A Vaza Jato

Uma enorme coleção de materiais fornece um olhar sem precedentes sobre as operações da força-tarefa anticorrupção que transformou a política brasileira e conquistou a atenção do mundo

VAZA JATO

Na noite de domingo do dia 09 de junho de 2019, durante a 60ª fase da Operação Lava Jato, quando já se garantia consolidada como a maior operação anticorrupção do Brasil, o site The Intercept Brasil divulgou os primeiros textos da série: As mensagens secretas da Lava Jato, que deram início ao grande escândalo de investigações jornalísticas intitulado Vaza Jato. 

Essa série apresentou um conjunto de reportagens feitas com base em arquivos de mensagens privadas, com fotos, áudios, vídeos, documentos e outros itens enviados por uma fonte anônima através do aplicativo Telegram ao jornalista e advogado constitucionalista Glenn Greenwald, fundador do The Intercept. As mensagens revelaram condutas antiéticas e nada republicanas dos envolvidos na força-tarefa que obteve atenção mundial desde seu início em 2014.

A série de documentos obtidos também foi disponibilizada para outros veículos de comunicação como Agência Pública, BuzzFeed News Brasil, El País, Folha de S. Paulo, UOL e Veja. A equipe de diversos jornalistas divulgou áudios e mensagens trocadas entre vários integrantes da Procuradoria da República, com destaque para Deltan Dallagnol, que foi o coordenador do grupo encarregado dos principais procedimentos e processos que culminaram nas condenações de Lula nos casos do “Sítio de Atibaia” e do “Triplex do Guarujá”, e para o juiz Sergio Moro, responsável pelos casos na época, e que ocupava o cargo de Ministro da Justiça e Segurança Pública no Governo Bolsonaro, quando veio a público toda a documentação.

As revelações foram de grande importância ao interesse público, pois mostraram um modo de agir que representou um verdadeiro conluio entre acusação e julgador para a realização de um projeto político, que utilizou a grande imprensa como objeto de apoio na consolidação da opinião pública acerca da operação e suas autoridades. A investigação trouxe à tona intenções secretas e antiéticas entre procuradores e o juiz Sérgio Moro para forçar acusações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, inviabilizando a sua candidatura nas eleições de 2018. Revelou-se as relações de parceria entre a imprensa e agentes da operação, a parcialidade do juiz, que agia de acordo com seus interesses e, inclusive, assumia o protagonismo da acusação, sob o pretexto de “combater a corrupção”.

Os caminhos que a Operação Lava Jato tomou a partir das ações e intenções de seus agentes, reveladas pela Vaza Jato, trouxeram consequências adversas durante e após os anos de investigação da força-tarefa, causando prejuízos econômicos e políticos ao País, que ainda hoje persistem e são de difícil mensuração.

Leandro Demori em depoimento exclusivo sobre a Vaza Jato

Deltan Dallagnol Lava Jato MPF Sergio Moro

BASTIDORES E REPERCUSSÃO

O livro “Vaza Jato: os bastidores das reportagens que sacudiram o Brasil”, escrito pela jornalista Letícia Duarte – que não faz parte da equipe do The Intercept –, conta com detalhes na primeira parte do livro como se desenrolou os bastidores das renomadas investigações jornalísticas de integrantes da Operação Lava Jato. 

Tudo teria começado numa manhã de domingo com mensagens enviadas à ex-deputada do PCdoB, Manuela D’Ávila, através de uma fonte anônima que afirmava ter acessado sua conta do Telegram e de todos os envolvidos na força-tarefa da Operação Lava Jato. A fonte apresentou informações de que havia de fato conseguido ter acesso tanto aos dados de Manuela, quanto aos dos agentes da força-tarefa. 

Desconfiada de que poderia ser algum tipo de armadilha e sem muita ideia de como proceder, sob pressão do informante, a ex-deputada então lembrou de Glenn Greenwald, jornalista fundador do The Intercept e vencedor do Pulitzer com o Caso Snowden, e o indicou. Manuela D’Ávila então entrou em contato com Greenwald. Como português não é sua língua nativa, o marido do jornalista, o então deputado federal David Miranda, também participou da ligação com a ex-deputada. O jornalista automaticamente se interessou pelo material e começou a pensar nas estratégias para veicular as informações de interesse público com base na sua experiência com o Caso Snowden

Manuela passou o contato do jornalista para a fonte – identificado no telegram como @BrazilBaronil -,que logo em seguida entrou em contato com o mesmo. A conversa se desdobrou no aplicativo Telegram e em poucos minutos o informante pediu para fazer uma ligação de voz com Greenwald. Muitas questões passavam pela cabeça do jornalista que temia pela sua segurança, pois já havia tido que atravessar o mundo e se arriscou para conversar com Snowden, que detinha segredos obtidos da CIA à época. 

