Quando o punitivista se descobre garantista
“Sergio Moro não tem lado no Direito. Tem lado no poder.”A recente decisão do ministro Alexandre de Moraes de determinar a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro reacendeu um debate intenso no país. Mas aqui, no Museu da Lava Jato, o que nos interessa não é julgar o acerto ou erro jurídico da medida. O que importa é examinar a reação daqueles que, no passado, institucionalizaram os abusos que hoje tanto criticam. Entre eles, ninguém é mais emblemático do que Sergio Moro.
A pergunta que não cala é: com que autoridade Sergio Moro se levanta contra supostos excessos judiciais, quando foi ele próprio arquiteto de um sistema jurídico de exceção?
Moro foi o juiz que naturalizou a prisão antes do trânsito em julgado, que usou delações premiadas como instrumento de chantagem judicial, que ordenou grampos ilegais e manipulou o sistema de Justiça com fins políticos. Foi ele quem, em 2018, ignorou a decisão do STF sobre a liberdade de Lula e ordenou sua prisão às pressas, às 20h da noite, num gesto mais próximo da vendetta do que da legalidade.
Entre 2014 e 2019, sob sua caneta e a de seu colega Marcelo Bretas, foram decretadas centenas de prisões preventivas e temporárias — muitas delas sem condenação formal, com base em indícios frágeis e com finalidade explícita de pressão. Agora, diante da prisão de Bolsonaro, Moro muda de tom e apela para garantismos que sempre desprezou. O juiz linha-dura transformado em paladino da liberdade condicional.
É justamente esse o ponto. Não se trata de defender Alexandre de Moraes, mas de apontar a hipocrisia de quem só vê abuso quando não lhe convém.
Moro está em campanha. Quer ser governador do Paraná. E sabe que seu futuro político depende da base bolsonarista que ainda exerce força considerável no estado. Seu comportamento, portanto, não é jurídico, é eleitoral. Seu senso de justiça é moldado pelo cálculo político do momento.
Foi assim em 2019, quando abandonou a toga para se tornar ministro da Justiça do próprio Bolsonaro: aquele que agora finge combater. Rompeu quando perdeu espaço, mas em 2022 já estava de volta ao mesmo palanque bolsonarista, unificado na tentativa de impedir a eleição de Lula.
A pergunta que precisa ser feita ao Brasil é: por que há tantos prontos a atacar Moraes em nome do Estado de Direito, mas que se mantiveram em silêncio ou aplaudiram os atropelos promovidos por Sergio Moro? A seletividade não é apenas dos tribunais. É da opinião pública e da elite política que por anos se alimentou da retórica lavajatista.
Sergio Moro não tem lado no Direito. Tem lado no poder.
Não é defensor das liberdades civis, tampouco da moralidade pública. É, sobretudo, um oportunista que se utiliza da toga ou do palanque, conforme a conveniência do momento. Hoje, seu projeto de poder passa por se reinventar como uma espécie de garantista às avessas, acenando para um eleitorado bolsonarista desiludido, tentando se dissociar do próprio passado que ajudou a construir.
Mas há algo que nem ele consegue apagar. A Lava Jato foi, sim, a origem de muitos dos abusos que hoje critica. E Sergio Moro é o principal rosto dessa era de exceção.