a defesa tem a palavra
Em janeiro de 2016 um grupo de mais de cem advogados e juristas publicou um manifesto com críticas à Operação Lava Jato, argumentando que métodos usados pela força-tarefa violaram direitos dos acusados. A carta aberta foi publicada em diversos jornais.
Um dos pontos evidenciados nesta carta é como prisões preventivas foram usadas como instrumento para a obtenção de acordos de delação premiada, sustentando uma “espécie de inquisição” onde já se sabia qual seria o resultado do processo antes mesmo do seu início. Além disso, a operação adotou uma estratégia de “massacre midiático” para pressionar a Justiça (em especial Cortes superiores) a manter prisões provisórias, no que acabou sendo uma engrenagem fundamental do programa de coerção estatal à celebração de acordos de delação premiada.
Um dos signatários da carta foi o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro (Kakay), um dos membros fundadores do Museu da Lava Jato. O jurista explicou ao portal de notícias G1 que o objetivo do manifesto foi provocar uma reflexão na opinião pública. “Esse manifesto não é só para chamar a atenção do Poder Judiciário. É muito mais para a reflexão da sociedade como um todo porque, de repente, o Brasil virou um país monotemático, onde só tem voz a acusação, só tem voz essa corrente punitiva do estado, onde a defesa passa a não ser muito ouvida”, afirmou.
Sendo assim, o projeto “Com a palavra, a defesa” tem como intuito, justamente, mostrar as considerações de advogados e juristas que participaram de processos da Lava Jato sobre a condução da operação, incluindo os conflitos de ética, o uso da Lawfare e as perseguições envolvendo seus clientes. São diversos depoimentos exclusivos, gravados pela equipe do museu, com alguns dos maiores nomes do Direito, disponibilizados para o público gratuitamente.
Lembrar para não repetir.
Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, é um dos mais ilustres advogados criminalistas da atualidade. Nascido em Patos de Minas (MG), onde viveu até os 18 anos, deixou o interior de Minas Gerais para viver em Goiânia (GO) e, em seguida, para estudar em Brasília (DF), onde formou-se em Direito na UnB, uma das mais renomadas universidades do país, em 1981.
Em 1994, após acumular experiência em cargos como o de Secretário Executivo da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério Justiça (1986/87), inaugurou o escritório Almeida Castro, Castro e Turbay Advogados Associados, do qual é Sócio Fundador Pleno. Desde então, foi se tornando mais e mais conhecido no cenário jurídico nacional, tendo defendido nomes influentes da política brasileira, entre eles ex-presidentes e vice-presidente da República, presidentes de partido, dezenas de governadores, parlamentares e mais uma penca de ministros de Estado, aos quais se somam ainda empreiteiras (Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS), bancos (Sofisa, BMG, BMC, Pine), banqueiros (Daniel Dantas, Salvatore Cacciola, Joseph Safra) e empresários de renome internacional.
Advogou no âmbito da Operação Lava Jato e se tornou um dos mais ferrenhos críticos dos métodos lavajatistas, tendo sido, em 2016, um dos autores de um manifesto assinado por diversos juristas (“Carta aberta em repúdio ao regime de superação episódica de direitos e garantias verificado na Operação Lava Jato”) que comparou a atuação da força-tarefa à inquisição. Denunciou, também, a utilização da Lava Jato pelo ex-juiz Sergio Moro como um “projeto de poder” e criticou o fato de a operação ter gerado efeitos nocivos à economia, quebrando grandes empresas brasileiras e deixando milhões de desempregados (especialmente no setor da construção civil). Além disso, esteve diretamente envolvido na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) que derrubou a prisão em segunda instância.
Resumo da entrevista:
O eminente advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, relata criticamente em depoimento exclusivo ao MLJ sua experiência atuando nos processos da Lava Jato. Desde 2015 Kakay apontou irregularidades, fragilidades, excessos e a crescente desmoralização do Ministério Público Federal e do então juiz Sergio Moro, que incluiu tratamento diferenciado e hostil a seus clientes pela acusação.
