As ilegalidades cometidas por agentes públicos (policiais, promotores e juízes) no âmbito da Operação Lava Jato segue repercutindo nos tribunais e servindo para a anulação de provas em ações penais que tramitam na Justiça brasileira e até mesmo no exterior. Nas últimas semanas, por exemplo, o ex-presidente do Peru, Ollanta Humala, o ex-vice-presidente do Equador, Jorge Glas Espinel, e o ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, João Vaccari Neto, foram beneficiados por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, integrantes do chamado “quadrilhão do MDB” também conseguiram evitar se tornarem réus, em decisão unânime da Corte.

Abaixo, você confere detalhes sobre cada um dos mais recentes revezes da Lava Jato nos tribunais.

Cinco anos preso ilegalmente por causa de provas manipuladas e forjadas

O ex-vice-presidente do Equador Jorge Glas (Foto: Divulgação)

O ex-vice-presidente do Equador Jorge David Glas Espinel foi beneficiado por uma resolução proferida pelo ministro Dias Toffoli, o qual seguiu decisões recentes da Suprema Corte para declarar ilegais evidências apresentadas pelos procuradores da Lava Jato contra o político. Segundo o ministro, a anulação se baseia “no fato de que a prova foi entregue sem autorização judicial e sem respeitar o devido processo legal” e por causa “da comprovada contaminação do material probatório”

Tais provas, que fundamentaram a condenação de Glas na Justiça equatoriana (ele ficou preso entre dezembro de 2017 e novembro de 2022, quando obteve liberdade condicional graças a uma medida cautelar), haviam sido colhidas nos sistemas Drousys e My Web Day B, no âmbito do acordo de leniência da Odebrecht. Segundo o MPF, esses sistemas eram utilizados pelo Setor de Operações Estruturadas da empreiteira, que seria responsável pelo pagamento de propina a agentes públicos.

Acontece que esse material probatório foi comprovadamente contaminado: peritos da PF admitiram que os documentos que haviam sido copiados do sistema da Odebrecht (e que foram usados para embasar ações penais contra Lula) podem ter sido adulterados, após serem constatadas inconsistências (documentos que incriminavam Lula, por exemplo, tinham datas posterior à de sua apreensão na Suíça).

Jorge Glas, que foi vice-presidente do Equador entre maio de 2013 e janeiro de 2018 (durante o terceiro e último mandato de Rafael Correa e os primeiros meses do governo Lenín Moreno), agora aguarda que a correção seja corroborada pela Justiça de seu país. Ele foi condenado a oito anos de prisão, mas já cumpriu a maior parte da pena, que agora ficou comprometida.

Presidente do Peru e ex-tesoureiro do PT também se aproveitam de material contaminado

O ex-presidente do Peru, Ollanta Humala (Foto: Divulgação/Kremlin)

O ex-presidente do Peru Ollanta Humala foi outro que se beneficiou de uma decisão parecida de Dias Toffoli. Na reclamação apresentada à Corte, o político peruano também reclamou da utilização de provas já consideradas ilegais e de uma autorização dada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que testemunhas brasileiras convocadas não prestassem depoimento na Justiça peruana, já que a convocação deles se baseava justamente em dados imprestáveis obtidos a partir dos sistemas Drousys e My Web Day B, utilizados no Acordo de Leniência celebrado pela Odebrecht.

Humala, que é acusado de lavagem de dinheiro por supostamente ter recebido recursos da Odebrecht em uma campanha eleitoral, foi representado no STF pelos advogados Leonardo Massud, Gustavo Badaró e Marco Aurélio de Carvalho. Em nota, Carvalho destacou que a Lava Jato peruana “utilizou os mesmos métodos ilegais adotados pela operação brasileira, com a colaboração clandestina de autoridades brasileiras”, ressaltando ainda que seu cliente teria sido vítima “de uma grande perseguição política, com objetivos espúrios e eleitorais”.

O mesmo entendimento aplicado aos casos de Glas e Humala, aliás, serviu à petição apresentada pela defesa do ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, João Vaccari Neto, envolvendo ação eleitoral em trâmite na 1ª Zona Eleitoral de Brasília. A denúncia trata da contratação de navios-sonda envolvendo o Estaleiro Enseada Paraguaçu, do qual o Grupo Odebrecht é sócio, a empresa 7 Brasil e a Petrobras, entre outras operações com a empreiteira em supostos repasses ao PT.

“Na Reclamação (RCL) 43007, a Segunda Turma já decidiu que essas provas não podem ser utilizadas, em razão da contaminação do material que tramitou perante o juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba”, ressaltou a assessoria de comunicação do STF, em nota divulgada no site oficial da Corte.

Denúncia contra ‘quadrilhão do MDB’ é rejeitada

Além das provas anuladas, na última semana o STF também decidiu, por unanimidade, rejeitar denúncia por organização criminosa contra integrantes do chamado “quadrilhão do MDB” no Senado. A acusação havia sido apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2017, na esteira da Lava Jato, e apontava que os políticos emedebistas teriam recebido mais de R$ 860 milhões em propina paga por fornecedores da Petrobras e sua subsidiária Transpetro.

Inicialmente, foram acusados os senadores Jader Barbalho (PA) e Renan Calheiros (AL), os ex-senadores José Sarney (AP), Edison Lobão (MA), Romero Jucá (RR), Valdir Raupp (RO), além do ex-presidente da Transpetro Sergio Machado.

Em 2023, porém, a própria PGR passou a defender a rejeição da denúncia. Isso porque a acusação se baseava apenas em delação premiada e em material fornecido por colaboradores, o que passou a ser vetado por lei após o chamado pacote anticrime, proposto pelo ex-juiz e então ministro da Justiça, Sergio Moro.

perseguição política promovida pela lava jato serviu para livrar os verdadeiros corruptos da cadeia

Em depoimento recente ao Museu da Lava Jato (MLJ), Wadih Damous, ex-deputado federal, ex-presidente da OAB-RJ e hoje Secretário Nacional do Consumidor, comentou sobre as ilegalidades semeadas pela Lava Jato e seus atores ao longo das investigações. Para ele, a operação nunca significou o enfrentamento genuíno da corrupção e, além disso, acabou fazendo com que pessoas verdadeiramente corruptas acabassem se livrando da cadeia.

“A Lava Jato nunca significou o enfrentamento genuíno da corrupção, porque não se pode enfrentar crime cometendo crime. A Lava Jato já nasceu ilegal, já nasceu como estado de exceção”, afirma Damous, citando que o método lavajatista era eleger um inimigo e fazer uma “pescaria” na busca por alguma irregularidade a ser apontada, o que acabou livrando da responsabilização diversos criminosos.

“Uma série de gente que de fato praticou crime, diante das nulidades que a Lava Jato semeou ao longo da sua trajetória criminosa, acabou se livrando. Então a Lava Jato, na verdade, serviu à corrupção. Ela é uma operação corrupta, corruptora, e acabou servindo aos corruptos e corruptores. Ela significou e significa um grande retrocesso no chamado combate à corrupção.”