Com a condenação do ex-presidente peruano, Ollanta Humala, as notícias da última semana a respeito da Operação Lava Jato tiveram um teor mais internacional, mas não por isso deixaram de ter profunda importância tanto para o noticiário político brasileiro, quanto para o debate a respeito do legado e impactos da operação no país. Duramente criticada por Gilmar Mendes, a operação segue sendo revertida em mais processos, mas não por isso deixa de buscar espaços no judiciário nacional. Ainda, novidades seguem aparecendo e sendo debatidas, é o caso dos esquemas da ex-juíza da 13ª Vara Federal de Curitiba, Gabriela Hardt, para apagar suas suspeições, assim como o debate atual no STF sobre a perda imediata de bens dos alvos da operação. Já mais profundamente no debate político nacional, o ex-governador e ex-ministro Jaques Wagner pontua as diferenças entre as perseguições lavajatistas e os processos do STF contra os golpistas do 08/01, enquanto Moro, agora abertamente defensor da anistia a tais golpistas, segue descobrindo as dificuldades da vida política que não conhecia com sua imunidade perante a imprensa nacional. Tudo isso na newsletter do Museu da Lava Jato do dia 21/04/2025.

Desdobramentos da Lava Jato Peruana:

Todos os transtornos e o caos político que a Operação Lava Jato trouxe ao Brasil, com prisões de inocentes e condicionamento do debate político, já são de amplo conhecimento e em processo de reversão em diversos tribunais do país. O que não é tão conhecido, no entanto, é como seu método se exportou ao estrangeiro e replicou desastres semelhantes. É o caso do Peru, país vizinho que segue em busca de uma estabilidade política após o caos que os braços lavajatistas impuseram. Com o mesmo método de prisões sem provas, apoio midiático e politização de um suposto combate à corrupção, o Peru também se viu nos últimos anos com constantes crises políticas, eleições de personagens questionáveis, autoritarismo, renúncias, golpes parlamentares, a presidência nas mãos de políticos sem representatividade popular (como o caso da atual presidenta Dina Boluarte) e a constante ameaça da volta da extrema-direita, no país representado pela filha de ex-ditador, Keiko Fujimori.

A força da Lava Jato no país levou à prisão uma série de presidentes, o que inclusive levou ao suicídio de Alan García (presidente entre 2006 e 2011). No dia 15/04, com publicação de sentença condenatória, o braço da Lava Jato peruana quer encarcerar mais um ex-presidente, dessa vez Ollanta Humala, que governou o país entre 2011 e 2016. Ainda que os desdobramentos da Lava Jato no Brasil devessem também levar adiante as anulações no país vizinho, esse processo ainda não se concretizou, e o país ainda vive uma realidade semelhante à brasileira de alguns anos atrás. Humala relembrou o caso de Lula e se pronunciou sobre a perseguição que vem sofrendo:

É uma arma do lawfare, acabar com você até que não possa mais lutar. Tentaram me quebrar por meio da minha família inúmeras vezes. Querem nos obrigar a entrar em um ostracismo político e que terminemos manchados por termos ousado realizar um dos melhores governos dos últimos 40 anos no Peru.”

Vale ressaltar que, assim como em muitos casos da Lava Jato, sua condenação se baseou em acusações frágeis e sem provas concretas. Assim como aqui, a operação tem como alvos prioritários as figuras políticas de maior destaque, especialmente as de esquerda, mas não se limitando a elas. Uma breve análise da sequência dos últimos presidentes do país demonstra com facilidade o tamanho caos que têm vivido os peruanos, ainda sem certeza de quando conseguirão superá-lo.

O último capítulo dessa notícia foi o que tomou os noticiários nacionais, visto que a esposa de Humala, Nadine Heredia, condenada em conjunto com seu marido, pediu asilo no Brasil, o que foi concedido pelo presidente Lula, atitude em acordo com o histórico diplomático brasileiro. No entanto, ainda presa ao seu papel durante os desmandos lavajatistas, a imprensa brasileira criticou massivamente a atitude do presidente, talvez saudosa de quando no Brasil a Lava Jato ainda praticava o que hoje ocorre no Peru. O ex-juiz, Moro, em completo descompasso com a realidade, ainda comparou o caso com o asilo a Cesare Battisti, como se algum cabimento houvesse em assemelhar as condenações dos dois personagens.