Kakay já alertava sobre a espetacularização do processo penal desde o Mensalão, e argumenta que a Lava Jato profissionalizou a prática, através do uso da mídia de forma capilar para além do processo. Também alerta contra a humilhação de investigados e a exposição a que eram submetidos com o intuito de obtenção de delações premiadas. O advogado ainda alega que Moro foi o principal eleitor de Bolsonaro, ao tirar o seu principal oponente e aceitar o cargo de Ministro da Justiça, prática essa que entende como corrupção.
Afirmou ainda que a Operação utilizou o Judiciário, o Ministério Público e parte da mídia e do empresariado nacional e internacional para a consolidação de um projeto de poder particular, e que os agentes desestruturaram a sociedade brasileira. Destacou também que a Operação é responsável por mortes simbólicas de diversas pessoas, além da morte de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da UFSC.
Conclui dizendo que deve-se dar a Moro e aos agentes da Lava Jato, “agora que serão investigados” os direitos que eles mesmos não deram a ninguém. Direitos esses reconquistados com a destruição do “Pacote Anticrime”, dentre outras vitórias. E que se deve apurar “porque aconteceu isso”, além da atuação do juiz, dos procuradores e dos advogados “que foram forças acessórias do Ministério Público”, que tem a mesma responsabilidade ou até maior do que dos Procuradores da República.
Fernando Augusto Fernandes é um dos mais admirados criminalistas do Brasil (conforme a publicação especializada Análise Advocacia 500), tendo atuado de forma decisiva em alguns dos casos de maior repercussão do Brasil, entre eles a própria Operação Lava Jato. É sócio-proprietário da Fernando Fernandes Advocacias, um dos mais renomados escritórios do país, onde se habituou a cenários que exigem diagnóstico e decisões rápidas, para proteger a liberdade de locomoção e o patrimônio das pessoas físicas, seu patrimônio e o funcionamento normal das empresas envolvidas.
Seu sobrenome, aliás, já é tradicional no meio jurídico, uma vez que seu pai é Fernando Tristão Fernandes, jurista formado na Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 1958 e que teve atuação destacada na defesa dos perseguidos pela ditadura militar (1964-1985), sendo ele mesmo uma das vítimas do regime autoritário.
Dando sequência à tradição familiar, Fernando Augusto Fernandes também seguiu para a área jurídica e construiu um currículo invejável. É doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (2011) e mestre em Criminologia e Direito Penal pela Universidade Cândido Mendes (2003). Possui ainda MBA em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ) e formação em Governança Corporativa pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), onde realizou curso para Conselheiros de Administração.
Autor das obras jurídicas “Voz Humana” (2004) e “Poder e Saber: Campo jurídico e ideologia” (2012), publicou no final de 2020 a obra “Geopolítica da intervenção: a verdadeira história da Lava Jato”, na qual mostra a influência dos Estados Unidos na política brasileira, desde a ditadura militar implantada em 1964, passando pelo período de modificação da legislação penal, que incluiu o instituto da delação premiada, até chegar à Operação Lava Jato.
Resumo da entrevista:
Em entrevista ao MLJ, o celebrado criminalista Dr. Fernando Augusto Fernandes afirma que a Lava Jato ajudou a desestruturar parte da democracia brasileira a partir de Curitiba, mas também a partir de uma “coluna vertebral” composta pelo ex-juiz Sergio Moro dentre outras autoridades do Judiciário e do MPF. Destaca também que a operação foi, na verdade, uma sequência de doutrinação e controle norte-americana nos sistemas da América Latina, ressaltando a faceta geopolítica da Lava Jato, explicada em seu livro “Geopolítica da Intervenção” (disponível na aba “Trabalhos Acadêmicos” do Museu, bem como na Amazon).
