“Pobre país! A corrupção alimenta a vaidade, para dar vida ao patriotismo!”
Charge de Angelo Agostini, publicada em “O Cabrião”, 1867.

A definição de corrupção é permeada por complexidade e divisão teórica de diversas áreas do conhecimento, que buscam formular uma definição epistemológica do termo. Na opinião publica, também há divergências e confusões sobre a definição de corrupção. Boa parte da dificuldade de definir o termo origina da aparência de que o termo trata de uma simples questão semântica, e não um complexo mecanismo de modelos (MIRANDA, 2018).

Apesar da complexidade dos diversos tipos de conceito e definições, não é o objetivo desse texto fazer uma análise extensa do conceito e dos tipos de corrupção, mas demonstrar, através de dados estatísticos, qual a percepção dos brasileiros sobre a corrupção e como a Lava Jato obteve influência sobre essa discussão nos últimos anos.

De maneira geral, antes de estar atrelada aos representantes do poder público, a palavra corrupção se designava exclusivamente ao ato de deterioração, decomposição física, apodrecimento. “Corrupto” vem do latim corruptus: é o corrompido, o podre, o que se deixou estragar. O termo pode não ser originalmente o que entendemos por corrupção hoje, mas estava vinculado a uma coisa mais concreta, que era esta ideia da perda de características originais de algo. Na operação lava jato, “corrupção” foi a palavra que sofreu ressignificações e apropriações diversas, criando movimentos e incorporando o vocabulário brasileiro geral como inimiga número um da nação.

O início da corrupção no Brasil, pode ser associado ao período do Brasil Colonial¹, na questão da transposição dos aparatos administrativos e ideológicos políticos do Império Português. Essa visão da corrupção em território português na América colônia está ligado à Roma Antiga. Houve uma conexão muito forte entre a experiência do mundo romano através do direito com a experiência do Império Português, no que diz respeito a um modelo para a constituição de seus próprios corpos jurídicos.

Na história do tempo presente, é possível verificar que, com as diversas manifestações de 2016, foi desvelada a patente que grande parte dos brasileiros depositaram sua expectativa de mudança. As ideias da guerra contra a corrupção e regeneração da vida politica brasileira foram apropriadas pela Operação Lava Jato em sua narrativa de cruzada moralizadora. A corrupção, sendo assim, trata-se de um fenômeno histórico, que apesar de antigo se apresenta mutante, apresentando variações de acordo com o tamanho e a natureza do Estado, mas também presente no âmbito público e na esfera privada.

A corrupção é um assunto proeminente no âmbito da burocracia pública, que adquiriu crescente centralidade nos debates políticos contemporâneos e na mídia regional, nacional e internacional. Esse cenário foi reforçado principalmente após a Operação Lava Jato e a partir do entrelaçamento da narrativa da corrupção às manifestações de 2013 e 2016, que resultaram no impeachment da então Presidente Dilma Rousseff e polarizaram o país sobre o suposto preceito de “acabar” com a corrupção.

Dados

A corrupção é um assunto proeminente no âmbito da burocracia pública, que tem adquirido cada vez mais centralidade nos debates políticos contemporâneos e na mídia nacional e internacional. No Brasil, os dados mostram o papel central da corrupção na trajetória política e social do país.

Pesquisa realizada pela CNT/MDA, publicada em fevereiro de 2017, a qual entrevistou mais de dois mil brasileiros, mostrou que 91% dos brasileiros entrevistados acreditavam que não há partido político livre de corrupção. Já 63,2% creem que a Operação Lava Jato reduziria pouco a corrupção; A parte metodológica da pesquisa foi de 2.002 entrevistas estratificadas de forma proporcional ao tamanho, por cinco regiões e 25 unidades da federação, com sorteio aleatório de 138 municípios com probabilidade de seleção proporcional ao tamanho (PPT) considerando cotas em função do porte do município.

ICP: Índice de Percepção da Corrupção

O Índice de Percepção da Corrupção é o principal indicador de corrupção do mundo. Produzido pela Transparência Internacional desde 1995, ele avalia 180 países e territórios e os atribui notas em uma escala entre 0 e 100. Quanto maior a nota, maior é a percepção de integridade do país. O índice é a referência mais utilizada no planeta por tomadores de decisão dos setores público e privado para avaliação de riscos e planejamento de suas ações. Em 2021, o IPC destaca a relação entre corrupção e abuso de direitos humanos. Como mostra o relatório deste ano, países percebidos como altamente corruptos têm maior probabilidade de reduzir seu espaço cívico e democrático e atacar direitos da população.

