A expressão lawfare advém da junção de law – significa “direito/lei” – e de warfare – significa “guerra” – e pode ser entendida como o uso do direito como guerra com o inimigo, ou seja, uma guerra jurídica. A prática do lawfare tem como o objetivo destruir o inimigo por meios, principalmente, jurídicos para tentar transmitir a ideia de uma ‘guerra justa’ para a população. Entretanto, no decorrer dos anos, esta guerra não se provou válida e, muito menos justa. 

Para caracterização do lawfare, a mídia e a população têm um papel extremamente importante para a concretização da guerra. A mídia é utilizada para auxiliar a deslegitimação do inimigo e a população vem para reafirmar o entendimento da mídia. No Brasil, o termo apresentou dois grandes marcos nos últimos anos: 

Na virada de 2015 para 2016, a ex-presidenta Dilma Vana Rousseff (PT) sofreu com o lawfare, inclusive a ex-presidenta continuou a sofrer com o lawfare posteriormente, respondendo inclusive a processos criminais sobre interferências na Petrobras. Dilma suportou injustamente todo o processo do impeachment no qual a oposição política-social utilizou-se de todo o aparato midiático e judicial para destruir, da perspectiva majoritariamente veiculada, a inimiga. A guerra jurídica contra a ex-presidenta foi instaurada sob o argumento de prática de “pedalada fiscal”,  que se tratava de violação de normas orçamentárias que sequer foram devidamente comprovadas no caso. O processo iniciou-se como um procedimento de impeachment, porém em realidade se firmou como um golpe institucional. No ano de 2022, restou comprovado que não ocorreu crime algum por parte da gestão petista, sendo que com isso ficou claro o uso de instrumentos jurídicos, corroborador pela grande imprensa, para aniquilar a figura pública de Dilma Rousseff e do Partido dos Trabalhadores.

Posteriormente, na Operação Lava Jato fez-se mais evidente ainda o uso do lawfare, em especial contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um dos grandes marcos do uso do termo foi o famoso Processo do Triplex do Guarujá em São Paulo, cujos envolvidos foram Luiz Inácio Lula da Silva, Marisa Letícia da Silva, Paulo Tarciso Okamotto, José Adelmário Pinheiro Filho (“Léo Pinheiro”), Agenor Franklin Magalhães Medeiros, Paulo Roberto Gordilho, Fábio Hori Yonamine, Roberto Moreira Ferreira. 

No referido processo, a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal com um tamanho que extrapolou muito o habitual, contendo 146 laudas e um sumário, estruturada como um livro para a publicação. Na ocasião, o procurador da república Deltan Dallagnol convocou a mídia e alugou um salão em um hotel tradicional de Curitiba, no qual realizou um grandioso show em que apresentou o tão famoso “PowerPoint do Lula”. Pela primeira vez na história do Brasil – e possivelmente do mundo – houve uma apresentação de uma denúncia para toda uma população dessa maneira espetaculosa. O uso do direito como forma de destroçar o inimigo foi tamanho que, após todo o circo instaurado para constranger os acusados, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça condenou o agora ex-procurador Deltan Dallagnol a indenizar o ex-presidente Lula pelo espetáculo político do PowerPoint. Como se percebe, a Operação Lava Jato abusou do lawfare de forma totalmente desenfreada. Graças ao uso correto da justiça, hoje os abusos estão mais perceptíveis e claros, o que permite a devida responsabilização daqueles que instrumentalizam o direito como ferramenta para a guerra.

Em depoimento ao CartaCapital no ano de 2019, os advogados do ex-presidente explicam o mecanismo de funcionamento do lawfare, no qual Lula foi o caso mais evidente no Brasil.

o caso do ex-presidente lula

O caso que envolve o ex-presidente Lula é, sem dúvidas, o grande responsável pela propagação do termo e da ação do lawfare. A inserção de seu nome nas notícias envolvendo a Operação Lava Jato, bem como a forçada ligação de pessoas relacionadas à sua gestão como mentores de um irreal esquema de corrupção, foram essenciais para a construção da narrativa persecutória contra Lula e o Partido dos Trabalhadores. 

A primeira etapa de lawfare foi a escolha da jurisdição. Diante os encontros entre o Estados Unidos e o ex-juiz Sergio Moro, bem como com o aval da autointitulada “força tarefa” da Lava Jato,  após a exposição dos fatos, era nítida a escolha do campo de guerra.  A 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba foi a escolhida.

O foro ‘escolhido’ sempre foi incompetente de acordo com o Código de Processo Penal, no qual o artigo 69 estabelece que, em  regra, é competente o juiz ou o órgão jurisdicional onde ocorrido o suposto crime. Todavia, nas acusações elaboradas pela operação contra o ex-presidente Lula, não há qualquer registro que algum fato tenha sucedido em Curitiba. Ainda que somente em 2015, o Supremo Tribunal Federal tenha declarado que as ações e investigações relacionadas a Petrobras deviam ser lideradas pela 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, não ficou comprovado qualquer relação entre a acusação e sua ligação ao foro de Curitiba, assim como em momento algum foi provado que existiram quaisquer valores ou bens repassados ao ex-Presidente oriundos da estatal ou de quem a representava, muito menos de pessoas que tinham a intenção de corromper agentes públicos. De tal maneira que o ex-juiz Sergio Moro, no julgamento do embargos de declaração contra a sentença que condenou Lula, reconheceu tal fato: “Este Juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente.” Atestou, portanto, sua incompetência para o julgamento do processo.