O autor aponta que houve doutrinação das forças policiais brasileiras, pagamento da Polícia Federal, dentre outras medidas que fizeram parte de um aperfeiçoamento de duas sequências de intervenção na América Latina. A primeira, que gerou golpes militares em toda a América Latina, e a segunda, que gerou dominação através do tráfico. Destaca também o chamado “Projeto Pontes”, cujos documentos revelados destacaram a doutrinação de juízes (dentre eles Sergio Moro), promotores, policiais federais, e a atitude contrária das autoridades brasileiras ao governo brasileiro, e que eram “altamente doutrináveis” sobre o tema da corrupção. Em conjunto com o Projeto Pontes, há também o histórico de cooperação do ex-juiz Sergio Moro em um processo anterior à Lava Jato com o consulado americano, que incluiu a atuação do FBI, e a atuação do procurador Deltan Dallagnol, e que configurou um ataque desestruturante ao regime político brasileiro, mais tarde exportado a outros lugares da América Latina. Assim, importou-se um método de destruição da classe política, tirando sua legitimidade e gerando a ascensão da extrema-direita e do bolsonarismo.
Fernando Augusto Fernandes pontua que o discurso anticorrupção representou a chave de entrada ideológica da atuação americana no Brasil em consonância com o conservadorismo brasileiro, lembrando exemplos como o de Fernando Collor e Jânio Quadros e seus discursos igualmente conservadores sobre corrupção. Pontua ainda que o Judiciário ajudou a desclassificar e diminuir a legitimidade da classe política e colocou a democracia em risco ao atacá-la, gerando um vácuo de poder em que o Judiciário começou a exercer papéis além de seus jurídicos originais.
O autor ressalta que, de forma geral, o Poder Judiciário exerce papel de desrespeito à Constituição e ao devido processo legal, e que a Lava Jato acentuou isso. Devemos olhar a Lava Jato como um péssimo exemplo em relação a respeito às garantias individuais, e partir daí para reformular o Poder Judiciário e o Ministério Público. Pontua ainda que a Lava Jato, de um ponto de vista pós-moderno, criou métodos de tortura institucionalizada similares aos presentes na ditadura, ao aplicar métodos de prisão ilegal, de sequestro para a “Guantanamo brasileira que virou a carceragem de Curitiba” e tortura, não de forma “grosseira e grotesca de 1964”, mas procedimental, através, por exemplo, da proibição de tomar banho e banho de sol por vários dias, como presenciado por Fernandes no caso de Paulo Roberto Costa, a quem defendeu. O que se buscava era a destruição do psicológico dos presos, com a crueldade reconhecida inclusive pela Procuradoria da República e por um juiz de plantão no caso relatado, e conectada com o instituto da delação premiada.
O papel dos advogados que participaram de delações premiadas sabendo que as prisões eram decretadas ilegalmente, submetidos à tortura de diversas formas, foi auxiliar em dar legitimidade a uma das piores fases da história brasileira segundo Fernandes.
Explica ainda que a Operação Lava Jato montou esquema financeiro para perseguir advogados que se mantinham fiéis à profissão, e para dar lucros a advogados copartícipes dessas ilegalidades, e cita exemplos de perseguição a Pedro Serrano e José Roberto Batochio. Para o autor, é necessário que grande parte do jornalismo brasileiro faça mea culpa por se tornar uma grande assessoria de imprensa da Lava Jato, e por auxiliar a formar o sistema que gerou o bolsonarismo.
Pedro Estevam Serrano é graduado em Direito, Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com Pós Doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Leciona Direito Constitucional, Fundamentos de Direito Público e Teoria Geral do Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde dá aulas nos cursos de graduação, mestrado e doutorado.
É atualmente sócio do escritório Warde Advogados, onde conduz o contencioso e o consultivo em matéria de Direito Público. Também é membro da Comissão Nacional de Estudos de Direito Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho Federal, além de ter sido Procurador do Estado de São Paulo, Consultor especial da Câmara Municipal de São Paulo e Secretário de Assuntos Jurídicos da Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo (SP).
Um dos mais destacados críticos brasileiros da lógica judicial que vem se impondo no mundo contemporâneo, Serrano é autor de livros como “Autoritarismo e golpes na América Latina: breve ensaio sobre jurisdição e exceção” e “A justiça na sociedade do espetáculo (ambos pela editora Alameda), frutos de pesquisas nas quais o jurista já apontava, antes mesmo da Lava Jato ou do impeachment de Dilma Rousseff (PT), a existência de uma ameaça autoritária no Brasil. Mais recentemente, foi coautor da obra “Autoritarismo líquido e crise constitucional” (Fórum), que reúne artigos produzidos pelos integrantes do Grupo de Pesquisa “Sistema de Justiça e Estado de Exceção”, da PUC-SP, e traz discussões sobre crise constitucional, autoritarismo, estado de exceção e perda de direitos no Brasil e no mundo.
