Foto: REUTERS/Daniel Cole

A memória é um campo de batalha. 

No Brasil, a história nos mostra que as elites, sempre aliadas ao autoritarismo, fazem de tudo para silenciar aqueles que lutam pela verdade e pela justiça. A vitória de “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, no Oscar 2025 como Melhor Filme Internacional, não é apenas um triunfo para o cinema brasileiro. É uma vitória da memória, da verdade e da justiça. O filme resgata a brutalidade da ditadura militar brasileira e expõe suas cicatrizes ainda abertas. Salles soube, com maestria, transformar uma história nacional em uma obra de relevância universal, mostrando ao mundo que a memória é a única maneira de evitar a repetição dos horrores do passado. Ao mesmo tempo, o Brasil deu um importante passo em seu território para manter viva essa memória. A casa onde foi filmado “Ainda Estou Aqui” será transformada em um memorial do cinema brasileiro, como anunciado recentemente pela Prefeitura do Rio de Janeiro. “A Casa do Cinema Brasileiro” será muito mais do que uma celebração da nossa cinematografia; será um local de resistência, onde as histórias contadas em produções como a de Walter Salles permanecerão vivas como lembretes de que a democracia não pode ser tomada como garantida.

Trata-se de um marco na resistência contra o esquecimento que nos foi imposto pela ditadura militar e perpetuado pela Lei da Anistia de 1979, uma vergonha que ainda mancha nosso sistema jurídico. Não estamos falando de apenas uma vitória para o cinema nacional, mas para toda a sociedade que luta para que sua história seja lembrada. O Oscar tem peso simbólico: coloca nossa cultura no mapa e, ao mesmo tempo, serve como um lembrete de que a arte é uma forma de resistência contra a opressão e o autoritarismo.

Enquanto celebramos o cinema como ferramenta de memória, não podemos ignorar o fato de que, hoje, mais do que nunca, a Lei da Anistia deve ser revista. Ela foi usada para enterrar, junto com os corpos de desaparecidos políticos, a justiça que as vítimas da ditadura e suas famílias mereciam. Não podemos permitir que o erro se repita. Os golpistas de 8 de janeiro de 2023, que covardemente tentaram destruir as bases de nossa democracia, não podem se valer da impunidade que marcou nosso passado.

Essa tentativa de golpe, incitada por figuras como Jair Bolsonaro, é a continuação direta da lógica que permeou o regime militar: o uso da violência para impor um projeto de poder ilegítimo. As recentes prisões de militares envolvidos em planos para assassinar o presidente Lula e outras lideranças são provas de que a cultura golpista permanece viva nas instituições que deveriam zelar pela segurança e pelo Estado de Direito. Assim como a ditadura contou com o apoio de setores das Forças Armadas, os ataques de 2023 também encontram respaldo em grupos radicais dentro dessas corporações.

A decisão da prefeitura do Rio de transformar a casa em um memorial é uma vitória contra os que tentam apagar nossa memória. Mas, sozinha, ela não basta. A luta pela justiça, pela revisão da Lei da Anistia, e pela punição dos golpistas de hoje deve ser implacável. Não podemos mais tolerar condescendência com aqueles que traem a democracia. A sociedade precisa estar atenta e cobrar que as instituições sejam firmes na defesa do Estado Democrático de Direito, pois não haverá espaço para uma nova reconciliação sem verdade e sem responsabilização.

A história nos ensina que a impunidade só fortalece os criminosos. O cinema, a cultura, e a memória devem andar lado a lado com a justiça. A lição que o Brasil precisa aprender é clara: sem punição para os crimes do passado e do presente, corremos o risco de reviver o que há de pior em nossa história. Os erros do passado não podem ser repetidos:  ditadura nunca mais, ontem, hoje e para sempre.