O impeachment da presidenta Dilma Roussef está completando sete anos nesta quinta-feira (31 de agosto). E nos últimos dias, uma decisão unânime do Tribunal Regional Federal da 1º Região (TRF-1), que confirmou o arquivamento de um processo por improbidade administrativa pela acusação de uso de “pedaladas fiscais” por Dilma, reacendeu o debate em torno do processo de impedimento e se o que houve foi um golpe parlamentar.

“Pedaladas fiscais” é como ficaram conhecidas supostas manobras contábeis, na qual o Tesouro Nacional atrasa o repasse de verbas a bancos para apresentar um balanço melhor em um determinado ano. Elas foram, inclusive, o principal motivo jurídico para o impeachment, num processo que teve início em 2 de dezembro de 2015 e se encerrou em 31 de agosto de 2016.

No ano passado, Dilma já havia vencido a batalha judicial em primeira instância. O Ministério Público Federal (MPF), porém, recorreu e coube à 10ª Turma do TRF-1 julgar o recurso. Mais uma vez, porém, a petista saiu vencedora: a ação foi arquivada sem resolução de mérito, ou seja, não foi analisada por falta de fundamentação das acusações.

Relator do processo, o juiz Saulo Casali Bahia afirmou não haver causa para o seguimento do processo pois a denúncia não apontou qualquer “conduta ilícita” e os atos descritos não poderiam ser punidos pela lei de improbidade, porque o MPF não conseguiu provar dolo.

Além disso, em respeito a entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), o magistrado também destacou que Dilma, por já ter sido julgada e condenada na esfera político-administrativa (no próprio julgamento pelo Legislativo do impeachment), não poderia responder novamente perante o Poder Judiciário.

Essa, porém, não foi a única vitória da ex-presidenta nos tribunais.

Em março do ano passado, o TRF-2 já havia arquivado outro processo – uma ação popular – contra Dilma, também com a acusação de cometer pedaladas.

Ela chegou a ser condenada em primeira instância, no âmbito da 10ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Ao recorrer, porém, obteve outro resultado unânime em seu favor, com o TRF-2 extinguindo a ação por entender que não houve provas de que a prática tenha causado prejuízo ao erário público.

Nesses e em outros processos, mais nomes acusados pelas pedaladas, como o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, o ex-presidente do Banco do Brasil Aldemir Bendine, o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin e o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho, também conseguiram se ver livres das acusações de improbidade administrativa.

Dilma Rousseff faz sua defesa diante dos senadores durante sessão de julgamento do impeachment. Ao fundo, o então presidente da Casa, Renan Calheiros (MDB), e do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

PT quer reparação simbólica

Diante da recente decisão da Justiça Federal, a bancada do PT na Câmara apresentou na última segunda-feira (28) um projeto para anular simbolicamente o impeachment de Dilma. O objetivo, alegam os parlamentares, é “corrigir um dos maiores equívocos jurídico-políticos perpetrados contra uma mulher séria”, a quem teria sido imputada “injustamente” a sanção de perda do cargo de presidente da República.

No sábado (26), o presidente Lula já havia afirmado que era necessária uma discussão sobre como reparar Dilma, que hoje é presidente do banco dos Brics. “É preciso saber como reparar uma coisa que foi julgada por uma coisa que não aconteceu”, disse o petista.

Gleisi Hoffmann, por sua vez, ressaltou a decisão do TRF-1 e disse que ela “deixa claro que o impeachment foi uma grande farsa, que a história das pedaladas foi uma armação, literalmente um golpe”. A presidente do PT recorda ainda que, em 2013, João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964, teve seu mandato devolvido simbolicamente, após o Congresso anular a sessão de 2 de abril de 1964, na qual Auro de Moura Andrade, então presidente do Legislativo, declarou vaga a presidência da República.

Afinal, foi ou não golpe?

O impeachment de um presidente da República está previsto na Constituição, nos artigos 85 e 86, e na lei 1079/50, que também estabelece normas de processo e julgamento.

