Lava Jato e perseguição política: um estado de exceção em pleno regime constitucional
Ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro e hoje comandando a Secretaria Nacional do Consumidor (órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública), Wadih Damous foi uma figura combativa nos tempos de auge do lavajatismo e do lawfare no Brasil. Filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) desde a sua fundação, ele foi deputado federal entre 2015 e 2019, o que lhe permitiu acompanhar de perto os desdobramentos da Operação Lava Jato e a eclosão do movimento que resultou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Em entrevista exclusiva ao Museu da Lava Jato (MLJ), a qual pode ser conferida na íntegra abaixo, Damous recordou sua trajetória pessoal e profissional, revelando, por exemplo, que uma das suas inspirações para decidir cursar Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) foi a atuação de advogados como Sobral Pinto e Heleno Fragoso e Modesto da Silveira, que ele cita como exemplos de “talento, coragem e determinação” por suas atuações como defensores em meio a uma ditadura militar no Brasil (a que perdurou de 1964 a 1985).
“A gente vivia sob ditadura militar e eu queria ser advogado de preso político, então resolvi cursar Direito por causa disso. Isso acabou não acontecendo, eu enveredei pelo Direito do Trabalho. Não defendi nenhum preso político, mas dos que sobreviveram fiquei amigo de muitos deles”, conta Wadih, comentando ainda sobre como foi voltar a ver em anos recentes as prisões políticas voltarem a ser praticadas (como na situação que vitimou Luiz Inácio Lula da Silva) e diferenciando o que houve na Operação Lava Jato com o que acontecia nos anos de chumbo da ditadura.
“A Lava Jato tem, em certa medida, uma gravidade maior, porque na ditadura é ditadura, não tinha Poder Judiciário funcionando livremente. A Justiça dos presos políticos, em termos de Estado, era a Justiça Militar. Então não se tratava aí de utilização da Justiça como instrumento político para perseguir, não era isso. Era perseguição direta, era pau de arara, era DOI-CODI… Na Lava Jato, não. Nós tínhamos formalmente um regime constitucional, com as competências do Poder Judiciário e Ministério Público claramente definidas na Constituição, uma Constituição democrática, e essa turma da Lava Jato jogou e rasgou a Constituição. De forma solerte, se valeram dos seus cargos, das suas atribuições, para usar o Direito para rasgar o Direito, para vilipendiar o Direito. Foi isso o que a Lava Jato fez”, aponta Damous, dizendo ainda que “a Lava Jato foi um estado de exceção em pleno regime constitucional”.
A instrumentalização do combate à corrupção
Remetendo ainda à história brasileira, Wadih Damous destaca que o combate à corrupção vem sendo instrumentalizado ao longo dos tempos por figuras cujos interesses reais não tem nada a ver com uma questão de ética ou moral pública. Como exemplo ele cita a perseguição política promovida por Carlos Lacerda e a UDN (União Democrática Nacional) contra Getúlio Vargas e outros adversários políticos e a própria ditadura militar.
“A Lava Jato, com o apoio midiático que teve, elegeu a corrupção, hipocritamente, como inimigo público número 1 da vida brasileira. E eu me lembro claramente de corruptos, rematados corruptos, vindo à luz do dia defender o combate à corrupção, a prisão do presidente Lula, a criminalização da esquerda e do PT, da mesma forma como fizeram em 1964”, aponta Damous, afirmando ainda que a Lava Jato jamais significou e nem mesmo poderia significar o enfrentamento genuíno da corrupção por um motivo muito simples: não se pode enfrentar um crime praticando outros crimes.
“A Lava Jato já nasceu ilegal, já nasceu como estado de exceção. Não há nada que mereça aplauso na Lava Jato. Nada, rigorosamente nada. Na pescaria que eles sempre faziam – elegiam um inimigo e faziam uma pescaria, ‘vamos ver se esse cara tem alguma coisa aí pra gente pescar’ -, a Lava Jato acabou, na verdade, livrando da responsabilização os verdadeiros corruptos. Então uma série de gente que de fato praticou crime, diante das nulidades que a Lava Jato semeou ao longo da sua trajetória criminosa, acabou se livrando”, destaca o jurista e político, concluindo ainda que a Lava Jato, na realidade, acabou servindo à corrupção.
“É uma operação corrupta, corruptora, e acabou servindo aos corruptos e corruptores. Ela significou e significa um grande retrocesso no chamado combate à corrupção.”
Abaixo, você confere a íntegra do depoimento de Wadih Damous ao MLJ