O segundo movimento da destruição jurídica foi a apuração de quais normas seriam utilizadas contra o inimigo. A Lava Jato definiu que iria investigar e processar Lula com base na Lei de Organização Criminosa (Lei nº 12.850/2013) e em dispositivos legais que regem a corrupção (art. 317 do Código Penal) e de lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/1999).  Diante disso, um dos principais aliados para a perseguição foi a delação premiada. Eram celebrados acordos com pessoas privadas de liberdade ou na iminência de ser, por estarem nesse cenário, por óbvio, estariam dispostas a firmar qualquer tipo de acordo para que a sua situação melhorasse – ainda que claramente abusivas as condições impostas pela “força tarefa”, e com precária ou nula certeza de que ao “colaborarem”, sua situação melhoraria drasticamente. Juntamente com a delação ocorreu o manuseio de conceitos jurídicos elásticos e a tentativa em desaprovar o ex-presidente por meio de alegações de condutas que provocariam uma alta reprovação da sociedade. A delação premiada não é uma prova juridicamente válida, pois exige que seja acompanhada de elementos que a corroborem; porém, nos casos da Lava Jato, a narrativa do delator tornou-se uma prova irrefutável, ainda que desacompanhada de qualquer indício mínimo que a respaldasse.

Para intensificar a ação do lawfare, a mídia realizou uma vigorosa campanha, com forte promoção dos próprios agentes envolvidos na Operação Lava Jato e favorecendo a ação. Tão poderosa foi a campanha que, na condução coercitiva de Lula ocorrida em 04 de março de 2016, o evento foi largamente fotografado e acompanhado por grandes veículos de comunicação, sendo inclusive transmitido ao vivo por helicóptero.

O ápice dos persecutórios contra o ex-presidente se deu com a convocação de uma entrevista coletiva pelos procuradores da ‘República da Força Tarefa da Lava Jato’, que contou com o auxílio do famoso PowerPoint, que tinha a finalidade de anunciar, perante a sociedade, a primeira denúncia contra Lula envolvendo o triplex no Guarujá (SP). O ato ficou marcado como “PowerPoint do Lula”: a montagem escabrosa colocava diversas palavras-chaves como “corrupção” e “José Dirceu”, e o nome do Lula como centro gravitacional de um fantasioso esquema gigantesco de corrupção. Além de ficar clara a intenção de humilhar e expor Lula, a ação dos procuradores violou a garantia constitucional da presunção de inocência, que só pode ser afastada com uma decisão condenatória definitiva e não modificável por qualquer recurso. A montagem e a postura dos então procuradores era acima de tudo uma declaração de guerra contra o ex-presidente.

A respeito do caso do triplex, os advogados de Lula, Cristiano Zanin e Valeska Zanin, responsáveis pela defesa de Lula, demonstraram que as provas de inocência foram desprezadas pelo ex-juiz Moro e que nenhuma evidência contra o ex-presidente foi produzida pela acusação. Não bastasse ignorar por completo a defesa, o ex-juiz negou a prova pericial requerida por Lula; pontua-se que é de praxe do Judiciário o deferimento desse tipo probatório, sendo injustificada a negativa de Moro no caso. Tais atitudes frente à defesa de Lula escancararam a operacionalização do lawfare pelos agentes da Lava Jato.

Somando-se a todo o descaso, em março de 2016 o ex-juiz Sergio Moro liberou a interceptação telefônica realizada entre Lula e a ex-presidenta Dilma Rousseff para a mídia. Essa exposição indevida de conversas entre Lula e a então Presidenta Dilma violou todas as regras de competência: primeiro, porque somente cabe ao Supremo Tribunal Federal a investigação de condutas supostamente criminosas de quem ocupa o cargo de Presidente da República; segundo, o conteúdo em si da interceptação somente pode ser liberado quando relevante às investigações em andamento, o que não correspondia ao caso; e, por fim, a conversa foi captada após o término da decisão judicial, sendo que não havia mais a ordem para a manutenção do monitoramento do terminal telefônico de Lula.

Após todo o processo conduzido pelo Código de Processo Penal da Operação Lava Jato, os operadores conseguiram o que almejavam: Lula foi detido e impedido de concorrer às eleições de 2018 para o cargo de presidente por uma condenação pré-estabelecida e anunciada desde o início. Fica evidente que um dos principais fatores de todo o plano está ligado a fatores políticos, sobre os quais o ex-juiz Sergio Moro tem uma relevante importância, uma vez que inclusive aceitou ser Ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, que ainda hoje é o principal opositor do PT e principalmente de Lula. Não obstante, sempre foi mencionada nas defesas dos acusados a parcialidade do ex-juiz e a incompetência do juízo tanto em razão da territorialidade quanto em face da matéria a ser julgada.

