Matéria publicada na AP News em 1º de outubro de 2022 por Daniel Politi e Mauricio Savarese. Traduzida para o Museu da Lava Jato por Lucas Hauhptnann.

CURITIBA, Brasil (AP) – Quando o juiz federal Sergio Moro se exonerou para entrar na política, muitos no Brasil acreditavam que a cruzada anticorrupção que prendeu o popular ex-Presidente poderia ocupar o cargo mais poderoso da nação.

Mas, nas vésperas nas eleições gerais no Brasil, o outrora venerado magistrado está lutando uma batalha que as apurações mostram perdida para uma cadeira no Senado. E o líder de esquerda que ele prendeu, Luiz Inácio Lula da Silva, não apenas está livre – é esperado que ele retorne ao palácio presidencial.

Essa inversão de sorte evidencia a mudança de prioridades dos brasileiros desde quando Moro liderou uma enorme investigação em Curitiba, capital do estado do Paraná. Moro e o Presidente Jair Bolsonaro insistem em apontar o tempo de Lula na prisão, apesar do ex-Presidente nunca ter perdido sua inocência e dizer que foi acusado injustamente. Mas os eleitores têm outras preocupações – empregos, salário, inflação – depois de oito anos de recessão e crescimento instável, disse Bruno Brandão, diretor executivo da organização brasileira anticorrupção ‘Transparência Internacional”.

“Em 2018, a corrupção era sem dúvida a principal questão do processo eleitoral”, disse Brandão. “Hoje, a questão não tem a mesma relevância entre as preocupações dos eleitores”.

E Curitiba deixou de ser a protagonista. Antes da Operação Lava Jato que colocou Lula e outras figuras poderosas atrás das grades, a relativamente jovem cidade tinha poucos elementos de identificação, de acordo com Nelson Rosário de Souza, sociólogo da Universidade Federal do Paraná. A Lava Jato colocou Curitiba no mapa. A longa operação, e Moro, colocaram medo em políticos e empresários astutos que antes pensavam ser invulneráveis.

“Mexeu com a imaginação coletiva, algo como: ‘Somos finalmente o centro das atenções e, aparentemente, por algo positivo. Nós vamos limpar o Brasil’”, disse de Souza.

Os brasileiros acompanhavam as incontáveis fases da Lava Jato como se fossem episódios de uma telenovela. Filmes também foram feitos. O rosto de Moro apareceu em revistas e ele era venerado em restaurantes de Curitiba; pessoas aplaudiam quando ele entrava e o mandavam champanhes. Um herói bona fide.

“Você dirigia por Curitiba e cinco ou seis de cada 10 carros tinham adesivos em apoio à Lava Jato. Poucas pessoas em Curitiba ousavam criticá-la”, disse Luis Carlos Rocha, então advogado de Lula.

Depois de Moro sentenciar Lula a quase 10 anos de prisão, Rocha o visitava todo dia no quarto andar da sede da Polícia Federal em Curitiba. Por 590 dias ele esteve confinado em um quarto de cerca de 15 metros quadrados. Do lado de fora, centenas de apoiadores mantiveram uma vigília permanente exigindo sua soltura.

Os torcedores de Moro, enquanto isso, levantaram barracas do lado de fora de seu escritório. Um boneco inflável de Superman com a cabeça de Moro apareceram em meio a manifestantes cujas camisas estampavam “República de Curitiba” – um lema adotado a partir do julgamento de Lula que aponta para uma cidade que tem suas próprias leis.

A prisão de Lula permitiu que Bolsonaro, candidato da extrema-direita, vencesse as eleições de 2018. No Paraná, estado tradicionalmente de direita, seu discurso de combate à corrupção ganhou força e ele recebeu o dobro de votos comparado ao seu oponente. Em seguida ele nomeou Moro como Ministro da Justiça.

Mas Moro superestimou o quão longe sua luta anticorrupção podia levá-lo, disse Emerson Cervi, cientista político da Universidade Federal do Paraná. Moro saiu do governo em 2020 antes de implementar seu esperado plano, alegando que Bolsonaro tentava interferir na Polícia Federal. E os seguidores virtuais de Bolsonaro voltaram suas armas para o apóstata.

“Ele achou que seria venerado, como se fosse novamente um juiz na corte, mas outros políticos compreenderam que ele era apenas um iniciante”, disse Cervi.

Então, a Suprema Corte determinou que Moro foi parcial contra Lula através de um conluio com procuradores para garantir a condenação, baseado em uma série de mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil. Moro buscava um “projeto de poder, que exigia deslegitimar o Partido dos Trabalhadores e, especialmente, o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, disse o Ministro Gilmar Mendes um ano depois.

