-
Uma psicologia social do direito : investigações sobre uma magistratura dissidente: espectros da resistência
- voltar
Uma psicologia social do direito : investigações sobre uma magistratura dissidente: espectros da resistência
O propósito desta investigação foi compreender quais elementos e aspectos tornariam (Im)Possível um outro Judiciário brasileiro. Como se tratou de uma pesquisa sobre as "possibilidades", não se buscou investigar o Judiciário a partir de seus aspectos hegemônicos (de seus aspectos dominantes), isto é, aqueles que fazem do direito um instrumento de dominação que opera de modo a reproduzir os interesses econômicos do capital financeiro internacional. Ao invés disso, buscou-se compreender quais seriam os elementos determinantes das possibilidades e impossibilidades da materialização de um outro Judiciário, de uma outra magistratura. A pesquisa se deu a partir de entrevistas junto a magistrados (juízes e desembargadores) “dissidentes”. Constatou-se que era falsa a hipótese de trabalho de que haveria movimentos de magistrados que corresponderiam àquilo que Serge Moscovici denomina “minorias ativas”, isto é, coletivos minoritários com potencial de disputar a hegemonia do funcionamento de determinadas estruturas, abrindo possibilidades para a emergência de imaginários divergentes. Apesar disso, verificou-se uma trajetória pessoal comum a quase todos os magistrados que explicitaram sua desconformidade com o Judiciário brasileiro hegemônico: uma vivência pessoal, direta ou indireta, de adversidades que afligem aquilo que se pode chamar “povo brasileiro”, sendo a origem de classe e aspectos identitários de exceção retratados como significativos para a singularidade da prática jurídica. Além disso, foi identificada na própria organização e estruturação do trabalho da magistratura a presença de mecanismos, instrumentos e ferramentas regidos por princípios de quantificação, velocidade, eficácia e tecnicismo, em oposição a princípios qualitativos de reflexão e pensamento. Outro aspecto constatado pela pesquisa foi a necessidade de se compreender a estruturação psicossocial do Judiciário brasileiro em paralelo aos fatores de estruturação psicossocial da sociedade, como a origem escravocrata da sociabilidade do Brasil, bem como a própria anatomia do direito e do neoliberalismo que perpassa todos os campos sociais. Uma outra variável que apareceu como vital à compreensão da jurisdição brasileira recente é o impacto que os meios de comunicação de massa produziram, colocando o Judiciário ao lado do Executivo e do Legislativo como mais um Poder refém da Grande Mídia. Por fim, apesar de não se ter encontrado coletividades organizadas e em condições de produzir movimentos de democratização do Judiciário brasileiro nos termos trabalhados por Moscovici, verificou-se uma diversidade de potencialidades nas atuações individuais e coletivas da magistratura, que vão desde ações de resistência e enfrentamento até à desistência. Como possibilidade de reflexões futuras, destaca-se a importância de estudos que mapeiem as repercussões da subjetividade judicial da magistratura (os princípios individualistas e objetivistas sobre os quais a prática jurisdicional é erguida) nas dificuldades em se imaginar e efetivar um outro Judiciário possível.
Orientador Guareschi, Pedrinho A.
Tese de Doutorado em Psicologia Social e Institucional – Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Instituto de Psicologia Social e Institucional, Rio Grande do Sul, 2020.