Sistema de cashback, omissão da PGR e risco de impunidade: o que está em jogo no STF com os acordos da Lava Jato
Julgamento no Supremo pode validar esquema bilionário de transferência de recursos da Odebrecht para os Estados Unidos, e livrar Moro, Dallagnol e Gabriela Hardt de acusações por peculato e corrupção apontadas pelo CNJ.Antonio Caccia
Julgamento no Supremo pode validar esquema bilionário de transferência de recursos da Odebrecht para os Estados Unidos, e livrar Moro, Dallagnol e Gabriela Hardt de acusações por peculato e corrupção apontadas pelo CNJ.
Um julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal pode ser determinante para o destino jurídico e político de figuras centrais da Operação Lava Jato. Em disputa está a legalidade da alienação antecipada de bens dos delatores da Odebrecht, realizada por Sergio Moro e Gabriela Hardt na 13ª Vara Federal de Curitiba, antes de qualquer sentença definitiva. Se o entendimento do ministro Edson Fachin prevalecer, os atos da força-tarefa podem ser convalidados, abrindo caminho para a impunidade de seus operadores — e para projetos eleitorais futuros de seus protagonistas.
Segundo fonte ouvida pela reportagem, que atua no sistema de Justiça e acompanhou de perto as decisões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o caso envolve um esquema de triangulação financeira denunciado como “sistema de cashback”. A engrenagem operava da seguinte forma: a Odebrecht firmava acordos bilionários de leniência, cujos valores eram depositados em contas da Petrobras. A estatal, por sua vez, repassava essas quantias ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que assumia o compromisso de devolver até 90% do montante para a força-tarefa de Curitiba, que pretendia criar com isso uma fundação própria.
O arranjo foi denunciado pelo ministro corregedor do CNJ, Luis Felipe Salomão, como indício de corrupção, peculato e formação de organização criminosa. O relatório aprovado pelo plenário do CNJ indica, inclusive, que diretores da Petrobras foram pessoalmente pressionados a autorizar as transferências. Cheques simbólicos foram entregues diante das câmeras em ações de marketing promovidas pela Lava Jato. O objetivo, segundo a fonte, era garantir legitimidade pública para uma operação cuja legalidade jamais existiu.
Ainda segundo o CNJ, o acordo de leniência da Odebrecht jamais poderia ter efeito penal. A lei brasileira determina que esses acordos têm efeitos apenas na esfera cível, e que devem ser julgados por juízos cíveis com participação obrigatória da União — que, no caso da Lava Jato, sequer foi intimada. O que houve, aponta a fonte, foi a criação de um “terceiro gênero” jurídico, sem respaldo legal.
Mesmo assim, o ministro Fachin apresentou voto reconhecendo a validade do que chamou de “negócio jurídico processual” firmado em 2016 entre o Ministério Público Federal e os 78 executivos da Odebrecht. A tese, já defendida por Moro e pela juíza Gabriela Hardt, é de que os bens e valores foram “renunciados espontaneamente” pela empresa e, portanto, poderiam ser livremente geridos pela vara criminal de Curitiba. Segundo a fonte, essa narrativa tenta dar aparência jurídica a atos que já foram considerados ilegais por órgão de controle externo do Judiciário.
O ministro Gilmar Mendes divergiu. Em voto incisivo, argumentou que, ao aceitar essas práticas, o STF estaria convalidando uma série de ilegalidades. Para ele, a Lava Jato corrompeu a Justiça ao utilizar métodos ilegais para atingir fins supostamente legítimos — incluindo a interferência direta no processo eleitoral de 2018, com a prisão ilegal do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. “É a lógica de que não se faz omelete sem quebrar ovos, mas os ovos aqui são os princípios constitucionais de legalidade, devido processo e imparcialidade”, resume a fonte.
A retirada da ação de pauta no último dia 10 de abril, por iniciativa do ministro Dias Toffoli, indica que o julgamento está em ponto crítico. A fonte acredita que Toffoli percebeu a possibilidade de Fachin formar maioria, o que o teria levado a solicitar mais tempo. O voto do ministro Flávio Dino pode ser decisivo.
Caso o entendimento de Fachin seja vitorioso, há implicações diretas sobre o inquérito que tramita contra Moro, Gabriela Hardt e Deltan Dallagnol na Procuradoria-Geral da República. O processo investiga a destinação ilegal de mais de R$ 6 bilhões em recursos públicos. Desde junho de 2024, o inquérito está paralisado. Segundo a fonte, falta institucionalidade e controle sobre a atuação do Ministério Público Federal, que estaria omisso mesmo após o extenso relatório aprovado pelo CNJ.
A dimensão eleitoral também está em jogo. A depender do desfecho do julgamento, um dos principais obstáculos à candidatura de Moro ao governo do Paraná pode cair. “Não é legítimo que alguém acusado de tentativa de peculato e de desviar bilhões de reais se apresente à sociedade como candidato a administrar os cofres públicos de um Estado. É uma questão de ética e de memória institucional”, conclui a fonte.
A decisão do Supremo será, portanto, um marco não apenas jurídico, mas histórico. De um lado, a tentativa de enterrar de vez as ilegalidades da Lava Jato. De outro, a exigência de que os atos de um dos maiores escândalos judiciais do país sejam revistos à luz da Constituição. Para a sociedade, resta o dever de acompanhar e cobrar transparência — antes que as próximas eleições tornem irreversível o pacto da impunidade.
A decisão do Supremo será, portanto, um marco não apenas jurídico, mas histórico. De um lado, está a tentativa de enterrar de vez as ilegalidades da Lava Jato; de outro, a exigência de que os atos de um dos maiores escândalos judiciais do país sejam revistos à luz da Constituição. O pedido de vista do ministro Flávio Dino, apresentado no dia 23 de abril, indica que o voto decisivo ainda está em aberto. Dino afirmou ter dúvidas relevantes sobre aspectos fáticos dos processos — como meação de bens, variações cambiais e arquivamentos — e anunciou que apresentará votos individuais para cada caso. Sua posição poderá ser o fiel da balança entre a convalidação de práticas que o CNJ classificou como criminosas e a responsabilização institucional dos agentes envolvidos. Para a sociedade, resta o dever de acompanhar e cobrar transparência — antes que as próximas eleições tornem irreversível o pacto da impunidade.