Então, a Suprema Corte determinou que Moro foi parcial contra Lula através de um conluio com procuradores para garantir a condenação, baseado em uma série de mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil. Moro buscava um “projeto de poder, que exigia deslegitimar o Partido dos Trabalhadores e, especialmente, o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, disse o Ministro Gilmar Mendes um ano depois.

Com sua condenação anulada, Lula – nome pelo qual é mundialmente conhecido – se tornou livre para a corrida presidencial, e Moro preparou a sua. Com receio de derrota, Moro tentou concorrer por uma cadeira no Senado no poderoso estado de São Paulo, o que não deu certo. Optou então por concorrer em seu estado natal – exaltando os feitos da Lava Jato com uma campanha anti-Lula –, mas pesquisas do último mês mostraram um baixo percentual.

Em uma rápida entrevista em Curitiba, Moro diminuiu a importância do tema da corrupção dizendo ser “circunstancial”.

“Corrupção sempre será um tópico em eleições, talvez em alguns momentos não seja o principal tópico”, disse para a The Associated Press. “A corrupção enraizada na democracia brasileira, dentro do setor público, é algo que acaba destruindo nossa democracia”.

“Lula é um símbolo de impunidade”, adicionou.

Pesquisas locais têm mostrado um crescimento de Moro, disse Arilton Freres, diretor do Instituto Opinião, em Curitiba. Isso pode ter vindo do reavivado sentimento anti-Lula, inflado pelas pesquisas que mostram sua possível vitória no domingo, sem um segundo turno contra Bolsonaro.

Agora, as pessoas talvez liguem menos para corrupção dadas as investigações de membros da família Bolsonaro, acrescentou.

“Os eleitores agora pensam, ‘se preciso votar em um corrupto de qualquer forma, então vou focar naquilo que me afeta mais, que é a economia’”, disse Freres.

Neste ano, o maior comício em Curitiba foi de Lula. Seus apoiadores receavam pouca participação devido às tendências pro Bolsonaro e pro Moro, mas a polícia estimou cerca de 12 mil pessoas no evento. O vívido evento se tornou um vídeo de campanha intitulado “Lula nos braços do povo em Curitiba”, mostrando pessoas tentando tocar em seu corpo.

Lula, que tem citado seu tempo de prisão em comparação com Nelson Mandela e Martin Luther King Jr., disse à plateia que ganhou um prêmio: seu romance com a paranaense Rosângela Silva, apelidada como Janja. Ele atribuiu a morte de sua primeira esposa, em 2017, à pressão causada pela Lava Jato.

“Tem pessoas que acham que eu odeio Curitiba por ter sido preso lá”, disse Lula. “Na prisão eu aprendi a amar Curitiba, porque foi lá, na prisão, que eu conheci a Janja, e foi lá que decidimos nos casar”.

E ele também reconheceu aqueles que fizeram a vigília de 580 dias: “Obrigado, Curitiba, por tudo que fizeram por mim e pelo Brasil”.

No Twitter, Moro chamou o comício de “inacreditável”, dizendo que refletia um sistema de justiça que permitia que corruptos saíssem impunes. Duas semanas mais tarde, ele fez uma fala para uma plateia de cerca de 100 pessoas em um clube privado de Curitiba, dizendo que “muitas mentiras foram contadas sobre a Lava Jato”. Depois, dezenas tiraram fotos com o famoso ex-juiz.

Uma de suas eleitoras, Juliane Morvan, disse que Curitiba ainda se sente ofendida pela soltura de Lula, apesar de ter criticado Moro por “desviar de certas leis para forçar a prisão de Lula”.

“Eu concordo com a moral e a ética (de Moro), na balança ele fez mais coisas boas do que ruins”, Morvan, 28, disse perto do prédio da Polícia Federal. “Eu quero dar a chance a ele para ver o que ele quer fazer”.

Essa não é a estrondosa bajulação que Moro já desfrutou.

Beto Simonetti, Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, disse que se Moro falhar em conquistar a cadeira no Senado, com o tratamento legal especial que a posição oferece, ele se tornará “um alvo ainda mais fácil” para processos daqueles que sentenciou acusando-o de parcialidade.

Nada agradaria mais à Maitê Ritz.

Ela é diretora do Museu da Lava Jato, um espaço virtual que apresenta um olhar crítico à legalidade da operação. O comício de Lula festejou a comunidade que curitibanos de esquerda criaram, disse Ritz. Sua vitória – e a queda de Moro – seria uma vingança.

“Em 2018, eu não tinha coragem de sair na rua com uma camiseta de Lula”, disse ela. “Agora, eu uso com orgulho”.

Savarese noticiou de São Paulo. Matéria disponível em: https://apnews.com/article/jair-bolsonaro-caribbean-brazil-elections-sergio-b58f0fa374fef7e7b10ed984cae87f6f