Sobre a Vigília

o memorial vigília lula livre

Durante 580 dias, a Vigília Lula Livre foi composta por militantes, estudantes, sindicalistas, trabalhadores, camponeses, e políticos de todo o mundo. Localizado em frente à sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba desde o dia 7 de abril de 2018, o acampamento formou uma comunidade unida pela luta, que manifestou de várias maneiras seu apoio a Luiz Inácio “Lula” da Silva, o líder político mais popular da América Latina. Ao cabo de uma semana, calculava-se que 7 mil pessoas haviam passado pelo acampamento, ao final calcula-se que mais de 200 mil pessoas  passaram pela Vigília em eventos, atos, caravanas e aqueles que permaneceram durante todo o período na luta. Entre estes, grandes personalidades da história contemporânea prestaram visitas a Lula, como Danny Glover, Pepe Mujica, Chico Buarque , Noam Chomsky e Leonardo Boff.

Regina Cruz, militante do Partido dos Trabalhadores e da CUT-PR, falou sobre a importância da necessidade da organização popular demonstrada pela vigília. “Para mim, nesses quatro anos, acho que a vigília foi um experimento nunca realizado no Brasil e no mundo, onde quatro entidades sindicais, movimentos populares e o PT, junto com a comunidade e os moradores, os trabalhadores da cidade e do campo, fizeram muita luta, muita resistência e muito diálogo. Para nós, é uma sensação de dever cumprido. Isso vai ficar para história, vários líderes mundiais não tiveram uma vigília de 580 dias, teve muita luta no Paraná e em Curitiba”, relembra.

Na Vigília aconteceram diversas atividades culturais e de formação, como parte de uma agenda de resistência e luta pela liberdade de Lula desde o dia 07 de abril de 2018, quando ele foi preso na sede da Polícia Federal, em Curitiba. Englobando cultura, resistência e solidariedade, a Vigília Lula Livre entrou para a história com sua atuação, devoção e desdobramentos sociais. Depois de 580 dias preso injustamente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teve seus processos revertidos na Justiça, com o ex-juiz Sérgio Moro sendo declarado suspeito, o ex-presidente agora, livre, se mostra firme nas pesquisas para as eleições de 2022. 

A DIFERENÇA ENTRE
ACAMPAMENTO E VIGÍLIA

Nos primeiros quinze dias de existência, a Vigília Lula Livre ficou conhecida como Acampamento Lula Livre. No entanto, essa nomenclatura foi alterada em decorrência da duração do movimento e de seus propósitos sociais. Hoje, o nome “Vigília Lula Livre” é reconhecido como oficial pelos participantes, simpatizantes e pela mídia. Mas, qual a diferença entre acampamento e vigília?

O acampamento é, por excelência, o lugar de organização e aglutinação de um grupo “sem terra”. A ocupação corresponde ao movimento de enfrentamento com o proprietário da terra, não raro ligado à ÜDR, e com os poderes constituídos. A ocupação é também forma eficaz de pressão. Em função da possibilidade de resistência dos ocupantes e violência da força policial, normalmente se desencadeiam negociações. (SILVEIRA; SCHNEIDER; 1991)

A origem etimológica da palavra “vigília” está no latim vigília, que significa “guarda” ou “vigia”. Além disso, no dicionário brasileiro, a vigília é a ação de não dormir durante a noite. Normalmente esta privação do sono consiste num ato voluntário, praticado em conexão com a fé de um grupo, religioso ou não. Na Vigília Lula Livre, de forma voluntária, durante 580 dias, os militantes proferiram diariamente as falas “Bom dia, boa tarde e boa noite, presidente Lula” em seus respectivos horários, organizaram eventos, atos e dinâmicas para mostrar a Lula que eles estavam conscientes, presentes e lutando para que a justiça fosse feita.

Em entrevista ao site Brasil de Fato, Haidê Maria, da secretaria de combate ao racismo do PT, e presença constante na Vigília Lula Livre, durante os 580 dias de prisão e resistência comentou sobre a formação da Vigília: “Me lembro que depois de uns 15 dias, em uma noite muito fria, uma garoa muito fina, organizamos um boa noite, presidente Lula, com velas. Estava muito frio, mas foi um momento muito marcante, muito rico de esperança. E percebemos aí que estávamos diante de um gigante que estava lutando, e que precisávamos lutar junto com ele”.

