SEMANA DA LAVA JATO: Do ataque ao contra-ataque
A chegada ao Congresso Nacional de dois dos mais famosos e infames nomes da “República de Curitiba” tem feito a Operação Lava Jato e seus filhotes ganharem, mais uma vez, uma atenção especial por parte da grande mídia. Num momento em que o lavajatismo tenta aproveitar o ocaso de Jair Bolsonaro para voltar a ascender entre a direita brasileira, a última semana foi especialmente prolífica em notícias e debates envolvendo a finada força-tarefa e o parcial ex-juiz de primeira instância.
Teve de tudo um pouco: começou com recordações inevitavelmente rancorosas de um homem que ficou 580 dias preso por causa de uma condenação injusta; na sequência veio a deflagração de uma operação da Polícia Federal contra pessoas que estariam planejando atentados contra autoridades, entre elas o ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (que aproveitou a ocasião para fazer política com base em mentiras); o ator Pedro Cardoso dando um esculacho em jornalistas da CNN Brasil (e da mídia corporativa em geral) que insistem em fingir que nunca houve uma Vaza Jato; o advogado Rodrigo Tacla Durán voltando à cena e entrando no programa de proteção às testemunhas após denunciar, mais uma vez e com novos elementos, o submundo que haveria dentro da própria Lava Jato; e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), soltando o verbo contra Sergio Moro (‘Os combatentes de corrução gostam muito de dinheiro’, chegou a dizer ele) e cobrando um ‘mea culpa’ do Poder Judiciário após o desastre lavajatista.
“EU QUERIA F*** COM ELE”
Em entrevista concedida no Palácio do Planalto na terça-feira (21 de março), ao site Brasil247, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi sincero até demais. Numa fala repleta de emoção, o petista definiu o tempo que ficou no cárcere como uma forma de tortura, uma vez que estava sendo alvo de um processo político, e recordou o período como sendo de “muita mágoa”.
“A morte da Marisa foi uma coisa muito ruim. Depois a morte do meu irmão, quando eu estava na Polícia Federal, foi muito ruim. As acusações, as leviandades, o que as pessoas escreviam… Isso tudo é muito, muito duro”, disse Lula, contando também que as vezes algum procurador aparecia para fazer uma visita, verificar se estava tudo bem. “Eu falava ‘não está tudo bem. Só vai estar bem quando eu foder esse Moro'”, desabafou o presidente da República, que ficou 580 dias preso injusta e ilegalmente, como já reconheceu não só o STF, mas também o Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas).
MORO USA SUPOSTA AMEAÇA PARA FATURAR POLITICAMENTE COM MENTIRAS
Logo no dia seguinte, foi vez da Polícia Federal (PF) deflagrar a Operação Sequaz, que apura supostas articulações do PCC para sequestrar autoridades públicas. Um dos possíveis alvos dos criminosos seria o ex-juiz Sergio Moro.
Não demorou, é claro, para o senador pelo Paraná tentar faturar politicamente com a situação. De um lado, atacava o presidente Lula (a quem perseguiu quando era juiz, recorde-se), tentando relacionar, sem qualquer fundamento, a fala do petista sobre os tempos no cárcere com o plano do PCC. Na outra ponta, voltava a tentar se promover como um justiceiro numa ingrata luta contra o crime. E tentava fazer isso em cima do trabalho dos outros, tomando para si o bônus da transferência de líderes do PCC para presídios federais.
Mas outro alvo do PCC seria o promotor de São Paulo Lincoln Gakiya. E ele é o verdadeiro responsável pela transferência de Marcola, um dos principais líderes da facção criminosa, para um presídio federal em Rondõnia (o que frustrou uma tentativa de fuga cinematográfica planejada com auxílio do PCC da Bolívia).
“Pode consultar o processo de remoção e verá que não há lá uma linha sequer com assinatura de nenhum desses políticos [Moro e Bolsonaro].(…) Nos entristece saber que políticos e até um ex-juiz alterem a verdade para tentar obter algum ganho político dessa história”, chegou a declarar o promotor em entrevista à agência de notícias Estadão Conteúdo, em 2022.
AGOSTINHO CARRARA ESCULACHA JORNALISTAS
As mentiras e o embate político travado por Moro a partir da ação da PF, no entanto, acabou tendo o efeito colateral de chamar a atenção para algumas situações no mínimo curiosas envolvendo o processo que desbaratou um plano criminoso do PCC. Uma delas é que a juíza da causa era Gabriela Hardt, que atuou por anos ao lado de Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba e era tão fã do colega que resolveu, numa sentença contra Lula num processo envolvendo reformas em um sítio em Atibaia (SP), copiar e colar trechos de uma outra sentença do hoje congressista, esquecendo-se, contudo, de trocar o termo “apartamento” para “propriedade rural” ou “sítio”.