Resumo da Entrevista:
Em entrevista ao MLJ, o eminente advogado dr. Pedro Serrano destaca que a Lava Jato pertence a um ciclo histórico que aponta crise constitucional e da democracia, bem como do consenso pós 2ª Guerra Mundial acerca do que é uma sociedade civilizada e do que são direitos. Ainda pontua que essa crise gera uma nova forma de autoritarismo, não mais calcada em Estados de exceção através de governos de exceção, e sim Estado de Exceção através de medidas de exceção, tais como investigações e processos penais de exceção, e impeachment inconstitucional, particularmente relevantes ao caso brasileiro. Entende que apesar de existir essa forma autoritária em países de primeiro mundo, no Brasil o diferencial reside na aplicação de medidas de exceção no direito penal comum (e não apenas em regimes jurídicos especiais de segurança nacional), que inicia-se com a guerra às drogas. Explica Serrano, citando Gunder Frank, que a exceção é uma técnica de Estado, primeiramente desenvolvida na guerra às drogas e posteriormente aplicada na política a partir do Mensalão. Afirma o advogado que o que define como “autoritarismo líquido”, se liquefaz mais ainda com a ascensão de Bolsonaro, em que não é apenas o sistema de justiça que pratica medidas de exceção, mas também o Poder Executivo e o Poder Legislativo. A figura do inimigo de Estado também se torna mais fluída, agora podendo ser além do líder político, líderes sociais, advogados, jornalistas, entre outros, e destaca que a Lava Jato é o cume de um ciclo nesse processo histórico, ainda inconcluso.
Ressalta que há medidas de exceção contra a esquerda, mas também contra a direita, ultrapassando a barreira de problema de governo e se tornando real problema de Estado. Sobre o processo de Lula, Serrano, que deu parecer para a ONU e para Comissão Nacional de Direitos Humanos, pontua que na verdade foi uma fraude disfarçada de processo penal, e que materialmente representou um agir político da extrema direita de perseguição a um inimigo. Além das mensagens hackeadas, Serrano deu parecer de forma a identificar no processo inobservância de todas as regras processuais inclusive constitucionais que garantem a civilidade do Estado com os cidadãos. Destaca que Moro reconheceu no fim do processo ausência de provas sobre a conexão do caso com a Petrobrás ou com os contratos apontados pelo Ministério Público, reconhecendo que a conduta pela qual Lula foi acusado não existiu, acusando-o de outro crime pelo qual o então réu não se defendeu. Afirma ainda o doutor que standard probatório do caso foi incivilizado, um cipoal de ilegalidades e nulidades que contaminam a existência do direito penal, de forma que não existiu processo penal ao menos no sentido funcional, comparado aos processos de Moscou de Stalin por Serrano.
Acredita Serrano que é um equívoco acreditar que as medidas de exceção se esgotaram nos membros da Lava Jato, e que “o sistema de justiça como um todo no Brasil naquele momento não tinha imparcialidade suficiente para julgar Lula”, contaminados por discursos de extrema direita também estimulados pela mídia. Brinda ainda o processo brilhante que provocou a Corte da ONU, que contou com 17 juristas de 17 países diferentes, sem interesse político no Brasil, e que gerou a conclusão unânime de que o processo abusou dos direitos de Lula e que interferiu indevidamente na democracia do Brasil. Serrano acredita que o Brasil não teve eleições livres em 2018, justamente pela candidatura de Lula ser impedida por como se deu o processo. A ONU aponta, segundo Serrano, que houve lesões a direitos de Lula, tratando-o como inimigo, mas também um ataque a todos os brasileiros, que foram impedidos de participar de uma eleição livre em 2018. Pontua que a Lava Jato utilizou de conceito moral e metafísico de combate à corrupção como substituição dos preceitos legais, afirmando que Lula foi condenado por prática futuras de atos, de forma absolutamente metafísica, mágica, desprovido de sentido concreto e jurídico, animado por um conceito moral metafísico de combate à corrupção. Exemplifica com uma decisão do TRF-4, que autorizou Moro a não cumprir a lei e aplicar medidas de exceção, explicitamente, de forma inédita no mundo, e que balizou o entendimento da ONU sobre o ocorrido no Brasil.
