Nas últimas semanas, o tema da Lava Jato esteve principalmente ligado ao STF: novo julgamento, dessa vez não o de Bolsonaro, mas de seu ministro, o ex-juiz Sergio Moro. Pouco após aderir ao novo pilar da extrema-direita, a liberdade de expressão irrestrita, Moro pode ser condenado e cassado por acusar Gilmar Mendes de vender decisões no STF – sem provas, como é costume do senador. Ainda no STF, Edson Fachin se torna o novo presidente do Supremo Tribunal Federal e Luís Roberto Barroso herda os processos da Lava Jato, cuja postura sobre o tema se distingue da de Fachin, mas também alterou-se muito nos últimos anos. O caso do outdoor propagandístico da Lava Jato tem novos desdobramentos e, além dos problemas com o STF, Moro também tem que lidar com seu envolvimento nas fraudes do INSS, mas ainda tenta construir sua candidatura para 2026.

STF forma maioria contra Moro em caso que pode levar à sua cassação:

O senador e ex-juiz paranaense Sergio Moro tem tido que lidar com algumas consequências de seu passado enquanto tenta construir sua carreira política pós-Lava Jato. Uma delas é o processo hoje em andamento no STF com relação a uma calúnia que proferiu contra o ministro Gilmar Mendes em 2022, data em que Moro já havia há um tempo ingressado no discurso bolsonarista de oposição ao Supremo Tribunal Federal. A denúncia decorre de vídeo viralizado no qual Moro faz piadas em que insinua que Gilmar Mendes vendia habeas corpus, e foi recebida por Carmen Lúcia em 2024, que afirmou que a alegação de ser brincadeira não autoriza o crime de calúnia.

Um detalhe curioso do processo é a inversão de papéis, visto que o ministro Zanin compõe a primeira turma do STF e julga recurso de Moro nesse processo. No passado, Zanin foi o advogado de Lula na Lava Jato, o qual conquistou a anulação dos processos e a suspeição de Moro. Além dele, Cármen Lúcia (relatora), Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Luiz Fux julgam o recurso. Conforme esclareceu a relatora, o recurso de Moro não é admissível, pois centra-se em argumentar contra o mérito da ação, enquanto a fase em questão apenas admite recursos que resolvam obscuridades da denúncia. De tal forma, justificou seu voto contrário, seguido por Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Flávio Dino. Com os quatro votos, os embargos de declaração de Moro foram rejeitados, restando apenas o voto de Fux, que pediu vista, para finalizar essa etapa do processo que manteve a ação contra Moro.

Ainda que o julgamento deva seguir por mais um tempo até concluir em eventual condenação, os votos até o momento já indicam uma concordância de que as falas de Moro ultrapassaram os limites de uma crítica política. Entre as possíveis consequências, o ex-juiz e senador pode amargar a perda do mandato e dos direitos políticos, tornando-se inelegível. Tal desfecho seria determinante para a continuidade da carreira política de Moro, que tem a campanha para governador em 2026 como próximo passo.

Moro tenta dar sobrevida à PEC da Blindagem:

Em curiosa coincidência, tal processo contra Moro avança simultaneamente aos debates a respeito da PEC da Blindagem. Amplamente rejeitada pela população, a aprovação da PEC pela Câmara dos Deputados culminou em uma série de protestos pelo país e a subsequente rejeição do texto no Senado. Apesar de votar contrariamente por medo da reação do eleitorado, Moro foi um dos senadores que se esforçou em manter a PEC, e segue nessa empreitada pelos argumentos que colocou, que por sua vez encaixam-se perfeitamente no contexto de seu julgamento no STF.

O discurso de Moro sobre a PEC da Blindagem foi no sentido de que, por mais que isso propicie a impunidade, os parlamentares deveriam ser blindados da possibilidade de serem investigados por crimes “de opinião”. Em outras palavras, Moro fez um esforço para salvar a PEC como uma forma de reverter a responsabilização de parlamentares que atentaram contra a democracia e as instituições, mesmo com todo o contexto conhecido de articulações golpistas nos últimos anos. Moro, portanto, mais uma vez andou na corda bamba da aprovação do eleitorado em seu esforço de agradar ao bolsonarismo sem causar a rejeição dos demais. Em meio a isso tudo, claro, também faz uma defesa de si mesmo, visto que o processo por calúnia contra Gilmar Mendes também se enquadraria no que definiu como mera opinião, passível de blindagem.

