Nas últimas semanas, a questão principal no debate político brasileiro segue sendo a tentativa de intervenção de Trump nos assuntos internos brasileiros e o processo contra Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado após sair derrotado nas eleições de 2022. Enquanto o bolsonarismo reclama de suposto abuso na aplicação da tornozeleira eletrônica e outras medidas, a história nos demonstra como o abuso de poder era realmente praticado durante a Lava Jato em processos como o de Lula. Ainda, o interesse de Trump no Brasil também passa pela Lava Jato, hoje em processo de reversão por conta de suas inúmeras irregularidades, e por Sergio Moro, que, na oposição, prefere defender Bolsonaro e os EUA do que os interesses do próprio país. Tudo isso sem deixar de analisar as anulações dos processos do delator predileto do lavajatismo, Alberto Youssef, na Newsletter do Museu da Lava Jato do dia 28/07/2025.

Diferenças entre Lava Jato e Processo de Bolsonaro:

A discussão da comparação entre os processos de Lula na Lava Jato e de Bolsonaro no STF não é nova, tem sido utilizada como argumento pelo bolsonarismo com muita frequência desde a sua inelegibilidade, visto que Lula também foi declarado inelegível para as eleições de 2018. Ocorre que, desde o princípio, tal comparação não tem fundamento, e isso se dá essencialmente pelo motivo central da ilegalidade da condenação de Lula por Sergio Moro: a total ausência de provas. Os métodos lavajatistas hoje já são de amplo conhecimento, o conluio entre acusação e juízo, a fabricação de delações para basear sentenças contra alvos pré-estabelecidos, e nada disso se encontra no processo de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado. As provas contra Bolsonaro são amplas e não embasam-se em meras delações, mas em longas investigações da PF a Bolsonaro e seus aliados políticos e militares.

As comparações indevidas, no entanto, ganham novo capítulo após a aplicação da tornozeleira eletrônica em Bolsonaro. Assim, vale a pena novamente ressaltar alguns detalhes dos processos. Moro e Dallagnol foram dois dos que saíram em defesa de Bolsonaro após a aplicação da tornozeleira e impedimento do uso de redes sociais. A proximidade de ambos ao bolsonarismo não é novidade, mas o argumento que utilizaram foi que Lula, enquanto esteve preso sem provas pela Lava Jato, podia dar entrevistas. Ocorre que Bolsonaro não está impedido de conceder entrevistas, e inclusive já as concedeu algumas vezes após as medidas de Alexandre de Moraes. Como se não bastasse, o argumento dos dois lavajaristas também omite o fato de Lula ter sido sim impedido de dar entrevistas, por determinação do ministro do STF Luiz Fux — que ainda voltará a ser citado no contexto desse debate — em setembro de 2018, durante o período decisivo da campanha de 2018, a qual Bolsonaro saiu vitorioso justamente pela retirada ilegal de Lula do pleito. A decisão seria posteriormente revertida por Lewandowski, mas Lula só voltaria a falar em 2019.

O próprio presidente Lula comentou a questão em 24/07, durante um discurso em Minas Gerais, citando como Bolsonaro havia fugido aos EUA “como um rato”, se recusando a passar a faixa e, hoje, se utiliza de chantagem a todo o país para livrar-se da cadeia. Lula também lembrou como enfrentou os 580 dias preso, mesmo tendo sido oferecido um acordo para ir para a casa de tornozeleira, que ficou até provar sua inocência.

Ainda em se falando de comparação, um personagem volta a aparecer com maior destaque, por ter se tornado uma espécie de ícone de justiça para os bolsonaristas: o já citado ministro Luiz Fux. Isso ocorre justamente por sua oposição às medidas cautelares, divergindo dos demais ministros, a despeito da gravidade dos crimes cometidos no que diz respeito à preservação do Estado democrático de direito. O que agrava a estranheza é ser justamente o oposto do punitivismo com que Fux tratava os processos lavajatistas, sempre muito alinhado à operação, o que até gerou a marcante frase “In Fux we trust” de Sergio Moro. Ainda que com princípios completamente diferentes, a frase aparenta poder continuar sendo entoada pela direita no Brasil, assim como no estrangeiro.

