QUEM É ALBERTO YOUSSEF, O ‘DELATOR DE ESTIMAÇÃO’ DE SERGIO MORO E DELTAN DALLAGNOL?
O doleiro Alberto Youssef, quem diria, voltou a ser notícia em todo o Brasil nesta segunda-feira (20 de março), após ser preso preventivamente por ordem do juiz Eduardo Appio, sucessor de Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba. A decisão, provocada por representação fiscal para fins penais apresentada pela Receita Federal, aponta ainda que o operador financeiro conseguiu manter ao menos parte da fortuna obtida através de práticas criminosas, mesmo após ter sido preso duas vezes (no Caso Banestado e na Operação Lava Jato), tendo celebrado dois acordos de delação premiada e acumulando condenações diversas na Justiça.
Nacionalmente, o londrinense Alberto Youssef é conhecido por ter sido um dos principais delatores da Lava Jato. Ele foi preso em março de 2014 pela Polícia Federal (PF), ainda nos primórdios da operação.
Desde muito antes, porém, o doleiro já era conhecido das autoridades, inclusive do juiz Sergio Moro e do procurador Deltan Dallagnol. Não é exagero nenhum, inclusive, dizer que, não fosse Youssef, Moro sequer existiria como uma figura pública relevante. Isso porque o ‘delator de estimação’ do ex-juiz e hoje senador pelo Paraná foi delator e figura central nos processos que alçaram Moro à fama, o Caso Banestado e a Operação Lava Jato.
Uma trajetória, inclusive, no mínimo curiosa e que merece ser recordada. É que Youssef celebrou seu primeiro acordo de colaboração em 2004, prometendo não voltar a delinquir. Só que retornou logo em seguida ao mundo do crime e só foi novamente preso dez anos depois. E o que aconteceu, então? Em mais um processo presidido por Sergio Moro, ele celebrou um novo acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal e conseguiu não só escapar (mais uma vez) de uma longa estadia na cadeia, como ainda preservou o vasto patrimônio construído ilicitamente.
O COMEÇO DO IDÍLICO MORO-YOUSSEF
Preso em 2003 no âmbito do Caso Banestado, Youssef fez seu primeiro acordo de delação premiada em 2004, num processo presidido por Sergio Moro. Na época o londrinense não era um criminoso comum, tendo movimentado cerca de um bilhão de dólares apenas entre os anos de 1997 e 1998, conforme as investigações, com evasão fraudulenta de divisas por contas CC5 na praça de Foz do Iguaçu.
Ainda assim, o operador financeiro conseguiu celebrar um acordo de delação premiada (um dos primeiros da história brasileira, se não o primeiro) com o Ministério Público Federal, o qual foi homologado pelo então juiz Moro. Com o acordo, o doleiro conseguiu benefícios legais e escapou de uma longa estadia na cadeia, prometendo não voltar a delinquir. Também teve de pagar uma multa, de 900 mil dólares, mas isso não seria problema para alguém que em anos anteriores havia movimentado mais de 1 bilhão de dólares e que também não ficou muito tempo sem ocupação.
É que logo após deixar a prisão, Youssef já voltou aos seus negócios criminosos, que foram tocados pela doleira Nelma Kodama, sua sócia e amante, entre 2003 e 2005 (quando o londrinense esteve preso por causa do Caso Banestado).
Segundo o relatório final da CPI da Petrobras, isso demonstraria que “Youssef não foi monitorado devidamente, mesmo tendo feito a primeira delação junto à Força-tarefa de Curitiba especializada no combate a crimes financeiros.”
Sergio Moro e Deltan Dallagnol, no entanto, logo souberam que Youssef voltara a delinquir. Só não fizeram nada com relação a isso.
Em 2006, o advogado Roberto Bertholdo (ex-assessor parlamentar do PMDB e ex-conselheiro da Itaipu Binacional) denunciava publicamente, em meio ao escândalo do Mensalão, que Youssef havia voltado a operar ilegalmente, acusando ainda que o operador financeiro, através de sua colaboração premiada, entregou doleiros do Brasil inteiro às autoridades para em seguida se apropriar de seus clientes.
Ainda antes disso, porém, o delegado Gerson Machado, da Polícia Federal, avisou as autoridades sobre a retomada das atividades ilícitas do doleiro de Londrina.
Em dezembro de 2005, por exemplo, ele procurou Sergio Moro e comprovou que o doleiro estava mentindo, já que havia usado a empresa de um terceiro para continuar a cometer crimes. O então juiz apenas indicou que “o dado teria que ser apurado”, mas resolveu manter o acordo de delação.