Barroso herda casos da Lava Jato de Fachin:

Enquanto isso, o STF passa por sua mudança rotativa na presidência, de forma que Edson Fachin passa a ser o novo presidente e Barroso herda seus processos na Lava Jato. A trajetória de ambos os juízes com relação à operação é passível de análise, com contradições e mudanças de posicionamento.

A começar por Fachin, o novo presidente do STF manterá os processos da Lava Jato que já começaram a ser julgados pela segunda turma. Sua relação com a Lava Jato foi sempre muito marcante, questão da qual ele esteve à frente desde a morte de Teori Zavascki em 2017. Em artigo de opinião do advogado Gustavo Freire Barbosa, publicado na Carta Capital, é comentada a trajetória do ministro, que, indicado pela ex-presidenta Dilma Rousseff, foi distanciando-se do contato com movimentos sociais como o MST para tornar-se forte aliado do lavajatismo.

Seu discurso de posse fez mais lembrar sua figura antiga, citou a necessidade de coesão contra os ataques institucionais, de ouvir grupos vulneráveis e defender os direitos humanos. No entanto, não se pode esquecer que as expectativas quando de sua indicação foram duramente traídas com sua atuação relativa à Lava Jato. Totalmente alinhado a Moro e Dallagnol, Fachin chegou a ser comemorado nas conversas entre os procuradores lavajatistas com o famoso “Aha uhu o Fachin é nosso”, e, em uma de suas decisões mais polêmicas, arquivou os pedidos de habeas corpus a Lula, negando seu direito constitucional de responder em liberdade. Também foi dele a decisão que reconheceu a incompetência da 13ª Vara de Curitiba, o que anulou as condenações de Lula, mas muitos analisam tal decisão como uma manobra para impedir o julgamento da suspeição de Moro. Assim, mesmo com os indícios do discurso de posse, é necessário ter ciência das reviravoltas em sua trajetória.

No decorrer da Lava Jato, Luís Roberto Barroso, ministro que herda os processos da Operação deixados por Fachin, nunca foi um antagonista. Na verdade, na maior parte do tempo ele pôde ser visto como um grande aliado, ainda que não no mesmo nível de Fachin, motivo pelo qual não se espera grandes mudanças com os processos chegando em suas mãos. No entanto, houve também sinalizações recentes que indicam uma postura mais crítica de Barroso à Lava Jato, como a declaração de arrependimento por seu voto que culminou na prisão ilegal de Lula. Em um balanço recente sobre a Operação, ainda que o ministro acredite ter havido acertos, hoje já reconhece os excessos e parcialidades, em especial com relação a Lula, conforme declarou:

Efetivamente, muita gente, que eu acho que merecia, foi presa. Mas, olhando a operação hoje, eu identifico que havia uma certa obsessão pelo ex-presidente Lula que se manifestou em erros muito claros. Ela revelou um país feio e desonesto. Mas, em algum momento, se perdeu nos excessos e terminou se politizando

Considerando os efeitos deletérios da Lava Jato no ordenamento político, assim como a base para a ascensão da extrema-direita que tanto atacou o STF a ponto de, hoje, Barroso refletir sobre sua permanência no cargo, a declaração não é das mais contundentes. Ainda assim, um avanço com relação ao aliado do lavajatismo que um dia foi.

Suspeição pode acarretar novo julgamento em caso de outdoor pró-Lava Jato:

E um caso que há um tempo tomou o noticiário foi o do outdoor financiado pelo procurador lavajatista Diogo Castor de Mattos. Apesar da notoriedade da promoção política da Lava Jato com recursos de origem incomprovada, houve poucas consequências nesse caso, mas novidades podem ocorrer no dia 09/10, quando ocorrerá o julgamento pelo TRT-9 dos desembargadores que atuaram no processo. Trata-se da possível suspeição na decisão por não acatar a recomendação do CNMP de condenar Diogo Castor de Mattos à perda do cargo. Caso se concretize, o processo deverá ser julgado novamente, o que intensifica o debate do alcance da parcialidade lavajatista no tribunal em questão.

