A prisão do ex-presidente e ex-senador Fernando Collor de Mello ocupou o noticiário das últimas semanas, não apenas pela relevância histórica do evento, mas também por motivos políticos pessoais dos mais diversos. Para além do lamento dos envergonhados aliados do ex-senador — vale lembrar que o PL de Jair Bolsonaro não apenas apoiou a infrutífera candidatura de Collor ao governo de Alagoas em 2022, mas inclusive ocupou a vaga de vice na chapa — houve também na imprensa e entre os lavajatistas quem quisesse associar a prisão a uma vitória da Lava Jato, também aproveitando para criticar as recentes anulações. Tal discurso é errôneo e oportunista, conforme será explicado no texto. Além disso, novas denúncias surgem que seguem demonstrando a profundidade dos desmandos lavajatistas, e o futuro da candidatura de Moro em 2026 segue encontrando complicações. Tudo isso na newsletter do Museu da Lava Jato de 05/05/2025.

Collor e Lava Jato, as diferenças entre este caso e os anulados no STF:

Conforme amplamente divulgado, no dia 24/04, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, determinou a prisão do ex-presidente Fernando Collor de Mello por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em processo da Lava Jato. A prisão se deu na madrugada do dia seguinte, mas deverá ser cumprida em regime de prisão domiciliar. Ocorre, no entanto, que a prisão em decorrência de processos da Lava Jato suscitou o ânimo de lavajatistas na imprensa e na política, chamando para si os méritos da prisão e, ainda, acusando as recentes anulações de parcialidade, e que, segundo eles, apenas buscariam beneficiar os adversários do governo. Tal discurso é completamente falso e desprende-se da realidade do processo em questão, conforme muito bem analisado por juristas em diversas matérias, todas referenciadas ao fim do texto.

Em resumo, a distinção entre anulados ou em debate no STF por conta da proveniência de irregularidades na Lava Jato — sempre noticiados nas newsletters do Museu da Lava Jato — está justamente na forma como o processo foi guiado em si. A acusação dos lavajatistas, em um oportunismo raso, simplesmente assume que o STF está anulando processos pelo simples fato de pertencerem à Lava Jato. Não é o caso, as anulações, como sempre muito bem explicadas nas decisões dos ministros, ocorrem por conta das irregularidades no processo, da aniquilação do direito de defesa, como diz Toffoli, no momento em que juízo e denúncia se mancomunam e fabricam delações sem amparo em provas contundentes. Tal é o caso dos processos anulados, mas em nada guardam semelhança com o caso de Collor, agora analisado.

Um ponto essencial para compreender a distinção é que Collor não foi investigado nem julgado pela 13ª Vara Federal de Curitiba, comandada por Sérgio Moro durante as principais fases da Lava Jato, pois Collor era senador e seu foro era necessariamente distinto. Investigado pela PGR, não apenas não há indício algum de que se replicou os métodos lavajatistas de Moro e Dallagnol, como o conjunto probatório é muito mais concreto, sem embasamento em delações frágeis. O jurista Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas, é muito feliz em sua explicação de que o caso “separou o joio do trigo”, e desmantela o discurso de que as decisões do STF buscam simplesmente desmantelar a Lava Jato, o que não é o caso, pois o que se busca é reverter as irregularidades.

Um dos que tentou surfar no caso foi o senador e ex-juiz Sérgio Moro, que chamou para si as glórias da prisão, criticou as recentes anulações e, ainda, tentou envolver o presidente Lula no caso — ignorando as claras diferenças de condução dos processos. A ministra Gleisi Hoffman foi categórica em sua resposta:

Contra Collor o STF tem provas, recibos de propina, milhões na conta, carros de luxo, além dos testemunhos convergentes (…) Justiça se faz a partir da verdade, jamais com manipulações oportunistas como as que fazem a turma do réu Bolsonaro e seu parceiro Sergio Moro

Novas denúncias e críticas à operação:

Enquanto os lavajatistas fingem desconhecer as diferenças entre o processo que levou Collor à prisão e aqueles anulados pelo STF, novas denúncias seguem aparecendo para revelar os métodos ilegais e distorcidos da operação. É o caso dos relatos da ex-juíza Luciana Bauer ao jornal GNN, com link para a reportagem e entrevista na íntegra nas referências do texto. A ex-juíza presenciou irregularidades e sofreu perseguição, o que culminou no seu afastamento da magistratura. Entre outras situações, descobriu o ocultamento de mandado de habeas corpus em favor de estratégias políticas da operação e teve seu computador, onde anotava as irregularidades, trocado sem aviso. Hoje, a ex-juíza busca justiça pelas situações que presenciou e, como conselheira do ex-juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, Eduardo Appio, foi quem teve a ideia de solicitar ao Conselho Nacional de Justiça a correição extraordinária nos gabinetes da Lava Jato.