Em suma, em regime presidencialista, é preciso haver não apenas uma vontade política por parte do Congresso em afastar o chefe do Poder Executivo, mas também atos comprovados do presidente contra a ordem pública (os crimes de responsabilidade, cujo processo é instaurado pelo Senado Federal, ou as infrações penais comuns, em caso de recebimento de denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal). Isso implica reconhecer, então, que questões eminentemente políticas evem ser controladas e cobradas não pela via do impeachment, mas pela via tradicional: as urnas.

No pedido de impeachment processado contra Dilma Rousseff, assinado por Miguel Reale Júnior, Hélio Bicudo e Janaína Paschoal, constam como motivos para o afastamento de Dilma as pedaladas fiscais; o escândalo de corrupção na Petrobras; e a compra, pela empresa, da refinaria de Pasadena.

Essas seriam, então, as justificativas jurídicas, os fatos que caracterizariam os crimes de responsabilidade cometidos pela presidenta da República.

Com relação às pedaladas fiscais, como já vimos, mesmo nas ocasiões em que não decidiu sobre o mérito da questão, o Poder Judiciário apontou a inépcia da denúncia não só de ponto de vista formal, mas também do ponto de vista material. Ou seja, quem acusou também não conseguiu demonstrar a existência de uma conduta ilícita.

No caso da compra da refinaria de Pasadena, o Tribunal de Contas da União inocentou DIlma ainda em 2014. Em 2017, novo processo foi aberto e ela foi mais uma vez absolvida, com o TCU apontando que ela não agiu de má-fé ao concordar com a aquisição porque não tinha conhecimento de atos ilícitos na compra da refinaria.

Já com relação ao escândalo na Petrobras, Dilma jamais foi condenada por qualquer denúncia referente ao caso. Além disso, muitos esquecem, mas ela foi uma entusiasta do combate à corrupção enquanto presidente da República e fez uma “limpa” na diretoria da Petrobras logo no começo do seu segundo ano de mandato, em 2012, quando diretores da petrolífera como Paulo Roberto Costa, Jorge Zelada e Renato Duque (indicações de partidos como PP, PMDB e PT, respectivamente) foram afastados (eles depois ganhariam os holofotes em 2014, com o surgimento da Operação Lava Jato).

Aceitação do pedido de impeachment “foi chantagem explícita”

No começo de dezembro de 2015, quando Eduardo Cunha aceitou a denúncia por crime de responsabilidade contra Dilma Rousseff, um dos autores do pedido de impeachment da presidenta, o advogado Miguel Reale Júnior, concedeu uma entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”. Nela, o jurista admitia que o processo só caminhava porque o então presidente da Câmara dos Deputados queria, basicamente, chantagear o governo para preservar seu mandato e, consequentemente, a prerrogativa de foro.

“Não foi coincidência que Cunha tenha decidido acolher o impeachment no momento em que deputados do PT decidiram votar favoravelmente à sua cassação no Conselho de Ética. Foi uma chantagem explícita, mas Cunha escreveu certo por linhas tortas”, afirmou o jurista, segundo o jornal.

Maria Lucia Bicudo e o jurista Miguel Reale Jr. entregam a Eduardo Cunha pedido de impeachment da presidenta (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

Ministro do STF também já disse que impeachment se deu por razões puramente políticas

Em 2021, quando era também presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso, reforçou que o impeachment de Dilma Rousseff se deu por razões de caráter eminentemente político, e não jurídico.

Durante o Simpósio Interdisciplinar sobre o Sistema Político Brasileiro, o Barroso declarou o seguinte: “Creio que não deve haver dúvida razoável de que ela não foi afastada por crimes de responsabilidade [pedalada fiscal] ou corrupção, mas sim foi afastada por perda de sustentação política. Até porque afastá-la por corrupção depois do que se seguiu seria uma ironia da história”.

Ou seja, até um ministro do Supremo que sempre foi dos mais fieis ao lavajatismo reconhece não haver base jurídica para o impedimento da presidenta da República.

Ainda assim, o Congresso Nacional resolveu usar uma bomba atômica (analogia utilizada por Fernando Henrique Cardoso para definir o impeachment). E por quê? Talvez para estancar alguma sangria, num grande acordo nacional. Com o Supremo, com tudo.