Luiz Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal, acaba de protagonizar um dos movimentos mais ilustrativos da instabilidade política brasileira: abandonou o punitivismo feroz que o consagrou na era Lava Jato para, subitamente, se redescobrir garantista, justamente no julgamento da tentativa de golpe de Estado que teve Jair Bolsonaro como figura central.

Esse giro, longe de representar um amadurecimento jurídico, expõe uma fragilidade institucional mais profunda: a incapacidade das elites judiciais de sustentarem coerência quando a democracia exige firmeza. A transfiguração de Fux, encampando preliminares sobre foro e volume de provas que jamais o comoveram em casos anteriores, especialmente da Lava Jato, não é um gesto técnico. É uma acomodação política perigosa.

Vale lembrar: Fux foi um dos pilares do moralismo judicial que sustentou a Lava Jato, operação que não apenas atropelou garantias fundamentais, mas também alimentou o descrédito generalizado na política. Foi dessa erosão institucional que emergiu o bolsonarismo. A promessa de uma justiça acima da política (seletiva, midiática, redentora) transformou-se em solo fértil para aventuras autoritárias. Quando a política é deslegitimada e o Judiciário se arroga função tutelar do país, abre-se o caminho para líderes que se apresentam como salvadores da pátria.

É nesse contexto que se deve ler o voto de Fux no julgamento do golpe: ao recusar a competência do STF, ao sugerir que Bolsonaro não teve ampla defesa, ao minimizar a gravidade dos atos de 8 de janeiro, o ministro fornece à extrema-direita exatamente o que ela precisa: a aparência de que há divisões no tribunal, de que a responsabilização será parcial, de que ainda há espaço para impunidade.

E mais: enquanto operadores da Lava Jato celebram esse voto com entusiasmo nas redes sociais, como registrou a imprensa, confirma-se o elo entre o lavajatismo e o bolsonarismo. São duas faces do mesmo projeto de corrosão institucional: uma pela via da cruzada moral, outra pelo caminho da ruptura autoritária.

O que está em jogo não é apenas a coerência de um ministro, mas o futuro da democracia brasileira. Se figuras como Fux, que já rasgaram garantias em nome da “ordem”, agora as invocam seletivamente para poupar quem tentou subverter o regime democrático, então a toga deixou de ser instrumento de justiça para se tornar escudo de conveniência.O STF precisa compreender que não há mais espaço para ambiguidades. O garantismo não pode ser protocolo de ocasião. Ou se defende a democracia com clareza, inclusive punindo quem a ataca com provas robustas, ou se prepara o terreno para o próximo retrocesso. A história não absolverá os omissos — nem os incoerentes.