Diante de todo o desprezo que acometeu Lula, pode-se concluir e declarar que tudo o que ocorreu com o ex-presidente foi, e ainda é, um dos maiores exemplos do uso do lawfare dos últimos tempos – pois tudo que ocorreu visando aniquilar o designado ‘inimigo’ jamais seria possível de ser concretizado por métodos tradicionais.

LAWFARE E A OPERAÇÃO LAVA JATO

A Operação Lava Jato foi um marco tanto para o direito quanto para a história brasileira recentes. Reuniu opositores ao governo da época com o objetivo de destruir os que viriam a ser marcados como ‘inimigos’, e quem estava ligado a eles, de forma atropelada e totalmente ilegítima. 

No âmbito jurídico, a operação começou diante de uma investigação em março de 2014 que à época era legítima. O processo que começou envolvendo um simples posto de gasolina, porém, tomou uma dimensão incomensurável.  

Apesar do magistrado ser materialmente competente, a 13ª Vara Federal de Curitiba foi a escolhida. Na época, o ex-juiz federal Sergio Moro foi o escolhido para liderar toda a operação e usaram essa estratégia de escolha na alegação de que a Vara em questão tinha competência para processar e julgar crimes relacionados à lavagem de dinheiro. A estratégia era conseguir atrair todos os crimes, relacionados ou não com a Operação, para a 13ª Vara Federal.

Toda a operação foi conduzida por agentes públicos que não escondiam publicamente o ódio à classe política que, claramente, foram transformados em inimigos da ocasião e, principalmente seu principal representante, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A condução da operação foi inteiramente movida pelo seus métodos inquisitórios, incompatíveis (ao menos em tese) com o ordenamento jurídico almejado pela Constituição Federal de 1988.

Para o plano de aniquilação ser concretizado, um dos principais aliados na operação foi a utilização da prisão preventiva com o objetivo de conseguir firmar as delações (colaborações) premiadas. Essas colaborações forçadas eram consideradas um meio de investigação para obtenção de prova, onde o réu do processo se dispõe a cooperar, contribuir efetiva e voluntariamente com a persecução criminal. Todavia, na Operação Lava Jato, esse instrumento foi amplamente e indiscriminadamente, pois os operadores do lawfare utilizavam a prisão preventiva para alcançar a delação desejada, inclusive sugerindo narrativas que corroboram as hipóteses da acusação, como bem escancarou a Vaza Jato. Os delatores escolhidos pela “força tarefa” eram aqueles que se encontravam presos ou na iminência de serem presos, o que os tornava presas fáceis às investidas dos agentes da operação, fazendo com que sempre ratificassem irrestritamente quaisquer narrativas, ainda que não correspondessem à realidade, comprometendo a instrução real do processo e a busca pela verdade e pela justiça.

Outro fato que chama a atenção é a relação entre o ex-juiz Sergio Moro, o escolhido, e o governo americano. Inicialmente, o Wikileaks – organização que divulga na internet documentos confidenciais obtidos de empresas e agências governamentais do mundo todo – revelou a realização de alguns cursos ministrados pelos Estados Unidos dirigido a promotores e juízes do Brasil e da América Latina,  em que inclusive um dos participantes foi o ex-juiz Sergio Moro, que pode ser o marco inicial da relação entre agentes públicos e o governos estrangeiros para sabotar a indústria e a soberania nacional. Além disso, no transcurso do tempo que participou do projeto ENCCLA (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro) idealizado pelo governo Lula, o ex-juiz manteve intenso contato com as autoridades estadunidenses. Isso escancarou a proximidade de longa data entre o ex-juiz e o governo da maior potência econômica do mundo.

Não bastassem todas essas evidências de interesses políticos que puseram em xeque a soberania nacional,  destaca-se a espionagem realizada pelo governo dos Estados Unidos – por meio da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA) – em face da Petrobras e de numerosas autoridades brasileiras do primeiro escalão da República. A espionagem tornou-se pública em 2013 por meio de revelações de Edward Snowden, ex-administrador de sistemas da CIA e ex-contratado da NSA. Diante das evidências exibidas, percebe-se que houve uma investigação sigilosa e ilegal por parte do governo dos Estados Unidos, que violou regras de diplomacia e de direito internacional, através por exemplo de dados do Brasil entregues de modo escuso e criminoso aos Procuradores da República da Força Tarefa através de uma “cooperação informal”, ou melhor, ilegal.

A interferência do governo dos Estados Unidos dentro da “Operação Lava Jato” ficou evidenciada mais claramente quando foi proferida a primeira injusta sentença condenatória contra o ex-presidente Lula. Quando esse fato ocorreu, houve uma enorme comemoração das entidades norte-americanas, indicando que a prática do “lawfare” foi mancomunada para colocar em prática a destruição da indústria nacional.