O DIA A DIA DA VIGÍLIA: COMUNIDADE,
LUTA E SOLIDARIEDADE

Na execução da Vigília, localizada no bairro do Santa Cândida, horários foram adaptados para respeitar os vizinhos, deixando os espetáculos musicais e a agitação constante em momentos programados. Na área haviam barracas que abrigavam doações, a parte responsável pela comunicação, cuidados com a saúde, cozinhas e objetos de limpeza. Trabalhadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se dividiam com dirigentes do movimento sindical, professores e jovens dividiam-se nos afazeres diários da vigília. A organização do movimento era nítida, permeada pela resistência e total disponibilidade à causa.

Aquele acampamento montado na porta da prisão de Lula era bem diferente dos modelos com que a esquerda estava acostumada. Poucas eram as trajetórias semelhantes e, ao contrário de reforçar a semelhança, era importante demarcar essas diferenças, para fortalecer a luta pela justiça. Muito mais do que homogeneidade, a Vigília marcava a pluralidade dos que vinham em defesa do Presidente Lula. Mais do que uma organização, a Vigília foi formada por pessoas, uma comunidade, uma família. Gente que veio de longe, de perto, do interior, do exterior, e que permaneceram ali, naquele terreno, dia após dia, com suas convicções, força e crença na inocência de Lula e na esperança de um Brasil melhor.

No entanto, manter mil pessoas em praticamente 6 ruas de um bairro suburbano e tranquilo de Curitiba era algo que parecia insustentável. Uma comissão, formada por membros do PT, MST, CUT, e MAB, para realizar representação institucional do movimento, e negociar as condições de permanência dos manifestantes, algo que foi questionado desde o começo pela oposição. Desde o início, uma das principais tarefas postas para os participantes da Vigília era encontrar uma maneira de permanecer ali, firmes e fortes.

Duas semanas depois da ocupação das ruas, a direção da Vigília conseguiu alugar um terreno oficialmente, a partir desse momento foi formado o acampamento Marisa Letícia, que ficou pronto para o 1° de Maio. Nesta data, além da inauguração do acampamento, foi realizado um grande ato pela libertação de Lula. A instalação do Marisa Letícia foi administrada pela coordenação da vigília por dois meses, passando depois a ser organizado pelos militantes que permaneceram lá. Quando a ordem definitiva de desocupar as ruas já era praticamente concreta, a coordenação conseguiu alugar um terreno localizado em frente ao prédio da Polícia Federal, no bairro do Santa Cândida. Foi neste local que a sede da Vigília firmou-se.

Esse espaço se tornou um organismo vivo onde eram realizados todos os atos públicos relacionados à vigília. O coração da presença dos militantes se encontrava nas saudações de Bom dia, Boa tarde e Boa noite para o Presidente Lula, discursos, encontros e uma série de atividades culturais. Ali chegavam diariamente visitantes anônimos e ilustres que vinham prestar solidariedade ao movimento, aos militantes e ao Presidente.

Dentro da Vigília todos os espaços foram políticos, seja a cozinha, a sala de recepção, as barracas ou qualquer outro, todos eles se apresentavam politizados, cada um a seu modo. O fluxo de pessoas que passavam e visitavam o acampamento contribuía para a ação de importância dessa mobilização. A garantia da permanência da vigília também trouxe uma prova de união, trabalho e comunidade. O dinheiro era arrecadado coletivamente para manter o aluguel dos espaços, as contas e demais despesas, além de auxiliar os militantes a permanecerem na Vigília. A maioria dos recursos os organizadores e demais conseguiam com família, amigos, coletivos e arrecadações virtuais.

ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA

Como uma pequena vila, a Vigília Lula Livre tinha espaços específicos pensados e organizados para fazer com que a estrutura funcionasse de forma autônoma e orgânica. Normalmente organizados em tendas, estes espaços funcionavam para atender as necessidades específicas da Vigília e também dos militantes.

Comunicação Popular

Uma tenda, logo ao lado da Praça Olga Benário, espaço limítrofe estabelecido pela justiça para a distância da militância, foi montada para comunicadores populares. Ali jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas tinham um ponto de descanso, mas também, mesas e uma pequena infraestrutura necessária para produzir as notícias e informações que sairiam do bairro Santa Cândida para o mundo.