Autoridades Criticam Lava Jato e Moro:

Outro acontecimento que tomou o noticiário brasileiro foram as críticas duras e eloquentes do ministro do STF, Gilmar Mendes, à Operação Lava Jato. Durante a Brazil Conference evento realizado para diversas autoridades internacionais, o ministro foi bastante claro a respeito de sua visão quanto à operação:

Fico muito orgulhoso de ter participado desse processo de ‘desmanche da Lava Jato’, porque era uma organização criminosa

Tal fala fez referência aos diálogos revelados pela Vaza Jato e pela Operação Spoofing, com o ministro chegando a comparar o intento indiscriminado de acabar com a vida política dos outros como algo digno do PCC. Ainda acrescentou:

Tudo aquilo que se revelou na chamada ‘Vaza Jato‘, e depois na Operação Spoofing, parece que eu já sabia

A última aspa tem uma relevância histórica importantíssima, não tanto destacada pela imprensa: a Operação Lava Jato, ativa durante anos destruindo vidas políticas, condenando e perseguindo sem prova, afetando a economia e a política brasileira, nunca foi exatamente discreta em seus intentos. As denúncias aos seus abusos vêm de muito antes do que foi revelado pela Vaza Jato, e diz-se isso sem o interesse em desmerecer o esforço em trazer à luz os diálogos, a questão é que não se pode esquecer o quanto os absurdos da operação foram ignorados por tantos setores, seja porque ficaram encantados com o discurso moralista que era utilizado, seja porque aceitavam as irregularidades em nome de ver um oponente político prejudicado. É ainda mais importante ressaltar esses detalhes, pois, pouco depois do sucesso da Vaja Jato e da Operação Spoofing, a grande mídia brasileira parece querer retomar sua aliança com o lavajatismo, o faz quando repercute os institutos cúmplices da Lava Jato, como a transparência internacional, e também o faz quando, no acontecimento em questão, trata como absurdas as falas de Gilmar Mendes. O orgulho do ex-ministro em ter participado — e, diga-se, ainda é protagonista nesse longo processo — do desmanche da Lava Jato é totalmente justificado, pois diferente do que a mídia ainda tenta resgatar, a Lava Jato não foi um esforço de combate a corrupção, mas sim um esforço político particular de seus agentes, desastroso como se sabe.

Gilmar Mendes, ainda, no mesmo evento, saiu em defesa de seu colega no STF, o ministro Alexandre de Moraes, em seu papel em defesa da constituição contra os ataques dos últimos anos. A defesa passou por despachar qualquer correlação com a suspeição de Sérgio Moro, a respeito de tese absurda de que Moraes não poderia julgar os atos contra o Supremo, visto ser ele um dos alvos prioritários. Gilmar comenta a obviedade de que alguns se esquivam de entender: fosse Moraes suspeito nesse caso, seria o mesmo que dar a possibilidade de cada um escolher o juiz para o próprio caso. Ao citar Moro, Gilmar Mendes ainda completa com sua opinião sobre o juiz, ao relembrar sua nomeação ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública, comentando como, se algo de positivo houve nisso, foi retirá-lo do cargo de juiz para, então, devolvê-lo ao nada.

O ex-governador da Bahia e ex-ministro nos governos Lula e Dilma, atual senador pela Bahia, Jaques Wagner, também comentou sobre os injustificáveis paralelos entre as perseguições lavajatistas e os processos contra os golpistas do 08/01. Para o político e líder do governo no Senado, não se deve ver o caso do julgamento do 08/01 como uma perseguição política. O que se deve fazer é acompanhar para que o processo seja devidamente respeitado, que a condenação seja fruto de investigação com provas e que o direito à defesa seja preservado: são tais as características que diferem os processos em questão das práticas da Lava Jato.

O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, também compartilhou dessa visão na Brazil Conference. Para ele, há que se encontrar uma pena proporcional, pois não se trata meramente de colocar maquiagem em uma estátua, mas sim da participação de um movimento que objetivava amparar o rompimento da democracia. Com relação à Lava Jato, destacou que nela havia um processo de espetacularização, com exposição dos julgados à mídia, e que, nos processos do 08/01, busca-se evitar qualquer tipo de semelhança com tais métodos.

A atualidade da Lava Jato e seus apoiadores:

Continuando a sequência de reversões da Lava Jato, o ministro do STF, Dias Toffoli, segue consolidando seu entendimento com relação aos elementos de conluio entre juiz e denúncia na Operação. Estendendo a decisão que tomou para os casos de Marcelo Odebrecht, Léo Pinheiro e Antonio Palocci, Dias Toffoli anulou todos os atos e decisões da Lava Jato contra o ex-advogado de campanha de Gleisi Hoffman, Guilherme de Salles Gonçalves. Tal decisão demonstra evolução de raciocínio de Toffoli quanto às informações disponibilizadas pela Vaza Jato e Operação Spoofing, visto que anteriormente havia rejeitado pedidos no mesmo sentido do, agora, aceito. Ficou evidente que o objetivo da perseguição ao ex-advogado de Gleisi buscava atingir a deputada e ministra, que compõe a alta cúpula do Partido dos Trabalhadores, movimentações cuidadosamente planejadas, visto que as datas de decisões que levaram o advogado à prisão encontram paralelo em conversas e reuniões de Moro com os procuradores.