Podcast Agência Pública sobre FBI e Lava Jato:

Como recomendação de conteúdo de análise crítica à Lava Jato, a Agência Pública iniciou uma série de podcasts que investiga os materiais divulgados pela Vaza Jato, mas com um enfoque específico na relação da Operação com o FBI. Em um tempo em que a soberania brasileira é tão atacada por grupos internos que se aliam a forças estrangeiras em troca de frutos políticos particulares, a análise em questão traz uma faceta do lavajatismo importantíssima para compreender suas consequências e os objetivos ulteriores de seus artífices. Confiram a matéria no link anexado ou nas referências ao fim da newsletter.

Moro poderia ter combatido fraudes no INSS, diz chefe da CGU:

Para além do debate sobre a PEC da Blindagem e o processo por calúnia ao ministro Gilmar Mendes, outro ato do passado assombra Sergio Moro em meio à construção de sua carreira política. Trata-se de sua passagem pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública durante o governo de Jair Bolsonaro. Após seu esforço para associar o atual governo à origem das fraudes, cada vez mais aparecem indícios de que o atual senador tinha ciência do que ocorria, mas pouco fez para evitar que as fraudes continuassem. Pior do que isso, o debate é que as decisões do ministério enquanto ele comandava até propiciaram tais esquemas.

Tal é a visão do chefe da Corregedoria Geral da União Vinícius de Carvalho, que na CPMI do INSS declarou que, ao não encaminhar à PF e à CGU, Moro adiou o desenvolvimento da investigação. Não apenas isso, mas também comentou que os aposentados prejudicados não foram ressarcidos pelas fraudes na época de Moro no ministério, mesmo com a denúncia e suspensão de entidades. A trajetória de Moro na oposição ao governo Lula tem sido marcada pela crítica incondicional e rasa, mas no caso em questão tem sido ainda mais difícil manter a retórica, pois sua única passagem no poder executivo é constantemente relembrada.

Moro e as Eleições de 2026:

Mas mesmo que sua única passagem pelo poder executivo, como ministro de Bolsonaro, tenha marcas apenas negativas, Moro tem interesse em uma segunda passagem. Para tal, pretende disputar o governo do Paraná nas próximas eleições, mas a trajetória promete ser tortuosa e expô-lo ainda mais às hipocrisias da política. Assim o é, pois Moro enfrenta resistências mesmo dentro de seu partido, o União Brasil, o qual preside no estado do Paraná, e o federado PP. Ainda, sua estratégia é confusa, na medida em que pretende ao mesmo tempo conquistar o eleitorado de extrema-direita e ser palatável aos mais moderados.

O último movimento já demonstra a complexidade da estratégia, pois, ao filiar Cristina Graeml ao seu partido — segunda colocada na eleição para a prefeitura de Curitiba em 2024, apoiadora contumaz de Jair Bolsonaro e cuja principal proposta era dificultar o acesso dos habitantes da região metropolitana ao transporte público da capital —, Moro tende a afastar moderados, visto que Cristina perdeu a eleição justamente para o candidato de Ratinho. Existe a possibilidade de Moro ter que trilhar o mesmo caminho de Graeml, pois há pesquisas que indicam muita força a um eventual apoio do atual governador, ainda que, mesmo com a aproximação das eleições, ainda não haja definição de nome.

A filiação de Cristina também acirra suas relações com Deltan Dallagnol, antigo parceiro de Lava Jato e de conversas obscuras no Telegram. Deltan quer ser candidato ao Senado, ainda que seus direitos políticos sejam uma incógnita após a cassação. Para tal, filiou-se ao Novo e fez um movimento mais contundente à extrema-direita que Moro. No entanto, a segunda colocada na eleição curitibana filia-se como possível candidata ao Senado, que só terá duas vagas à disposição, almejada por tantos pré-candidatos bolsonaristas.

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