Emblemáticas também foram as críticas da jornalista Miriam Leitão, outrora apoiadora da operação e famosa por sua oposição aos governos petistas. Para além de defender a prisão de Collor, a jornalista fez questão de explicar as diferenças com os demais casos da Lava Jato e sair em defesa de Lula:

Ficou claro que, desde o começo, eles tinham uma agenda política e seu maior alvo era o presidente Lula (…) É essencial para a democracia mostrar que é capaz de corrigir seus próprios erros

Novos desdobramentos da Lava Jato peruana:

Assim como o caso de Collor, a concessão de asilo à ex-primeira-dama do Peru, Nadine Heredia, também tem sido utilizada de forma oportunista para atacar tanto o processo de reversão de irregularidades da operação pelo STF, quanto o atual governo. Para além de negar as evidentes irregularidades no processo que levaram recentemente o ex-presidente, Ollanta Humala, à cadeia — visto que no país vizinho o processo de reversão ainda não avançou na mesma medida que no Brasil —acusa-se também o governo de ter concedido um asilo supostamente ilegal à ex-primeira-dama.

Novamente, o jurista e coordenador do grupo Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho, assim como o professor da PUC/SP, Leonardo Massud, foram muito elucidativos quanto a esse caso. Assim como no caso brasileiro, o processo da Lava Jato peruana que prendeu o ex-presidente também se amparou em lógicas extremamente frágeis, que careciam de provas contundentes e eram muito convenientes para interesses políticos locais. Já quanto ao asilo, acusa-se de não cumprir com os requisitos da Convenção sobre Asilo de 1954, assinada por ambos os países, por se tratar de crime comum. No entanto, explicam os juristas, a perseguição política no caso é tão evidente quanto no Brasil:

criminalização da política tal como se fez aqui. Mas, mais do que isso, a Lava Jato peruana, que nasceu da “costela brasileira”, também tinha alvo certo. Aqui no Brasil já se sabia, o que se comprovou após a operação spoofing, que o objetivo da Força-Tarefa de Curitiba era derrubar o Partido dos Trabalhadores e prender Lula. Claro que a coisa foi ganhando dimensão maior e atingiu, colateralmente, outros partidos e políticos. No Peru, também foi assim. A homônima força-tarefa peruana tinha como alvo o Presidente Humala

As estratégias da esquerda, de Ratino e de Moro para as eleições de 2026 no Paraná:

No cenário das eleições para o governo do Paraná de 2026, começam a ganhar corpo os debates de estratégias para lançar candidatos viáveis. Pelo lado da esquerda, o PT e demais partidos do campo veem com maus olhos a candidatura de Moro, como elemento consideravelmente pior do que o da situação representada por Ratinho. Pensando na viabilidade da candidatura, os partidos veem como muito importante a união entre si para o lançamento de um nome palatável e estratégico, nas mesmas linhas da eleição municipal de 2020, em que Luciano Ducci (PSB) ficou por pouco fora do segundo turno.

Já o governador Ratinho Júnior (PSD) movimenta-se também para se opor à candidatura de Moro, mas o nome segue sendo uma dúvida. Alguns aliados pensam na candidatura do vice-prefeito de Curitiba, Paulo Martins (PL), o que facilitaria o enfrentamento a Moro por meio da direita bolsonarista, mas a ideia não agrada o governador, e não se pode esquecer que o próprio Bolsonaro optou por apoiar Cristina Graeml nas eleições municipais em vez da chapa do próprio partido. Entre os secretários do governo, o que não falta são pré-candidatos, e o governador tem sido cauteloso em decidir qual apoiaria — o nome do ex-prefeito Rafael Greca sempre aparece com certo destaque por conta da relativa popularidade, e Alexandre Curi (PSD), forte opositor à candidatura de Moro, também se destaca pela presença política, visto que se elegeu presidente da ALEP. A questão ainda passa pelo estabelecimento de alianças — em se conquistando o apoio da federação União Progressista, a questão do Moro já se dá por encerrada — além do interesse de Ratinho na disputa à presidência, mas que também passa pela decisão de Kassab e do cenário da direita como um todo até 2026.

Por fim, o lado de Moro segue complexo, pois com a concretização da federação partidária União Progressista (União Brasil e PP), o senador precisa conquistar a garantia da própria candidatura. Um dos grandes nomes do PP do Paraná, Ricardo Barros, pretende evitar que Moro saia candidato, fortalecendo seus próprios aliados e se garantindo no protagonismo da federação partidária no Paraná. As estratégias do ex-juiz em se reaproximar do bolsonarismo tampouco estão bem estruturadas, e, no Senado, Moro já negocia uma anistia aos golpistas do 08/01 que não envolva os crimes pelos quais Bolsonaro é réu, como fez há pouco tempo. Também confusa é sua atuação na oposição ao governo Lula e, da mesma forma que por vezes age como se não tivesse sido juiz da Lava Jato e, por esse cargo, declarado suspeito, Moro também ignora o fato de ter sido ministro de Bolsonaro quando faz críticas ao governo pelas investigações no INSS, cujas origens se encontram no governo anterior, desde a época em que ainda dele fazia parte.

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