DATAFOLHA

Uma pesquisa Datafolha divulgada em 2021 pelo jornal “Folha de S.Paulo” aponta que, para 61% dos brasileiros, a corrupção no país vai aumentar nos próximos meses. Para 11%, vai diminuir. Outros 24% entendem que a situação continuará como está, e 3% não souberam responder. A pesquisa ouviu 3.667 pessoas entre 13 e 15 de setembro em 190 municípios de todo o país. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, com nível de confiança de 95%.

Em 2011, a corrupção estava em sexto lugar no ranking dos principais problemas do país, com apenas 3%. Na época, saúde era líder. Entre junho de 2013 e dezembro de 2014, logo após as jornadas de protestos contra o governo do PT, o tema estava em terceiro lugar. O tema continuou a subir de importância e, em novembro de 2015, passou a ser apontado como o mais problema do país, segundo o Datafolha.

Em março de 2016, às vésperas do impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), 37% dos brasileiros classificavam a corrupção como a maior preocupação do país. O número de pessoas que acreditam no aumento da corrupção é maior do que o registrado na última pesquisa, realizada em 7 e 8 de julho de 2021 . Naquela ocasião, 56% fizeram essa afirmação. E 13% acreditavam que iria diminuir. No primeiro levantamento sobre o tema durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, feito em abril de 2019, 40% dos entrevistados afirmaram que a corrupção iria crescer. E 35% disseram que iria cair.

Índice de Capacidade de Combate à Corrupção (CCC)

O Brasil segue em trajetória de queda no Índice de Capacidade de Combate à Corrupção (CCC) desde 2019 e, em 2021, teve a maior queda entre os 15 países analisados. Sua pontuação geral caiu 8% em relação a 2020, e o país passou do quarto para o sexto lugar no ranking geral. Na categoria capacidade legal (com uma queda de quase 9% desde 2020), o país teve declínios na independência de suas agências anticorrupção e do Ministério Público. O Índice reflete a nomeação pelo governo do presidente Jair Bolsonaro de pessoas percebidas como menos independentes para o comando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. As investigações sobre corrupção transnacional também perderam ímpeto, e a Operação Lava Jato foi desmantelada em fevereiro de 2021. A única melhora na capacidade legal do Brasil foi um ligeiro aumento da independência judicial, graças a iniciativas recentes para reforçar a separação entre poderes.

O Brasil registrou queda de 11% na categoria democracia e instituições políticas, onde o estado das relações entre os poderes executivo e legislativo foi um fator decisivo. O capital político de Bolsonaro diminuiu durante a pandemia, levando seus aliados a recorrerem à política de troca de favores, negociação de cargos e uso de fundos públicos para conseguir apoio no Congresso. Níveis elevados de polarização política também reduziram a capacidade de mobilização dos grupos da sociedade civil. Em parte, isso reflete uma leve redução na categoria sociedade civil e mídia. No entanto, uma variável dessa categoria, a qualidade da imprensa, aumentou 3%. Um ecossistema de mídia vibrante no Brasil continua a exercer uma vigilância significativa sobre problemas de corrupção.

A CORRUPÇÃO E A OPERAÇÃO LAVA JATO

A Operação Lava Jato, segundo o Ministério Público Federal, é uma das maiores investigações sobre corrupção conduzidas até hoje no Brasil. Deflagrada em março de 2014, teve 79 fases, centenas de acusados e milhares de envolvidos, sendo oficialmente encerrada em fevereiro de 2021. Entretanto, as mudanças e ‘inovações’ nas metodologias jurídicas (notadamente a prática intensiva das delações premiadas), nas estratégias políticas e a direta interferência na história e na vida pública brasileira perdurarão por tempo indefinido.

As investigações tiveram início com o pretexto de apurar crimes de lavagem de dinheiro praticados por organizações lideradas por doleiros, que por sua vez, revelaram participações em esquemas de membros de diversos partidos políticos do Congresso Nacional Brasileiro, de representantes do Poder Executivo nos âmbitos Federal, Estadual e Municipal, assim como de diretores de grandes agências estatais e de empresários das maiores empreiteiras do país.

