O Acampamento Lava Jato foi fundado em 2016 e instalado na Praça Pedro Alexandre Brotto, no bairro Ahú, em Curitiba, onde permaneceu em vigília por três anos. O intuito do movimento, que se concentrava em frente ao prédio da Justiça Federal na capital paranaense, era defender as investigações em andamento no Poder Judiciário e o então juiz Sergio Moro, para evitar que movimentos favoráveis ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ocupassem aquele espaço para protestar. Os integrantes faziam parte de grupos e movimentos de direita como Curitiba Contra Corrupção, Movimento Brasil Livre (MBL), Vem Pra Rua e outros.

Dentro do “Acampamento da Justiça”, como nomeavam alguns membros, Sergio Moro virou um líder carismático, ao ponto de um boneco inflável com nove metros de altura que apresentava o juiz vestido de super herói ter sido colocado no meio da praça. “Ele reacendeu nossa esperança no país. A nossa vontade de lutar”, afirmou, emocionada, a farmacêutica Wanisa Trova, 56, à revista Trip.

Eram cerca de 15 a 20 pessoas que ficavam acampadas, se revezando ao longo do dia para ocupar o espaço. O ambiente era composto por uma casa de madeira com telhado, geladeira e uma base de concreto montada no meio da praça. De acordo com o grupo, os materiais foram adquiridos com vaquinhas, vendas de camisetas e doações de empresários. Além do espaço físico do acampamento, o movimento também realizou vaquinhas virtuais para custear manifestações e uma viagem para Brasília.

A TRAIÇÃO: “QUEIMA ELE!”

Em 2020, uma cisão ocorreu entre os grupos que compunham o acampamento, após Sergio Moro deixar o governo Jair Bolsonaro acusando o Presidente da República de interferir politicamente na Polícia Federal (PF). Com o rompimento entre os dois políticos, os participantes dos movimentos tiveram de escolher um lado entre Moro e Bolsonaro, e a maioria ficou com o presidente em detrimento ao ex-juiz.

Ao tempo em que essa divisão aconteceu, os apoiadores da Operação Lava Jato já não estavam mais acampados em Curitiba havia dois anos. Ainda assim, um dia depois de Moro deixar o governo Bolsonaro, os integrantes do movimento voltaram a se reunir para queimar camisas com o rosto do ex-juiz, realizar performances representando o “enterro” da figura dele e demonstrar insatisfação com as decisões e os caminhos tomados pelo antigo ídolo.

A queima das camisetas com o rosto de Moro foi transmitida pelas redes sociais do movimento. Na live, os manifestantes aparecem vestidos com camisas estampadas com fotos de Moro, mas, em seguida, as tiram e mostram uma nova camiseta, agora estampada com a foto de Jair Bolsonaro. Uma das participantes chega até a declarar “Queima ele!”.

Após a revolta com a saída de Moro do governo, uma parte do grupo mudou de nome, de “Acampamento Lava Jato” para “Acampamento com Bolsonaro”. Segundo os manifestantes, o grupo fez um processo de reavaliação das atitudes do ex-juiz e ex-ministro da Justiça. Para eles, Moro “não estava lutando contra o comunismo, mas contra o PT”.

Em declaração ao UOL Notícias, Paula Milani, fundadora do movimento, disse que o acampamento continuava “com a defesa da pátria e o combate ao comunismo. Tendo em vista tudo isso que está vindo à tona, continuamos com o presidente, que é quem realmente está combatendo o comunismo. Estamos abatidos e decepcionados, mas vamos seguir em frente”.

Em maio de 2020, Moro foi recebido com gritos de “traidor!” no prédio da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, quando foi prestar depoimento sobre as acusações contra Jair Bolsonaro, que apresentou no dia em que pediu demissão do governo. De um carro de som, os militantes pró-governo, mais numerosos, cantaram o hino nacional e gritaram palavras de ordem contra Moro, o chamado de ‘traidor’ e até mesmo de ‘comunista’.

À frente da Lava Jato, Moro saboreou o status de herói anticorrupção e desfrutou de todo um tratamento digno de celebridade. Chegou a ser chamado, até mesmo, de “salvador da pátria” e era diariamente recepcionado e ovacionado pelos participantes do Acampamento da Justiça, em frente ao seu local de trabalho. Moro era aparentemente invencível, mas seu deslumbramento com a fama, sua má gestão de função, seu ego desproporcional, suas estupendas contradições e erros impulsionaram a queda iminente de sua figura. Moro desmoronou.

Hoje, o próprio discurso do ex-juiz e ex-ministro contradiz os valores do acampamento que foi fundado em sua homenagem e seus antigos apoiadores foram se decepcionando a cada tomada de posição do agora político. Muitos desses ex-apoiadores começaram a rever algumas atitudes e decisões de Moro, que antes consideravam algo normal, heroico, corajoso, e agora já não encaram da mesma forma – cisão que foi um ponto importante para o início da desmistificação de Sergio Moro como herói nacional.

O DESMONTE DO ACAMPAMENTO

A partir de 2017 o acampamento passou a enfrentar problemas com o município de Curitiba. Segundo a Prefeitura local, a ocupação utilizava irregularmente o espaço (um bem público) e ainda comercializava ilegalmente produtos como bonecos do “Super Moro”, camisetas da “República de Curitiba”, faixas e bandeiras. Na manhã de 15 de fevereiro daquele ano, uma equipe da Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU) chegou a remover o acampamento do local, utilizando um caminhão para carregar dezenas de faixas, placas, laços e entulhos que se acumulavam na praça há quase um ano.

Depois da prisão de Lula e com a proximidade das eleições, o acampamento foi minguando e acabou desfeito às vésperas da campanha eleitoral de 2018. Assim chegou ao fim a sede física do Acampamento da Justiça (ou da Lava Jato).

O ex-juiz Sergio Moro, por sua vez, se tornou em 2022 candidato ao Senado pelo Paraná, representando o União Brasil. Moro fez o anúncio um mês depois do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) rejeitar a transferência de seu domicílio eleitoral para São Paulo. O candidato declarou em coletiva: “Sou pré-candidato ao Senado pelo Paraná, a minha terra. Precisamos de renovação e mudança. Eu acredito que, a partir do Paraná, podemos criar novas leis, fazer cumprir aquilo que é justo na legislação atual e fiscalizar o executivo com rigor”. Apesar de afirmar que não era um homem da política, e sim da justiça, e que seu principal compromisso com o Brasil era a luta contra a corrupção e a promoção da justiça efetiva, Moro sucumbiu ao ego e se tornou o que jurou de pé junto nunca se tornar.

A partir disso, a cisão entre apoiadores se intensificou. Hoje, o acampamento da justiça existe apenas de forma digital e conta cada vez com menos seguidores.