Não basta um magistrado ser imparcial, ele deve também parecer imparcial.

E o ex-juiz Sergio Moro, sabe-se, não teve uma atuação imparcial na condução da Operação Lava Jato, como já afirmaram o Supremo Tribunal Federal (STF) e até mesmo o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Acontece que nem mesmo as aparências o ex-magistrado tenta manter.

É bem verdade que isso não é de hoje, tanto que pouco mais de um ano depois de condenar Lula e ajudar a mandá-lo para a prisão, tirando-o da corrida presidencial em 2018, Moro achou que seria uma boa ideia assumir o cargo de ministro da Justiça e da Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro (que teve o caminho ao Palácio do Planalto pavimentado justamente a partir da prisão do petista).

Agora, porém, a desfaçatez do ex-juiz da Lava Jato atingiu um novo nível, com Moro se prestando, num debate presidencial televisionado, ao papel de ‘papagaio de pirata’ de Bolsonaro, a quem chegou a chamar de “ladrão” da rachadinha em publicação no Twitter em fevereiro de 2022.

Dessa forma, além de ter sido um juiz parcial, Moro evidencia que sua cruzada nunca foi contra a corrupção. E a prova disso está nas próprias contradições e incoerências no discurso do (novamente) bolsonarista Sergio Moro.

Problemas no paraíso bolso-morista

Sergio Moro anunciou seu desembarque do governo Bolsonaro no dia 24 de abril de 2020. Caiu, mas caiu atirando, como se diz popularmente, acusando o presidente da República de tentar interferir politicamente na Polícia Federal (PF).

Segundo o ex-juiz da Lava Jato, que deixou o Ministério da Justiça após a exoneração do ex-diretor-geral da PF Mauricio Valeixo, Jair Bolsonaro queria trocar a direção do órgão investigativo para ter acesso a informações de inquéritos e proteger a própria família, amigos e parlamentares ideologicamente alinhados com ele e que vinham sendo investigados por suspeita de corrupção.

“No combate à corrupção, eu fui sabotado pelo presidente, todo mundo sabe disso. O presidente da República me convidou dizendo que eu teria carta branca para fazer o meu trabalho e consolidar os avanços contra a corrupção, disse que me mandou embora porque eu não protegi os filhos dele de investigações por corrupção, por rachadinhas”, disse Moro, ao que Bolsonaro respondeu dizendo que o ex-magistrado já tinha o seu propósito de poder “definido lá atrás” e que “ele enganou enquanto pode”.

Enquanto ainda sonhava em concorrer à presidência da República, Moro manteve o tom crítico contra Bolsonaro. Disse que o presidente “mente” e que “nada do que ele fala deve ser levado a sério. Mentiu que era a favor da Lava Jato, mentiu que era contra o Centrão (…) e agora mente sobre mim. Não é digno da Presidência”.

Afirmou, também, que Bolsonaro teria admitido nunca ter defendido o combate à corrupção e a Lava Jato. “Era só mais um discurso do seu estelionato eleitoral”, escreveu o ex-juiz, também no Twitter, em janeiro último.

Reaproximação e reatamento

Já na reta final de sua campanha por um cargo no Senado o ex-juiz da Lava Jato começou a ensaiar uma reaproximação de Bolsonaro, na tentativa de conseguir angariar votos na extrema-direita para derrotar Álvaro Dias, que até então aparecia como seu principal adversário na disputa por uma cadeira no Legislativo.

O reatamento definitivo aconteceu apenas dois dias depois do primeiro turno da eleição, quando Moro disse (mais uma vez em seu Twitter) que Lula não seria uma opção por seu governo ter sido marcado pela corrupção. “Contra o projeto de poder do PT, declaro, no segundo turno, o apoio para Bolsonaro”.

Em seguida, foi vez de Bolsonaro esclarecer que os entreveros entre eles estavam todos superados. “Daqui pra frente é um novo relacionamento”, disse o presidente da República, poucas semanas antes de Moro aparecer como seu assessor no debate presidencial transmitido pela TV Bandeiras.

Incoerência lavajatista

Diante dos acontecimentos mais recentes, fica difícil acreditar que a luta de Sergio Moro seja, efetivamente, contra a corrupção. No começo deste ano, por exemplo, o ex-juiz acusou que, se o governo federal desse autonomia para os órgãos de investigação, “muita coisa” relacionada à corrupção apareceria na gestão Bolsonaro.

Por outro lado, enquanto ainda denunciava as reiteradas tentativas de interferência de Bolsonaro na PF, o ex-ministro da Justiça chegou a afirmar que, durante os governos petistas de Lula e Dilma Rousseff, não houve interferências nos trabalhos da PF durante a Lava Jato, o que teria sido de extrema importância para que as investigações avançassem.

“É certo que o governo na época tinha inúmeros defeitos, aqueles crimes gigantescos de corrupção que aconteceram naquela época, mas foi fundamental a manutenção da Polícia Federal para que fosse feito o bom trabalho, seja de bom grado ou por pressão da sociedade, mas isso (a autonomia) foi mantido”, afirmou Sergio Moro na ocasião.

Anteriormente, o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, ex-integrante da força-tarefa da Operação Lava Jato, já havia se pronunciado de maneira parecida, afirmando que, antes do PT, os governos controlavam as instituições para impedir investigações potencialmente prejudiciais.

“Aqui temos um ponto positivo que os governos investigados do PT têm a seu favor. Boa parte da independência atual do Ministério Público, da capacidade técnica da Polícia Federal decorre de uma não intervenção do poder político, fato que tem que ser reconhecido. Os governos anteriores realmente mantinham o controle das instituições, mas esperamos que isso esteja superado”, disse o integrante da força-tarefa ao jornal O Estado de S. Paulo.

A pergunta que fica, então, é: se Sergio Moro não luta verdadeiramente contra a corrupção, contra o que ou pelo que ele trabalha, afinal? A resposta não está mais nas entrelinhas.