Salienta que a maioria dos juristas não apoiou a Lava Jato, mas se aquietou, “o que é próprio da ascensão do fascismo e do nazismo, como houve na Alemanha”, onde a maioria dos juristas ou colaboraram com o nazismo, ou se aquietaram, ou eram perseguidos brutalmente. Não muito diferente do que ocorreu no Brasil, onde inquéritos foram abertos contra advogados de Lula e de outros réus, bem como de advogados críticos à Lava Jato. A ação política de Moro como juiz foi destacada quando empossado como Ministro da Justiça de Bolsonaro, que admitiu que não seria eleito se não fosse pelas ações de Moro como juiz. A conduta do Judiciário pode ser chamada de degeneração do direito na visão do advogado, pela prática de medidas de exceção. Para combater o Lawfare, não bastaria ter uma mera lei contra a sua prática. É necessário que o sistema de justiça seja composto por pessoas comprometidas com a democracia constitucional, tendo que ter firmado compromisso com a democracia constitucional, seu princípio e valores.
Conclui Pedro Serrano assinalando que em sociedades de capitalismo central, de primeiro mundo, em que houve retrocesso, processos de degeneração da democracia, governos autoritários, tem-se o cuidado de registrar a memória histórica desses eventos, para não que se perca a própria história e a consciência sobre os fatos. É importante que se tenha a memória do mal que a Lava Jato representou ao país, pois é mais uma das demonstrações de como o sistema de justiça e o Direito podem ser instrumentos de degeneração da democracia constitucional e da Constituição e não de sua garantia. É importante o entendimento que o juiz pode não ser o aplicador da Constituição e sim um degenerador dela, assim como é importante que as próximas gerações tenham acesso a informações sobre a Lava Jato para que ela não se repita.
Maria Carolina Amorim é graduada em Direito pela Universidade Federal de Penambuco (UFPE), onde concluiu também o seu mestrado em Direito Penal, em 2012, além de ter feito o doutorado em Direito Processual Penal na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), em 2017.
Sócia do escritório Rigueira, Amorim, Caribé, Caúla & Leitão Advocacia Criminal, um dos maiores de Pernambuco e do Brasil, presente em quatro diferentes unidades da Federação (Distrito Federal, Maranhão e São Paulo, além de Pernambuco), a advogada criminalista já atuou em operações de grande repercussão, como a Operação Lava Jato, Zelotes e Catilinárias.
Além disso, ela é também diretora Nacional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) para o biênio 2021/2022, Conselheira Estadual da OAB/PE (2019/2021), e Diretora Jurídica da UNACRIM.
É professora do programa de pós-graduação (Mestrado) da FADIC e integra o corpo de pareceristas da Revista Brasileira de Ciências Criminais (desde 2016) e da Revista Brasileira de Direito Processual Penal (desde 2018).
Também publicou livros como “O tempo do Processo e a paridade de Armas (2021) e “A Inexigibilidade de Conduta Diversa – Fundamentos para aplicação das causas supralegais do direito penal brasileiro” (2014), e diversos trabalhos e artigos jurídicos.
Resumo da entrevista:
Em entrevista ao Museu da Lava Jato, a advogada e autora, Dr. Maria Carolina Amorim, que atuou como defensora de um dos executivos de uma das construtoras da Operação Lava Jato, aponta questões relativas à paridade de armas entre defesa e acusação no âmbito da operação. Primeiramente, explica que diferentemente do princípio do contraditório, o conceito de paridade de armas se trata da oportunidade de convencimento do magistrado através dos argumentos apresentados pelas partes. Um exemplo de disparidade de armas ainda que exista direito ao contraditório seria o caso de um juiz já convencido por uma das partes, que ainda que dê o direito da parte contrária de se manifestar, não irá ouvi-la propriamente e se deixar convencer. O mesmo vale quando uma parte tem mais poder de recolhimento de provas.
