Autor: Sabrina Kurscheidt
Revisão: Daniel Ceccon Iantas

O pedido protocolado nesta semana pelo Grupo Prerrogativas junto à Procuradoria-Geral da República (PGR) não é apenas mais um rito burocrático no labirinto do sistema judiciário brasileiro. É um movimento político decisivo que aponta para a decomposição acelerada da farsa construída pela Lava Jato ao longo da última década. Ao exigir a abertura de investigação criminal contra Sérgio Moro, Gabriela Hardt e Deltan Dallagnol, o Prerrogativas escancara o que o Museu da Lava Jato vem denunciando há anos: a existência de um conluio entre agentes públicos que, sob o pretexto de combater a corrupção, corromperam eles próprios os princípios mais elementares da legalidade e do devido processo.

O silêncio da PGR, que há quase um ano mantém paralisada a análise dos contundentes relatórios aprovados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não surpreende, mas indigna. Esse mesmo Ministério Público que, no auge da Lava Jato, se lançou como protagonista midiático e político, agora se omite vergonhosamente diante de evidências concretas de práticas que vão muito além de erros ou excessos: trata-se de esquemas montados para desviar recursos públicos e beneficiar interesses privados sob uma capa judicial supostamente neutra.

O relatório do CNJ, descrito por seus autores como prova de uma “engenharia processual fraudulenta”, desmascara as operações financeiras que moveram o coração da Lava Jato: o desvio atípico de bilhões de reais para reforçar o caixa de grandes corporações e até a tentativa de criação de uma fundação privada que teria o poder, inédito e inconstitucional, de gerir recursos públicos à revelia do controle estatal. Um arranjo que, se fosse descoberto em outra latitude ou praticado por figuras menos protegidas, já seria objeto de severa punição. No Brasil, ainda depende da mobilização da sociedade civil para sequer ser investigado.

Essa movimentação do Grupo Prerrogativas reforça o papel central das articulações jurídicas e políticas que, na contramão da narrativa hegemônica construída pelo consórcio Lava Jato-mídia, insistem em expor as vísceras desse projeto autoritário. O Museu da Lava Jato se alinha a esse esforço: não se trata apenas de contestar tecnicamente decisões judiciais do passado, mas de denunciar o modelo político-judicial que a operação encarnou, uma simbiose perversa entre lawfare, desmonte econômico e manipulação da opinião pública.

O que está em jogo agora, com esse pedido à PGR, não é apenas a responsabilização penal de Moro, Dallagnol e Hardt, embora isso seja indispensável. Trata-se de um processo mais amplo de restauração da confiança pública nas instituições que, durante anos, foram instrumentalizadas para fins políticos e ideológicos. A Lava Jato não foi um erro: foi um projeto. Um projeto que atacou seletivamente lideranças políticas, destruiu cadeias produtivas estratégicas e pavimentou o caminho para o retrocesso democrático que o Brasil ainda enfrenta.

Mais do que nunca, é fundamental que setores organizados da sociedade civil, como o Prerrogativas e o Museu da Lava Jato, sigam exercendo pressão, escancarando os mecanismos de autoproteção de uma elite jurídica que se julgou acima da lei enquanto destruiu reputações, direitos e patrimônios coletivos.

O Museu da Lava Jato reafirma, com este episódio, seu compromisso de ser um espaço de memória crítica, denúncia pública e formulação política. A queda da Lava Jato não será completa enquanto seus principais operadores seguirem impunes e enquanto os danos que causaram ao Estado de Direito, à economia nacional e à democracia brasileira não forem plenamente reconhecidos e reparados.

Que a PGR se mova, ou será mais um capítulo da longa crônica da omissão institucional diante do autoritarismo de toga.