Moro defende Bolsonaro, e Trump a Lava Jato:

Conforme citado na newsletter anterior, de 14/07, o senador e ex-juiz Sergio Moro já havia demonstrado seu apoio ao atual líder da extrema-direita global, Donald Trump, ainda em janeiro deste ano, mesmo com seu discurso já demonstrando hostilidade e possibilidade de agressões internacionais ao Brasil. O motivo, dizia Moro, era a demonstração da defesa dos interesses dos EUA. Hoje, com a hostilidade declarada de Trump ao Brasil, Moro discursa sem falar em soberania ou interesses brasileiros, mas sim em preocupação por dificultar negociações com os EUA.

Com essa argumentação, Moro sai mais uma vez em defesa de Bolsonaro no processo por tentativa de golpe de Estado. Seu jogo nos últimos tempos tem sido tentar aparentar diferenças com Bolsonaro, mas sem se afastar demais para não perder o apresso de seu eleitorado. Assim, mesmo dizendo que condena a tentativa de golpe no 08/01, assim como diz que condena as tarifas de Trump, seus discursos mais audíveis são pela anistia dos golpistas, para criticar a reação de Lula aos ataques de Trump e para defender Bolsonaro das medidas do STF. Foi nesse contexto que Moro chegou a dizer que Lula nunca foi impedido de dar entrevistas, e que Bolsonaro estaria sendo, o que seria um precedente perigoso, informações todas incorretas, conforme explicado no tópico anterior.

A proximidade de Moro com órgãos estadunidenses não se restringe ao seu tempo na Lava Jato. Após abandonar a magistratura para ser ministro de Bolsonaro e, em seguida, deixar o cargo, seu emprego seguinte foi na empresa Alvarez & Marsal, sediada nos EUA e com faturamento majoritário decorrente da Lava Jato. Como se não bastassem tais detalhes que aproximam a operação aos EUA, a investigação ao Brasil feita a pedido de Trump, a mesma que ataca o Pix e a 25 de Março, também cita a Lava Jato. A investigação critica as medidas que revertem os desmandos lavajatistas, pois isso demonstraria fragilidade do combate à corrupção e falta de transparência nos acordos com empresas multadas. A forma como as irregularidades da Lava Jato foram praticadas, assim como seu resultado catastrófico na economia brasileira, sempre foi de interesse do governo dos EUA, mas críticas abertas como essa só deixam a situação mais escancarada.

Youssef e novas anulações:

Mas, a despeito dos interesses outros, o processo de anulação de atos da Lava Jato segue ocorrendo no Supremo Tribunal Federal, e as últimas semanas trouxeram um caso especialmente emblemático: a anulação de todas as decisões da Lava Jato contra Alberto Youssef. Na mesma linha das demais anulações ocorridas nos meses anteriores, a motivação é o conluio evidente entre Moro, o Ministério Público Federal e agentes da Polícia Federal, informações obtidas a partir da Operação Spoofing, que teve início após a série de matérias jornalísticas da Vaza Jato. A decisão também fala em abusos processuais, uso político das investigações e parcialidade da acusação, assim como demais ilegalidades sistemáticas. O Ministro do STF, Dias Toffoli, que vem comandando essa série de anulações, foi taxativo em sua decisão:

Nota-se, portanto, um padrão de conduta de determinados procuradores integrantes da força tarefa da Lava Jato, bem como de certos magistrados que ignoraram o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a própria institucionalidade para garantir seus objetivos – pessoais e políticos – , o que não se pode admitir em um Estado Democrático de Direito

Nesse sentido, a decisão é bastante similar às demais que ocorreram esse ano. O grande diferencial, no entanto, está no alvo dos processos anulados: o doleiro Alberto Youssef, um dos nomes que tantas vezes protagonizou o noticiário, justamente por se tratar de um dos delatores preferenciais da Lava Jato. Tal personagem, que tantas vezes colaborou na fabricação de delações para atingir nomes pré-determinados, agora opta por abandonar o barco. É esse elemento que mostra o quão emblemática é a anulação em questão, pois demonstra a ruína de um dos últimos alicerces principais da operação. Ainda considerando esse fato, a série de anulações deve crescer exponencialmente, tendo em conta a centralidade dos processos que envolvem Youssef.

