofensa ao princípio da legalidade. A diversidade de expedientes que podem ser utilizados para alcançar o embaraço das investigações não é capaz de levar à indeterminação do tipo penal. Precedente do Supremo Tribunal Federal.
2. Não viola o princípio da proporcionalidade a cominação da mesma pena prevista para o crime de pertinência à organização criminosa, pois isso representa opção político-legislativa, a revelar o elevado grau de reprovabilidade da conduta obstrutiva.
3. A garantia da não autoincriminação, expressa no inc. LXIII do art. 5º da Constituição Federal, não alcança condutas ativas, atentatórias ao regular transcurso de investigação criminal, que busquem obstruir a justiça. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
4. Eventual integrante de grupo criminoso organizado também pode ser sujeito ativo do crime de embaraço às investigações sem que isso configure bis in idem.
5. A prática de condutas ativas visando a impedir ou dificultar investigação não representa consequência natural e inafastável da constituição de grupo criminoso organizado, o que impede conferir àquele delito o tratamento de pós-fato impunível.
6. O crime previsto no art. 2º, caput, da Lei n.º 12.850/2013 visa resguardar a paz púbica, ao passo que o delito do §1º do mesmo artigo tem como fim tutelar a administração da justiça. São igualmente distintos os momentos consumativos e os desígnios, a reforçar a autonomia das condutas.
7. Não há espaço para interpretar a ausência de previsão de escusa absolutória como atecnia e omissão involuntária do legislador, de forma que inexiste lacuna a ser colmatada pelo método integrativo da analogia. Impossibilidade de aplicação do §2º do art. 348 do Código Penal à acusada.
8. No que diz respeito à consumação, o núcleo embaraçar é crime formal, na linha do majoritário entendimento doutrinário. O embaraço se perfaz com a prática de atos direcionados a atrapalhar, perturbar, dificultar, e tais condutas, até mesmo pelas suas acepções, não necessariamente atraem resultado naturalístico.
9. Diante da ausência de demonstração da aptidão das ações para dificultar ou atrapalhar a investigação, colocando em risco a administração da justiça, deve a sentença ser reformada para absolver os acusados, com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.
10. Apelações criminais dos réus providas.
Dispositivo
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencida a Juíza Federal GISELE LEMKE, dar provimento às apelações criminais da defesa dos acusados, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
TRANSITO EM JULGADO
o processo transitou em julgado na data de 24 de maio de 2022. A certidão de trânsito encontra-se mo evento 38 do sistema do TRF-4.