Em outro episódio, em julho de 2006, o delegado ouviu do próprio Youssef que ele teria lucrado de 20 a 25 milhões com suas operações ilegais. O questionou, então, sobre como teria informado isso ao Ministério Público Federal, mas o doleiro disse que os procuradores não o cobraram sobre isso e que ele teve de pagar apenas uma multa (aquela de 900 mil dólares).
O delegado insistiu que Youssef deveria entregar o produto do crime e procurou Sergio Moro, que justificou ter apenas homologado a delação de Youssef e recomendou a Machado que procurasse o MPF. O delegado, então, levou o assunto a Deltan Dallagnol, que exigiu provas. Machado respondeu ao procurador que tinha fé-pública e seria a testemunha. Mas o embate permaneceu, Youssef passou a acusar Machado de mentir e persegui-lo, a delação não foi revista e o delegado acabou sendo afastado do caso.
PARA UMA NOVA PRISÃO, UMA NOVA DELAÇÃO
Em 2014, no entanto, Alberto Youssef voltou a aparecer nas manchetes de jornais. Foi no dia 17 de março, quando a Operação Lava Jato foi deflagrada e o doleiro voltou a ser preso por ordem do então juiz Sergio Moro, acusado de participar de um esquema que realizou movimentações atípicas que somam R$ 10 bilhões, lavando dinheiro para pessoas físicas e jurídicas ligadas a crimes como tráfico internacional de drogas, corrupção de agentes públicos, sonegação fiscal, evasão de divisas, extração, contrabando de pedras preciosas e desvios de recursos públicos, entre outros.
Finalmente, então, Moro resolveu declarar quebrado o acordo de colaboração celebrado anteriormente com o operador financeiro, que acabaria sendo condenado a mais de 100 anos de prisão em vários processos, mais uma vez presididos por Moro.
Mas se engana quem imagina que Youssef teria, enfim, de pagar por seus crimes. É que ainda em 2014 ele celebrou um novo acordo de delação premiada e, com isso, ficou apenas três anos preso, cumprindo pena em regime fechado entre março de 2014 e novembro de 2016.
E ao que tudo indica, assim como ocorrera no Caso Banestado, mesmo após a prisão e o acordo de colaboração, o doleiro conseguiu manter a fortuna que construiu no mundo do crime.
Ou seja, pela segunda vez Youssef conseguia escapar de uma longa estadia na cadeia e ainda preservava sua fortuna.
CASA NA PRAIA, TENTATIVA DE COMPRA DE AVIÃO E AQUISIÇÃO DE HELICÓPTERO
A nova prisão de Alberto Youssef, determinada pelo juiz Eduardo Appio, foi provocada por uma representação fiscal para fins penais apresentada pela Receita Federal (crime tributário, portanto).
Segundo o magistrado, relatório do Fisco aponta que o doleiro “não devolveu aos cofres públicos todos os valores desviados e que suas condições atuais de vida são totalmente incompatíveis com a situação da imensa maioria dos cidadãos brasileiros”.
Ainda segundo Appio, o simples fato de Youssef possuir diversos endereços e a indicação de que ele estaria morando numa praia em Santa Catarina “já evidencia uma situação muito privilegiada e que resulta incompatível com todas as condenações já proferidas em matéria criminal”, havendo, inclusive, evidências de que o doleiro teria tentado comprar um avião e que havia adquirido um helicóptero.
“Note se que no acordo de delação o ora investigado ficou obrigado a devolver apenas uma pequena parte de seu vasto patrimônio (devolver R$ 1.893,00), além de bens imóveis de difícil alienação. Ora, a própria RECEITA FEDERAL denuncia que o investigado teria se apropriado de valores muito superiores aos valores acordados. Indaga-se o que foi feito do restante destes valores, até porque não há nenhuma conta ou empresa off shore mencionada no acordo de colaboração celebrado”, anota ainda o juiz em sua decisão.
E sabem quem apareceu para defender Youssef após a nova prisão? Foi Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Força-Tarefa da Lava Jato. Em seu Twitter, o agora deputado federal reclamou que a decisão que fundamentou a prisão do doleiro seria “‘econômica’ nos fundamentos” e ainda chamou o novo magistrado da 13ª Vara Federal de Curitiba de “juiz midiático”.
Appio, então, rebateu a fala do parlamentar lavajatista, conforme noticiou a coluna Radar, da Veja: “Não sabia que o condenado Alberto Youssef tinha um novo advogado de defesa, depois de tanto tempo solto nas ruas”, ironizou o juiz.