Acerca de Sergio Moro, a quem já conhecia de outras operações e processos, destaca práticas inusitadas do juiz, que em citação de réus imediatamente marcava audiência de instrução, atropelando resposta à acusação e possível absolvição sumária. Pontua que essa prática se repetiu em outros processos, inclusive em relação a outras construtoras, e que o juiz deu a entender em artigos escritos anteriormente que o processo penal possui muitas fases e nuances, que atrapalhariam o resultado final. Destaca ainda a advogada que o processo é uma construção composta por essas fases, e que feita com um juiz imparcial e com observância a princípios, é o que cria uma decisão justa, correta e adequada. Amorim assinala que a impressão que ficava sobre a atuação do juiz Moro é que os advogados meramente estavam ali para “cumprir tabela”, e que na percepção da defesa, Moro já havia tomado partido em prol de condenação em penas altas e prisões. A atuação dos advogados se tratava mais de buscar reverter aquilo que já parecia definido em primeira instância antes mesmo da conclusão da instrução.
Opina a advogada que uma forma de controle a ser adotada pelo CNJ e pelo Judiciário é distanciar o juiz da mídia, uma vez que a mídia e o acompanhamento midiático de um processo interfere na imparcialidade de um julgador e o pressiona a tomar determinada decisão para não desagradar determinado público. Ainda explica que a transparência para o público acerca de processos que envolvem autoridades públicas é essencial, mas não pode ser transformada em forma de perseguição e interferir em um processo imparcial contra os réus, e que isso deve ser sopesado. O juiz não pode estar preocupado com a própria imagem quando julga, para que possa manter equidistância em relação às partes.
Pontua ainda que apesar da Lava Jato deixar um marco negativo do ponto de vista técnico processual, ela mostra como não se fazer processo penal. A Lava Jato deu publicidade a diversos atos anteriormente esparsos no Brasil, como a condução coercitiva, por exemplo. Sem dúvida a Lava Jato será um marco, diz a advogada, positivo ao desnudar a corrupção e que qualquer um independente de cargo pode se sentar no banco de réus, mas também negativo pois em seus exageros feriu de morte dispositivos processuais do Código de Processo Penal e da Constituição Federal. Conclui pontuando que é necessário fazer com que os operadores do Direito entenderem o que se pode e o que não se pode fazer em um processo penal, olhando para a Constituição.
Formado em 2002 pela Faculdade de Direito da Universidade Paulista e mestre em Direito Penal Econômico pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Augusto de Arruda Botelho Neto é hoje um dos mais célebres criminalistas brasileiros, tendo se tornado ainda mais conhecido do grande público após integrar por alguns meses, em 2020, o quadro “O Grande Debate”, da rede CNN Brasil.
Desde o início, contudo, a trajetória do jurista se mostrava promissora. Não à toa, foi estagiário e, logo após graduar-se, tornou-se advogado júnior no escritório de Márcio Thomaz Bastos, que foi ministro da Justiça no primeiro governo Lula, entre 2003 e 2007.
Com a experiência adquirida, fundou anos depois o escritório Arruda Botelho Sociedade de Advogados, atuando em diversos casos notórios, como a Operação Lava Jato, quando advogou para a Odebrecht. Chegou, inclusive, a ser perseguido por membros da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, que atacaram advogados na tentativa de atingir seus clientes (além de Botelho, o próprio Thomaz Bastos e o advogado Marden Maués foram outras vítimas da perseguição, que terminou com um inquérito sendo arquivado pelo MPF por não haver qualquer indício de ilegalidade na atuação dos defensores).
Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra e especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca, Botelho é também ex-presidente e um dos fundadores do Instituto de Defesa do Direito de Defesa
Na mesma época, em 2015, ele era presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, instituição da qual foi um dos fundadores, membro do Grupo Prerrogativas e conselheiro da Human Rights Watch.