Ainda, no TRF-4, decidiu-se pela absolvição de ex-advogado de Alberto Youssef, Matheus Oliveira dos Santos, condenado pela 13ª Vara Federal de Curitiba por sua associação com o doleiro. A defesa do ex-advogado ressaltou as arbitrariedades da Lava Jato, que construiu diversas condenações com delações fabricadas, e enalteceu a decisão do TRF-4 em corrigir tais desmandos. Ressaltou, no entanto, que a correção judicial não corrige o legado, as consequências pessoais e profissionais na vida do, agora, absolvido.

A reflexão da defesa de Matheus Oliveira dos Santos é muito pertinente, pois é preciso compreender a dimensão da Lava Jato para além das decisões agora revistas. A operação impactou a vida de muitas pessoas, assim como a economia e a política nacional, há coisas que jamais serão recuperadas. O judiciário é outro que foi impactado pelo movimento lavajatista, e, ainda que muitas movimentações de instâncias superiores indiquem o descrédito da operação, é necessário sempre se atentar aos seus apoiadores que ainda persistem. É o caso de nomes na lista sêxtupla para o TRF-2, que fazem maioria em volume, mas, como cabe ao Presidente da República escolher, é improvável que prevaleçam — o que não faz ser menos espantosa a sua escolha pelos pares. Ainda, por escolha do Procurador Geral da República, Paulo Gonet, José Adonis Callou deverá coordenar o Gaeco Nacional. Trata-se de ex-chefe da Lava Jato, nome que inclusive compôs a lista tríplice para PGR. Tal escolha precisa ser vista com muita preocupação, pois demonstra não apenas a força que o lavajatismo possui entre núcleos do judiciário brasileiro, mas também em Paulo Gonet, que já outras vezes optou por compor com o lavajatismo.

Veio à luz recentemente também o caso de Gabriela Hardt, juíza lavajatista que brevemente substituiu Sérgio Moro no comando da 13ª Vara Federal de Curitiba. Ainda que sua passagem tenha sido curta, não por isso deixou de ser marcante por absurdos típicos do lavajatismo, entre eles o caso de “copia e cola” que Hardt adotou na sentença condenatória contra Lula no caso do sítio de Atibaia, quando simplesmente reutilizou partes do caso do triplex, a ponto de esquecer de substituir os objetos em alguns pontos. O caso que surge agora, no entanto, diz respeito ao que descobriu o juiz Eduardo Appio, que também passou pela 13ª Vara Federal de Curitiba, informações contidas no livro “Tudo por dinheiro: A ganância da Lava Jato segundo Eduardo Appio”, de Sálvio Kotter. Conforme o juiz, Gabriela Hardt abusou de seus poderes para ter acesso indevido a processos que questionavam sua imparcialidade, mandando arquivá-los e impor sigilo. Trata-se de mais um capítulo das movimentações escusas da Lava Jato para preservar seus interesses de maneira irregular. Hardt já foi afastada da 13ª Vara, e hoje enfrenta processo da PGR por organização criminosa ligada à Lava Jato.

Moro e as dificuldades da política:

Conforme brevemente citado no início do texto, Moro ainda encontra em aliados da imprensa a possibilidade de ter repercutidas sem questionamento as suas opiniões das mais absurdas — foi o caso de sua comparação entre o asilo a ex-primeira-dama peruana e a Cesare Battisti. Nesses momentos, ele pode relembrar a facilidade que tinha quando ainda era juiz da Lava Jato, uma espécie de ícone criado pela imprensa e que jamais deveria ser criticado. Na vida política, no entanto, não é mais tão simples, ainda que siga havendo aliados nos jornalões. A exemplo disso, em seu esforço para defender os golpistas do 08/01 e reconquistar o eleitorado bolsonarista, Moro acusou o governo de não combater corretamente o crime organizado, mas esqueceu-se de que, após entrar de vez para a política, ocupou o Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro. Assim, na resposta da ministra Gleisi Hoffman, foi relembrada sua inócua passagem pelo ministério que, como citou a ministra, inclusive facilitou o acesso a armas e munição ao crime organizado.

Para além das bravatas do Senador que almeja concorrer ao governo do Estado do Paraná em 2026, há dificuldades também em garantir seu espaço tanto no partido como na direita como um todo. Dentro do partido, corre risco de perder a garantia de sua candidatura com o encaminhamento de federação partidária entre seu partido, o União Brasil, e o PP (união entre antigos PFL e PDS, originados do fim do ARENA, partido da Ditadura Militar). Ocorre que lideranças do PP, especialmente o clã de Roberto Barros, pretendem lançar a candidatura da ex-governadora, Cida Borgetti, e com a concretização da federação entre os partidos, não será possível que ambos lancem candidatos ao governo do mesmo estado. A disputa pela direita se complica ainda mais com as movimentações do atual governador, Ratinho Junior, do PSD, que não pretende apoiar o ex-juiz em sua empreitada. Com a máquina estatal e aprovação nas pesquisas, o atual governador já se movimenta para pôr em evidência possíveis nomes para sua sucessão, entre eles o ex-prefeito de Curitiba, Rafael Greca, que assumiu a secretaria estadual de desenvolvimento sustentável.

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