Outra é a forma acrítica como a imprensa segue tratando tudo o que vem de fontes oficiais. Uma obediência canina que recorda os tempos de auge da Operação Lava Jato, quando entrevistas coletivas em off e o vazamento de informações seletivas a jornalistas amigos tornou-se algo corriqueiro. Mas também uma obediência que faz corar (alguns de raiva, outros de vergonha) qualquer pessoa que tenha um olhar minimamente crítico sobre a situação.
E uma dessas pessoas é o ator Pedro Cardoso, conhecido por sua interpretação como Agostinho Carrara no clássico seriado “A Grande Família”. Em participação especial no programa CNN Arena, o artista criticou a forma como jornalistas tratavam e repercutiam notícias relacionadas a um ex-magistrado que usou da magistratura para fazer política e perseguir rivais ideológicos.
“Ele está sendo tratado como se merecesse todo nosso respeito, uma pessoa muito digna, muito correta, enquanto que ele é uma pessoa que tramou junto a um acusador para colocar uma pessoa na cadeia. Para as pessoas debaterem é preciso que antes se debatam consigo mesmas. Quando o público se vê diante de uma conversa na qual ninguém é honestamente penetrável pela fala do outro, ele também fica imobilizado pois a imobilidade do pensamento é a informação dominante”, declarou Cardoso. “Grande mentira muito bem fantasiada de excelso jornalismo. É grave. Se o comércio de notícias fosse mais honesto no Brasil, o fascismo teria tido maior dificuldade de chegar ao poder.”
RODRIGO TACLA DURÁN RELATA TER SIDO EXTORQUIDO PELA LAVA JATO
Já na segunda-feira, foi vez do advogado Rodrigo Tacla Duran voltar a aparecer no noticiário. Sua última aparição mais notável havia sido em 2019, quando concedeu entrevista à Jamil Chade, do UOL, e declarou que havia sido alvo de uma extorsão de um total de US$ 5 milhões. Na época, inclusive, ele entregou ao Ministério Público da Suíça provas de que havia pago mais de US$ 600 mil para um advogado de Curitiba, Marlus Arns, que ficou conhecido por costurar acordos de delação de empreiteiros e outros investigados da Lava Jato. O pagamento, segundo ele, teria sido exigido por outro advogado, Carlos Zucolotto Júnior, que era sócio de Rosângela Moro, mulher do ex-juiz.
Em depoimento ao novo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Eduardo Appio, o ex-advogado da Odebrecht reafirmou as acusações de extorsão e teria entregue novas evidências para embasar seus relatos, como fotos e vídeos que comprometeriam os parlamentares Deltan Dallagnol e Sergio Moro. Como os lavajatistas possuem foro privilegiado, o caso foi remetido ao STF, enquanto Tacla Duran foi incluído no programa de proteção às testemunhas.
Para tentar se defender, Sergio Moro divulgou à imprensa uma nota dizendo que “lamenta o uso político de calúnias feitas por criminoso confesso e destituído de credibilidade”. Logo ele, o juiz das delações (muito bem) premiadas querendo dizer que não se deve levar em conta a palavra de criminosos confessos…
Mas há uma instituição que levou e muito em conta a palavra de Tacla Duran. Trata-se da Interpol, que em 2018 tirou Duran da lista de procurados internacionais e suspendeu o alerta vermelho que existia em seu nome. E tudo após uma análise da conduta do então juiz Moro, que lançou dúvidas sobre a existência de um julgamento justo contra o ex-funcionário da Odebrecht, e apontou violação de leis, princípios, tratados e normas do Direito internacional, reconhecidos pelo Brasil.
GILMAR MENDES SOLTA O VERBO: “COMBATENTES DA CORRUPÇÃO GOSTAM MUITO DE DINHEIRO”
No mesmo dia em que Tacla Duran depôs, o ministro do STF Gilmar Mendes concedeu uma entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo no programa Reconversa, de seu canal no Youtube. No bate-papo, criticou mais uma vez o senador Sergio Moro e ressaltou o quão curioso é notar como os “combatentes da corrupção gostam muito de dinheiro”, recordando de quando o ex-juiz foi trabalhar para uma empresa que atuou na defesa de condenados da Lava Jato.
“No Brasil a gente descobre outra questão, que se mostra nessa participação do Moro, na contratação dessa empresa americana [Alvarez & Marsal] que depois vai contratá-lo. A gente descobre o quê? Que os combatentes da corrupção gostam muito de dinheiro. É uma coisa curiosa. O próprio acordo da ‘Fundação Dallagnol’, R$ 2,5 bilhões. (…) É todo um quadro preocupante, e tudo isso precisa ser refeito. Por isso que é importante cobrar do Supremo garantir a questão do juiz de garantias, porque esse sistema tem que ser varrido.”