Resumo da entrevista:
Em entrevista ao Museu da Lava Jato, o advogado criminalista e fundador de uma
série de organizações da sociedade civil, Augusto de Arruda Botelho, pontua que a
Operação Lava Jato, que representava em primeiro momento mais um caso em sua vida, já
se mostrava de grandes proporções. Esclarece que para entender a Lava Jato, é preciso
entender primeiro o caso do Banestado, e que uma figura central em ambos os casos foi
Alberto Youssef. Além disso, explica que tanto o ex-juiz Sergio Moro quanto alguns
membros da força-tarefa do MPF, delegados de polícia, investigadores e agentes da Polícia
Federal atuaram no caso Banestado anteriormente à Lava Jato, e que os mesmos métodos
ilegais presentes empregados no caso Banestado foram aplicados na Operação Lava Jato,
ainda que mais sofisticados e aperfeiçoados, o que torna as operações umbilicalmente
ligadas.
Pontua ainda que o juiz Sergio Moro já era em 2003 o mesmo juiz que
posteriormente tocou a Operação Lava Jato, e que já desobedecia ordens do STF, que já
apresentava postura suspeita e parcial na condução dos processos e que já utilizava
métodos processuais ilegais, apenas com menos habilidade no passado.
Acredita o advogado que não era necessária uma lei para fazer o que já se fazia
desde 2003, e que a delação de Youssef na época é considerada a primeira delação
clausulada na história da justiça brasileira, extremamente benéfica ao réu e que firmava o
compromisso de que Youssef não retornaria a delinquir, compromisso esse que foi
quebrado poucos anos depois do pacto, anteriormente ainda à Operação Lava Jato, onde
Youssef firmou outro acordo de delação premiada. Não houve grandes represálias à quebra
do acordo por Youssef em primeiro momento, o que Botelho expõe que desconstitui a
função de uma colaboração premiada de perdoar ou diminuir a pena do delator deixando
claro que seria a única vez que aconteceria, pois o delator não deveria retornar a delinquir.
O que foi feito, como aponta o advogado, foi incentivar a prática de outros crimes.
Explica Botelho que de forma similar ao tétrico ditado “passarinho pia na gaiola”, era
necessário prender para que os réus fizessem delações, e foi isso o que foi feito na Lava
Jato, de forma ilegal. Preventivamente e sem justificativa, os réus eram presos para que
posteriormente lhes fosse oferecido o acordo de delação premiada. Tratava-se de tortura na
realidade. O advogado ainda explica que ao frisar esse ponto e criticar os métodos da Lava
Jato já em 2014, foi ameaçado, xingado e tratado com hostilidade nas ruas, perdendo
clientes inclusive. Todavia, não parou de se posicionar.
Sobre a advocacia criminal, enfatiza que existia uma advocacia criminal antes e uma
depois da Operação Lava Jato. Sempre foi um mercado relativamente pequeno, destaca,
mas que explodiu após a operação porque comercialmente se tornou rentável. Todavia,
critica a inexperiência e a falta de ética de alguns dos novos advogados que surgiram com a
operação, que viram na delação premiada uma forma fácil de trabalhar. Transformou-se em
um filão da advocacia segundo Botelho. Concomitantemente a isso, a tortura que era
praticada via prisões ilegais deixava o réu vulnerável em vários aspectos, tornando-o mais
propenso a dar relatos com facilidade. Esclarece ainda que a delação premiada de um réu
preso tira o caráter mais importante dela que é a voluntariedade, uma vez que é coagida a
colaborar. A advocacia tem responsabilidade em não ter se insurgido contra as prisões
preventivas e ter adotado uma postura comercialmente interessante, cobrando grandes
honorários e fazendo acordos de forma extremamente rápida.