Casos como esse trazem a reflexão da amplitude dos danos causados por operações irregulares e comprometidas com interesses particulares, como a Lava Jato. A historicidade da anulação dos processos contra Youssef não está em considerá-lo inocente, mas em perceber que o resultado de empreitadas jurídicas megalômanas como as protagonizadas por Moro e Dallagnol não resultam apenas na perseguição a inocentes, mas também na impunidade a culpados. Abusos como os da Lava Jato criam vícios e um sistema corrompido incapaz de promover justiça, e elementos como esses, ressaltados pelo evento agora noticiado, apenas ressaltam a necessidade de preservar a memória do que aconteceu e impedir que algo semelhante venha a se repetir. Tal é o objetivo do Museu da Lava Jato.

Lavajatistas no pós-Lava Jato:

E ainda que os desmandos da já finalizada Operação Lava Jato estejam sendo revertidos, aqueles que participaram da sua construção seguem na ativa. Os personagens mais famosos, como Moro, Dallagnol e Bretas, já deixaram a magistratura, mas outros ainda seguem, e, no esforço de impedir que novas operações midiáticas e irregulares voltem a acontecer, é preciso atentar-se a eles. É o caso de juízes e uma servidora do TRF4, tribunal que se notabilizou por alinhar-se aos atos lavajatistas, em um caso de possível alinhamento guiado por relações de amizade e parentesco para paralisar as atividades de uma pedreira, cujo barulho incomodava um dos juízes. A decisão que seguiu como provisória por quase seis anos teve concordância de dois grandes nomes da Lava Jato no TRF4: João Pedro Gebran e Antonio Bonat — o último também com ligação familiar a um dos juízes. O caso levou o ministro Luís Felipe Salomão, corregedor-geral da Justiça Federal, a pedir explicações sobre o caso, em apenas mais um possível caso de abuso de autoridade com finalidades particulares.

O caso também faz questionar as mudanças nas instituições após escancarar-se o que ocorreu durante a Lava Jato, se há um esforço interno para impedir que retorne a ocorrer. Há casos com indícios positivos, mas outros não tanto. É o que analisa Fábio Kerche, cientista político e professor da Unirio, ao concluir que não houve autocrítica no Ministério Público após a Lava Jato. Seu estudo contou com pesquisa e série de perguntas sobre a visão política de membros do MP, constatando que ainda prevalece uma visão estereotipada e rasa sobre a corrupção. Mais detalhes sobre a interessante pesquisa são explicados em entrevista do cientista político ao ConJur.

Moro opositor a Lula, mas temeroso a Ratinho:

Por fim, a saga de Moro em sua disputa ao governo do Paraná nas eleições de 2026 continua, e algumas características curiosas demonstram que sua visão política não vai muito além da conveniência eleitoral. Uma delas é a forma como guia sua oposição ao governo Lula, sempre convicto em criticar para seguir alimentando um eleitorado direitista e opondo sua imagem ao presidente. Porém, por vezes a pauta da crítica cai em contradições lógicas, é o caso das críticas feitas por Moro ao veto de Lula à proposta de aumentar o número de parlamentares. Ele próprio se posicionou de forma contrária ao aumento, mas utilizou o veto para criticar o governo.

Por outro lado, não é com a mesma agressividade que Moro lida com outro rival seu na vindoura eleição de 2026: o governo Ratinho no Paraná. Ainda que o atual governador não possa concorrer a um novo mandato, deve tentar um sucessor dentro do próprio partido (PSD), o mais provável sendo Alexandre Curi, presidente da ALEP. Com a popularidade do governo Ratinho, especialmente no eleitorado de direita, Moro é muito cuidadoso em eventuais críticas ao atual governo do Paraná, ainda que deva se lançar como um candidato opositor. Um eventual segundo turno contra Curi seria semelhante à eleição municipal curitibana de 2024, quando a extrema-direita saiu derrotada em um confronto direto com uma direita menos extremada representada por Pimentel (também do PSD). Assim, mesmo na expectativa de lançar-se contra a candidatura do sucessor do governo, Moro não se define como opositor a Ratinho, mas justifica sua candidatura com frases vazias como “o Paraná sempre pode mais”. Sem a mesma raiva que apresenta para o governo Lula, mas com um nível similar de contradição.

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