Casa da Democracia

Uma casa, a poucos metros de distância da sede da Superintendência da Polícia Federal, foi alugada por movimentos sociais para servir como base para um grupo de comunicadores de todo o Brasil. Um estúdio, improvisado, foi montado na sala da residência, de onde era exibido diariamente o programa “Democracia em Rede”, publicado em diversos perfis institucionais de todo o Brasil. Ali, neste mesmo espaço, o jornal Brasil de Fato também montou um estúdio de rádio improvisado para a produção de boletins diários que circularam por todo o globo com notícias diretamente da Vigília Lula Livre. Esse espaço foi criado em diálogo com diversos movimentos, mas gerido pela Mídia Ninja, que a matinha através de recursos colaborativos advindos da campanha do catarse. A casa da democracia era muito mais do que apenas um espaço de mídia, era também um espaço de acolhimento.

Arquivo MST-PR

Cozinhas

A primeira cozinha foi instalada na varanda de uma imóvel residencial cedido pelos vizinhos (alguns dos picos que eram simpáticos ao movimento), ali nascia o primeiro espaço da Vigília, era nesse lugar que servia-se almoço e jantar para as centenas de pessoas que compunham o acampamento. Os alimentos vinham de doações, recebidas pela coordenação. Nas ruas, em casas e até mesmo em espaços de vizinhos da região. Todo lugar era possível montar uma cozinha para alimentar os militantes e visitantes da Vigília Lula Livre. Toneladas de alimentos circularam por estes espaços que mataram a fome de milhares de pessoas que passaram pela vigília para prestar sua solidariedade ao ex-presidente Lula.

Foto: Arquivo MST – PR

Doações

Desde o primeiro final de semana uma das tendas a serem montadas foi o espaço de doação. Surpreendentemente, já nestes primeiros dias, pessoas que moravam em Curitiba -e depois em outras cidades e estados – buscavam informações sobre como fazer doações. Alimentos e materiais de higiene chegavam diariamente e eram, imediatamente, catalogados, armazenados e distribuídos para os setores internos da vigília e para militantes que acampados.

Doação de alimentos na Vigília Lula Livre no 11 de abril de 2018. Foto: Gibran Mendes

Limpeza

Até três vezes por dia um grupo, cuja tarefa era manter o local em ordem, realizava uma grande faxina nos espaços que estavam na Vigília Lula Livre. No início da manhã, antes do Bom dia Presidente Lula, a tarde e após o encerramento da última atividade do dia, com o Boa noite, este grupo realizava a limpeza e organização de todos os espaços, não abrindo margem para qualquer acusação de desordem ou desleixo com as vias públicas.

Limpeza da Vigília Lula Livre no 11 de abril de 2018. Foto: Gibran Mendes

Biblioteca comunitária

Se o ex-presidente Lula dedicou boa parte do tempo em que esteve sequestrado para atualizar suas leituras, não foi diferente com muitos militantes da Vigília Lula Livre. Uma biblioteca comunitária foi montada, em primeiro lugar, em um espaço pequeno, ao lado da praça Olga Benário. Com o crescimento constante de doações tornou-se uma das barracas para na sequência ser um dos pontos mais visitados. Não havia controle dos empréstimos e, mesmo assim, a cada dia o número de obras disponíveis somente crescia, levando cultura e conhecimento para os militantes.

Biblioteca da Vigília Lula Livre no 13 de abril de 2018. Foto: Gibran Mendes

Saúde (atendimento alternativo)

Ao contrário do que os detratores tentavam emplacar a partir de fake news, a rotina na Vigília Lula Livre exigia muita disciplina, esforço e trabalho. Em meio ao constante estresse promovido pela situação e pelas ameaças, além do trabalho pesado de carregar coisas para lá e pra cá, naturalmente problemas de saúde poderiam acontecer. A partir desta constatação uma tenda de saúde foi criada pela organização. Massagistas, fitoterapeutas, auriculoterapeutas, médicos e estudantes de medicina participavam do espaço prestando atendimento para quem precisasse.

Foto: Arquivo MST -PR