Acerca das ilegalidades da Lava Jato iniciam desde o primeiro dia da operação, e
dentre alguns exemplos, está o grampo na cela de Youssef, que apesar de confirmado e
comprovado, não havia prioridade nem interesse político ou processual de que a
investigação sobre o fato fosse para frente. Mais tarde foi aberto inquérito policial, após o
descontentamento de vários policiais federais que não participavam das ilegalidades. Esse
inquérito procurou investigar na verdade aqueles que apontavam as ilegalidades que
estavam sendo cometidas e as denunciavam. Foi um método de perseguição a opositores,
conforme explica Botelho.
Afirma ainda que a Operação Lava Jato foi, pela proporção, pelo apoio da opinião
pública, da mídia e do Judiciário, o pior marco na história do Judiciário. O legado da
operação é péssimo e irrecuperável, uma vez que há vários juízes e operadores do direito
se inspirando nas atitudes de Moro e Dallagnol pelo país. Aduz ainda que a Lava Jato se
encontra dentro de um contexto punitivista e de um Judiciário feito para condenar, em que a
defesa é mero obstáculo em que o final já estava escrito, que transforma o núcleo do
processo no Estado Democrático de Direito, composto pelo contraditório, pelo devido
processo legal, em mero detalhe. A Lava Jato não foi o início, mas fez em grande escala e
deixou um péssimo legado ao país, segundo o advogado.
Botelho é cético que um aperfeiçoamento do instituto da suspeição seja eficaz,
devido ao corporativismo do Judiciário, sempre acima de qualquer alteração legislativa ou
qualquer política pública. O problema, para ele, está na formação. Forma-se atores de
justiça criminal sem vocação ao cargo, muitos sem qualquer noção de humanidade atrás do
processo, especialmente afastada após o advento do processo eletrônico.
Alertava o advogado desde antes que os agentes da Lava Jato já tinham sido eleitos
antes mesmo do pleito de 2022, pela notoriedade que a operação deu a eles e pelo notório
interesse tanto de Moro, de Dallagnol e de outros para tanto, exposto pela Vaza Jato. Foi o
que fez com que o advogado se candidatasse a deputado federal nessas mesmas eleições,
para contrapor as posições daqueles que, como pontua o advogado, são refratários a
direitos e garantias, em um ano importante em que se discute reforma do Código de
Processo e Penal dentre outros desafios.
Por mais que houvesse a tentativa de deslocar o lavajatismo do bolsonarismo, são
irmãos siameses, explica Augusto de Arruda Botelho. Bolsonaro jamais teria sido eleito se
não fosse pelo trabalho de Moro e Dallagnol, e o rescaldo do bolsonarismo ajudou a
elegê-los com um grande número de votos. Ainda esclarece que não há surpresa nenhuma
no desenrolar desses fatos, tratando-se de um projeto de poder bem sucedido.
As propostas de Moro e Dallagnol são mero aperfeiçoamento daquilo que já existia
desde a década de 80, na visão de Botelho. A proposta de pena de morte, de redução da
maioridade penal são chavões de produção legislativa para combate à criminalidade e para
a segurança pública utilizados à décadas. Trata-se de pauta que traz votos, pois a
população, amedrontada com o aumento da criminalidade, acredita em milagres. Utiliza-se
o mesmo chavão de forma mais sofisticada para combater a corrupção, que se trata de um
mal que deve ser combatido com inteligência policial, investigações bem feitas e processos
que não sejam anulados, e não com o cerceamento de direitos e garantias fundamentais
como o proposto por eles. É meramente um verniz sobre um discurso sobre pena de morte
que já foi visto anteriormente.
Conclui explicando que a advocacia deve estar na vanguarda de uma resistência,
seu órgão de classe também. O Ministério Público em sua maioria que respeita a lei deve
internamente e externamente trabalhar isso. O Poder Judiciário deve entender que não há
crime grave o suficiente que justifique o atropelo da lei, e que não se combate um crime
cometendo outro. Mas como as coisas estão postas hoje, é muito difícil imaginar que as
pessoas reflitam dessa forma.
É sobretudo importante, para não repetir o que aconteceu antes, que se invista na
melhor formação dos agentes de justiça para que surjam melhores advogados, defensores
públicos, promotores, procuradores, juízes, delegados de polícia, que entendam que existe
algo que não se ultrapassa, que é a Constituição.