As novidades sobre a Operação Lava Jato rapidamente se tornaram manchetes em grandes veículos de comunicação nacionais e internacionais, impulsionando o interesse e também a ‘legitimidade’ do processo perante à opinião pública. Logo nas primeiras fases, entre 2014 e 2015, a cobertura começava a se tornar extensa, tanto por parte dos eventos quanto dos personagens envolvidos, contribuindo para um processo de ‘espetacularização’ das investigações. Tal fenômeno impulsionou a retórica de oposição ao governo federal, na época chefiado pela presidenta Dilma Rousseff, culminando no clima político de seu impeachment em 2016 e, em 2018, na prisão do Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Rapidamente, o viés político da ‘campanha por justiça’ destacou-se pela perseguição à figuras políticas de esquerda, principalmente, do Partido dos Trabalhadores (PT), que foi acatada por diversas esferas sociais e praticadas tanto por membros do magistério quanto pela população, incitada pela intensiva e invasiva cobertura midiática.

Neste cenário, o termo ‘corrupção’ foi atrelado, essencialmente, às ilegalidades envolvendo questões financeiras e à personalidades políticas específicas . Tal associação foi tão intensa que, mesmo após diversas denúncias de irregularidades na operação – corrupções praticadas por agentes da própria força tarefa -, apontadas por juristas e pesquisadores do mundo todo, a Lava Jato era defendida sob a argumentação da conquista do dinheiro recuperado e da necessidade de tais atos como solução para as crises do país – uma espécie de ‘os fins justificam os meios’ dos poderes e da opinião pública.

Com base nessa ampla divulgação e conhecimento da população acerca da operação, que se sustentava no lema e na promessa de ‘pôr fim a corrupção’, o Ministério Público Federal iniciou uma campanha com o objetivo de conseguir apoio popular para a propositura de um projeto de lei. O projeto prometia instaurar medidas para combater a corrupção e demais crimes contra o patrimônio público. A iniciativa coletou mais de dois milhões de assinaturas em apoio, para que as propostas pudessem ser apresentadas ao Congresso Nacional, por meio de projeto de iniciativa popular, que assumiu a forma do PL nº. 4.850/2016.

Os principais arranjos institucionais vigentes no combate e controle de corrupção se tornaram um espetáculo popular, utilizado como uma bandeira para legitimar personalidades e ações. Sergio Moro, que foi Juiz Federal na 13ª Vara Federal de Curitiba e um dos principais rostos da Operação Lava Jato, responsável por alimentar esse padrão de “combate” à corrupção, virou réu em 2022 em uma ação popular ajuizada por representantes do Partido dos Trabalhadores (PT), que questiona sua atuação nos processos. De acordo com os autores, Moro causou prejuízo ao país ao “manipular a maior empresa do Brasil, a Petrobras, como mero instrumento útil ao acobertamento dos seus interesses pessoais”. Tal acusação é corroborada pelo fato do ex-juiz, que condenou o ex-Presidente Lula à prisão em 2018 o retirando da corrida eleitoral, ter abdicado da magistratura para se tornar Ministro da Justiça e Segurança Pública no governo do atual Presidente Jair Messias Bolsonaro, vencedor das eleições citadas.

Dessa forma, o saldo da Operação Lava Jato é ambíguo – se os anos de investigações e processos revelaram inúmeras ilegalidades que permeiam os poderes públicos e seus vínculos com o mundo privado, indiciando corretamente políticos e empresários corrompidos, ao mesmo tempo demonstraram a explícita capacidade dos magistrados e dos agentes da Lei de realizarem atos anticonstitucionais e antiéticos – em sua imensa maioria com conivência e estímulo midiático e, consequentemente, social – assim como os claros interesses e interferências políticas de suas atividades, que ultrapassam em muito os limites dos deveres incumbidos aos agentes da Justiça.


Para além de questões éticas e judiciais, há ainda que se pensar nos empregos perdidos, em contraste com as cifras das quais se orgulham os membros do Ministério Público Federal, e na dor tanto das famílias dos envolvidos nos casos que, em 2022, durante a redação deste texto, foram arquivados pelo Supremo Tribunal Federal, quanto nos incontáveis cidadãos e cidadãs afetadas indiretamente pelas consequências do evento. A Operação Lava Jato, assim, entra na história como uma iniciativa que, em nome da luta contra a corrupção, corrompeu a si mesma e à sociedade brasileira.

referências

MIRANDA, Luiz Fernando. Artigo: Unificando os conceitos de corrupção: uma abordagem através da nova metodologia dos conceitos. In: Revista Brasileira De Ciência Política. Jan 201. disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/VPBTRQmsPqT8KLqJJmcnqpn/?lang=pt#

¹ROMEIRO, Adriana.Corrupção e poder no Brasil: Uma história, séculos XVI a XVIII. 1 ed. – Belo Horizonte. Autêntica : Editora. 2017.