A posição da fonte brasileira também não passava segurança, porém mesmo assim o jornalista decidiu dar uma chance ao caso. A história que contou @BrazilBaronil, em que ele seria amigo dos fundadores do aplicativo Telegram, parecia pouco verossímil, contudo, apesar da desconfiança de Greenwald, seu interesse era saber se os documentos eram legítimos, que começaram a chegar logo após a ligação. 

Após receber a enorme quantidade de arquivos, Greenwald passou ao editor executivo The Intercept, Leandro Demori, responsável pela redação e as decisões do site no Brasil. Na conversa que tiveram, chegaram ao consenso de que precisavam de um “especialista” sobre a Lava Jato, com conhecimentos avançados sobre o assunto. Foi nesse momento que entraram em contato com Rafael Moro Martins, o mais experiente da equipe sobre os deslindes da mega operação. Como Demori estava de férias, também deixou Alexandre de Santi como editor encarregado de gerenciar o site durante sua ausência.

Medidas de segurança foram tomadas logo no início para garantir o sigilo da documentação e a segurança da equipe. Preocupado em criar meios seguros de arquivamento do material e fazer uma cópia segura fora do território nacional, nos Estados Unidos, Greenwald ligou para seu amigo e Diretor de Segurança da Informação do The Intercept nos Estados Unidos, Micah Lee, que também havia participado do Caso Snowden e ensinou o jornalista a usar criptografia digital. 

Santi e Martins ficaram encarregados de analisar o material e procurar qualquer tipo de fraude no primeiro momento. Os arquivos estavam desorganizados e havia dezenas de gigabytes de informações, que indiciavam ser praticamente impossível ter havido algum tipo de edição por parte da fonte que os forneceu, tornando crível a veracidade de seu conteúdo. 

Andrew Fishman, que participou do projeto de lançamento da redação do jornal independente em português no Brasil, teve uma reunião com Greenwald, os jornalistas e os advogados do The Intercept, Rafael Borges e e Rafael Fagundes. Eles discutiram tudo que havia acontecido até então e quais seriam os próximos passos. A reunião foi gravada pelo fotógrafo e documentarista Christian Braga. 

Quando Demori voltou de férias, começou a ler o que o grupo tinha organizado e naquele momento duas reportagens já estavam sendo preparadas. Diversos questionamentos foram levantados pela equipe. Como iriam dividir um grupo de 20 pessoas e manteriam as reportagens da Vaza Jato junto com as demais? Quais as medidas de segurança? Qual o momento certo de publicar os arquivos e quais? Foram analisados todos os prós e contras para se chegar a um consenso.

A decisão do nome Vaza Jato veio dos responsáveis pela identidade visual das reportagens: os designers Rodrigo Bento e João Brizzi e a responsável pela Comunicação, Marianna Araujo. A equipe acreditava que o nome As mensagens secretas da Lava Jato era muito longo para padrões de redes sociais, como o Twitter; por isso o nome análogo ao nome da Lava Jato se tornou o oficial e é lembrado até hoje.

Não existiu planejamento prévio para publicar a série As mensagens secretas da Lava Jato naquele domingo. Segundo o livro dos bastidores e o editorial do El País, a decisão de fazer a publicação logo após o fundador do The Intercept receber os documentos ocorreu em razão da demanda da fonte, que tinha interesse em investir na bolsa de valores e capitalizar com a repercussão das mensagens; por precaução a equipe resolveu aderir. A opção de divulgação num domingo foi devido à necessidade de ser no período em que as bolsas estavam fechadas. No entanto, os jornalistas tiveram pouco tempo para terminar adequadamente as matérias.

Assim que as primeiras reportagens foram publicadas ocorreu um verdadeiro rebuliço midiático. Em uma semana as investigações repercutiram de modo imensurável, tanto que outros veículos de comunicação começaram a fazer parte da Vaza Jato. Além disso, nesse período diversos jornais que não faziam parte da equipe parceira do The Intercept se posicionaram sobre as investigações e os envolvidos na força-tarefa através de pontos de vista adversos. 

