As cenas de terrorismo e golpismo registradas em Brasília (DF) no último dia 8 de janeiro possuem as digitais da operação Lava Jato. Quem afirma isso é o pesquisador Fábio de Sá e Silva, professor da Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos, e autor de dois estudos que buscaram analisar os discursos de atores ligados à força-tarefa (especialmente juiz e procuradores da República) e a forma como essas falas reverberaram na sociedade brasileira.

Na última semana, o Museu da Lava Jato (MLJ) teve a honra de entrevista Silva, num bate-papo que contou ainda com a ilustre presença do professor José Henrique de Faria, ex-reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do Grupo Interdisciplinar de Pesquisas Científicas sobre Lawfare (GIPLAWFARE), do Núcleo de Pesquisas do MLJ. Durante a conversa, o pesquisador contou mais sobre a metodologia de suas pesquisas, os motivos que o levaram a estudar a Lava Jato e os resultados aos quais chegou através de seus estudos.

Em suas análises, Silva procurou desvendar a cultura jurídica e política promovida pela operação. Ou seja, qual é o tipo de representação que a Lava Jato ajudou a construir na sociedade sobre questões importantes, como a corrupção, o combate à corrupção e a relação disso tudo com o Estado de Direito.

Para atingir tal objetivo, dois estudos diferentes foram realizados. No primeiro, publicado em 2020, a Lava Jato foi analisada através de entrevistas concedidas por seus integrantes à grande mídia. A ideia, essencialmente, era mapear o discurso lavajatista, sobretudo dos procuradores.

“A Lava Jato é é uma operação que promove a noção de que corrupção é uma ameaça existencial pra nação brasileira. E em relação ao Direito, a Lava Jato inicialmente promove a ideia de que para combater essa essa ameaça existencial eles vão se apoiar na lei, mas muito rapidamente eles giram o o discurso e passam a denunciar a lei como um impedimento para que essa ameaça pudesse ser contida. Então você precisa, na verdade, reformar a lei, que é quando entra a campanha pelas ‘Dez Medidas Contra a Corrupção’, liderada pelo Deltan Dallangol e encampada pelo MPF. E quem quer que se opusesse a essa campanha era tido como alguém que era da corrupção, que queria preservar o status quo então existente. Então existe essa retórica também da demonização daqueles que pensam diferente”, explica o professor.

O segundo estudo, por outro lado, analisou diversas postagens feitas no Facebook e que tinham as expressões “lava” e “jato”. A ideia já era saber qual a ressonância do discurso lavajatista na sociedade, ou seja, como as pessoas, os brasileiros, estavam absorvendo tudo aquilo. E ao analisar as postagens de Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa, o pesquisador conseguiu identificar a semente do movimento de oposição e até mesmo ódio contra o Supremo Tribunal Federal (STF).

“Esse antagonismo entre a população e as instituições, sobretudo o STF, nasce um pouco ali. Analisei 54 postagens do Dallagnol e dessas 54, 11 eram sobre o STF ou ministros do STF e essas postagens vão subindo o tom, especialmente quando o STF toma decisões ou ameaça tomar decisões que vão contrariar aos interesses do procurador. E o que aparece nos comentários [feitos nas postagens] é algo muito próximo da retórica que depois nós vimos nos ataques, inclusive, a essas instituições na primeira semana do governo Lula, com a ideia do ‘fora STF’, a ideia de uma intervenção militar no STF e coisas desse tipo. Então existe uma linha de continuidade entre a Lava Jato e essa crise na democracia no Brasil que deságua naqueles eventos trágicos do dia 8 de janeiro de 2023”, aponta o pesquisador.

Abaixo, você confere, na íntegra, o bate-papo com o professor e pesquisador Fábio de Sá e Silva