O final de semana foi de celebração para Deltan Dallagnol (Podemos) e Sergio Moro (União). E não poderia ser diferente: enquanto o ex-procurador da República foi eleito deputado federal pelo Paraná, o ex-juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba e ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro conseguiu se eleger senador pelo mesmo estado e ainda viu a esposa, Rosângela (União), ser eleita deputada federal por São Paulo. Uma eleição que coloca a Lava Jato no lugar onde ela queria estar desde o seu início, colecionando mais uma evidência da atuação política, ideológica e pessoalmente interessada de duas das principais cabeças que lideraram a operação judicial que abalou o Brasil.

Ainda no domingo, tão logo encaminhou-se a apuração das urnas, um extasiado Dallagnol se apressou em gravar e publicar um vídeo nas redes sociais, agradecendo primeiro a Deus e em seguida ao povo paranaense por sua vitória no pleito. “A Lava Jato renasceu hoje como uma fênix, não das cinzas, mas das urnas e do coração das pessoas”, declarou.

Desde 2017, pelo menos, o ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato já tinha a política em seu horizonte, como mostraram inusitadas conversas dele com ele próprio, reveladas pelo The Intercept Brasil numa das reportagens da série Vaza Jato. Na época, Dallagnol chegou a avaliar que a mudança que desejava implantar no país dependeria de o Ministério Público Federal (MPF) “lançar um candidato por estado”, numa atuação partidária e inconstitucional do órgão. Cogitou, também, ele próprio candidatar-se – e avaliou que os colegas de força-tarefa apoiariam seus anseios.

Inicialmente, contudo, Dallagnol sonhava em se tornar senador. À época, julgava que seria “facilmente eleito” e que a política era “algo que está no meu destino”, em mais uma passagem messiânica envolvendo membros da força-tarefa. Cinco anos depois, o que acabou lhe restando foi a disputa por um lugar na Câmara dos Deputados, com o alento de ter sido um dos parlamentares mais votados em todo o país.

Quem também foi obrigado, por ora, a reduzir as ambições políticas é Sergio Moro.

O ex-juiz da Lava Jato deixou a magistratura cerca de um ano depois de condenar, ajudar a prender ilegalmente e tirar das eleições de 2018 o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e foi logo assumir o cargo de ministro da Justiça e da Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro (PL). Chegou a imaginar que ganharia uma indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas acabou deixando o ministério de forma polêmica e em conflito com o presidente.

Partiu, então, para uma enriquecedora empreitada no setor privado, trabalhando justamente para o escritório que, no Brasil, é responsável pela recuperação judicial de empreiteiras destruídas pela Lava Jato. Menos de um ano depois já se lançou mais uma vez na política, primeiro pleiteando o cargo de presidente da República e mais tarde tendo de se contentar com a corrida por uma cadeira no Senado – sendo que ele queria disputar uma cadeira pelo estado de São Paulo, mas fez irregularmente a transferência do domicílio eleitoral e acabou lhe restando seu próprio estado, o Paraná.

Apesar das idas e vindas, conseguiu ser eleito. E na celebração por alcançar o cargo de senador, apareceu usando um adereço semelhante a uma faixa presidencial, numa demonstração da insaciável fome pelo poder.

Ao lado de Bolsonaro. Mais uma vez…

Encerrado o primeiro turno das eleições gerais, não demorou para Deltan Dallagnol e Sergio Moro definirem a quem apoiarão no turno decisivo do pleito presidencial.

Dallagnol, ainda no domingo (no já referido vídeo), manifestou apoio ao candidato à reeleição. “Agora eu vou fazer oposição à candidatura do Lula ou ao seu governo por sete razões: Mensalão, Petrolão, aumento da violência, saque às estatais, defesa da censura, apoio a ditaduras e a maior crise econômica da história. No segundo turno o meu voto vai ser Bolsonaro, contra Lula e o PT”, disse.

Moro, por sua vez, declarou nesta terça-feira (4 de outubro) apoio ao atual presidente, por meio de nota publicada nas redes sociais. “Lula não é uma opção eleitoral, com seu governo marcado pela corrupção da democracia. Contra o projeto de poder do PT, declaro, no segundo turno, o apoio para Bolsonaro”, escreveu.

Uma situação que não chega a surpreender, mas que ainda assim chama a atenção pelos seus argumentos e contradições.

“Não chega a surpreender” pela própria história da Lava Jato. Em 2018, já confirmou o ex-procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, membros da Lava Jato apoiaram a eleição de Jair Bolsonaro, cujo crescimento no cenário político veio ancorado justamente na atuação lavajatista. Além disso, Sergio Moro, como já lembrado, deixou uma carreira de décadas na magistratura para empresar sua imagem e seus serviços para um governo de extrema-direita. E tudo isso pouco tempo depois de ter prometido jamais entrar na política e de ter condenado e ajudado a tirar das eleições aquele que seria o principal concorrente de Jair Bolsonaro na disputa pela presidência da República.

A relação entre Lava Jato e Bolsonaro, então, já é antiga. Mas enfrentou recentemente períodos turbulentos , como quando o ex-juiz desembarcou do governo bolsonarista acusando o presidente da República de tentar interferir politicamente na Polícia Federal (PF) para proteger a própria família e parlamentares ideologicamente alinhados com ele e que vinham sendo investigados por suspeita de corrupção. Na época, o ex-ministro da Justiça chegou a pontuar num discurso que, durante os governos petistas de Lula e Dilma Rousseff, não houve interferências nos trabalhos da PF durante a Lava Jato, o que teria sido de extrema importância para que as investigações avançassem.

Luta contra a corrupção?!

Resumindo, então, os ex-líderes da Lava Jato resolveram abraçar, mais uma vez, um governo de extrema-direita, que foi acusado por eles próprios de interferir politicamente na atuação de órgãos de investigação, em detrimento de um líder cujos governos eles mesmos reconhecem ter garantido independência para a atuação dos órgãos de controle.

Cinicamente, ainda fazem isso hasteando a bandeira do combate à corrupção, como se não tivesse havido no governo extremista pedido de propina em ouro, via bíblia e no pneu; como se um ex-ministro do Meio Ambiente não tivesse atuado como aliado de traficantes de madeira; como se um orçamento secreto não tivesse sido usado para comprar apoio da base parlamentar; e ignorando o fato de que metade do patrimônio milionário do clã Bolsonaro foi comprado com dinheiro vivo (e isso para ficar em alguns poucos exemplos, porque ainda se poderia falar em rachadinhas, nepotismo, sigilo de 100 anos e até mesmo em propina na compra de vacinas contra a Covid-19).

Está mais claro do que nunca, então, que a luta de Deltan Dallagnol e Sergio Moro nunca foi contra a corrupção. E agora eles finalmente cumprem seus destinos e fecham um ciclo na história da Lava Jato, assumindo-se como os políticos que sempre foram.