Quadros mostram total de textos publicados pelos jornais e respectivos pontos de vista durante a semana de 5-12 agosto de 2019 – Fonte: http://manchetometro.com.br/2019/08/15/vaza-jato-semanal-5-12-de-agosto/

Os gráficos do site de monitoramento de grandes mídias brasileiras, Manchetômetro, mostra o posicionamento dos jornais Folha de S. Paulo, Estadão e Globo durante a semana do dia 5 ao dia 12 de agosto de 2019, cerca de 57 dias após o início das investigações. Todos se mantiveram predominantemente neutros em relação às investigações da Vaza Jato, sendo a Folha de S. Paulo a que mais ressaltou as investigações, cobrindo com frequência as reportagens e seus desdobramentos. Já o Estadão e o Globo apareceram com menos coberturas, deixando de mencionar o escândalo por alguns dias, mostrando-se mais críticos ou neutros ao The Intercept e mais favoráveis ao ex-juiz Sergio Moro. 

Ao todo, foram 111 reportagens do The Intercept Brasil e outros veículos de comunicação, fazendo a cobertura e a análise do material.

COMO A VAZA JATO DESMASCAROU A LAVA JATO

O PRIMEIRO MÊS DE INVESTIGAÇÕES E A IDA DE SERGIO MORO AO CCJ

Durante o mês de junho de 2019, o The Intercept publicou 15 reportagens relatando os escândalos revelados pelo material exclusivo recebido pelo jornal contando com a participação de veículos parceiros. O primeiro conjunto de materiais publicados revelou que o juiz Sergio Moro teria atuado de maneira conjunta com procuradores para articular contra o ex-presidente Lula, dando prioridades a casos, conselhos, pistas e estratégias aos agentes. Até mesmo revelou inquietação do procurador Deltan Dallagnol sobre a as provas levantadas para a acusação que levou o ex-presidente à prisão em abril de 2018.

As três primeiras reportagens tiveram grande repercussão, quebrando os recordes de audiência do site, chegando a um alcance maior do que o esperado. Uma pesquisa do Atlas Político, promovida pelo El País, mostrou que 73,4% dos entrevistados tomaram conhecimento das conversas entre Moro e Dallagnol por meio das mensagens que haviam começado a ser publicadas quatro dias antes da matéria. Além disso, Moro perdeu popularidade, como mostra o gráfico do Atlas Político.

A opinião pública sobre a prisão de Lula também foi afetada. Mesmo que a maioria das pessoas se mostrem a favor da prisão, no mês das revelações das mensagens pelo Intercept, esse número caiu, segundo a pesquisa. 

Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/06/13/politica/1560425634_536159.html

Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/06/13/politica/1560425634_536159.html

Na mesma noite da primeira publicação do material a força tarefa emitiu três notas. Nessas notas chama a atenção para a “ação criminosa de um hacker que praticou os mais graves ataques à atividade do Ministério Público, à vida privada e à segurança de seus integrantes”. 

No que diz respeito à reportagem que revela a tentativa de impedir o ex-presidente Lula de dar entrevistas, a nota afirma que “entende que a prisão em regime fechado restringe a liberdade de comunicação dos presos, como já manifestado em autos de execução penal, o que não se trata de uma questão de liberdade de imprensa”. “O entendimento vale para todos os que se encontrem nessa condição, independentemente de quem sejam.”

Em relação ao conteúdo das mensagens, o ex-juiz e então ministro Sergio Moro também divulgou uma nota afirmando “não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matérias”.  

O site respondeu a acusação da seguinte forma: “O Intercept refuta a acusação de sensacionalismo e informa que trabalhou com rigor para que todas as conversas fossem reproduzidas dentro do contexto adequado.

Dez dias depois Moro também compareceu à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), para prestar esclarecimentos sobre as mensagens. 

VAZA JATO NO ABRAJI

Ainda no primeiro mês, os jornalistas do Intercept foram convidados para o 14° Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. No dia 25 de junho de 2019, quase toda a equipe compareceu ao congresso. No palco, Leandro Demori e o jornalista da BBC Brasil, André Shalders, apresentaram, através da intermediação de Fernando Rodrigues, diretor de redação do Poder360

Shalders comenta sobre a experiência com investigações sobre vazamentos e impressões sobre as reportagens da Vaza Jato e Demori também trouxe para a apresentação uma reflexão sobre a responsabilidade da imprensa ao cobrir a Operação Lava Jato, como a narrativa dos agentes foi criada não para fazer justiça, mas para beneficiar os agentes e como a imprensa muitas vezes comprou essa ideia.

Durante o debate na palestra, Leandro foi questionado pelos dois jornalistas sobre a forma e as decisões tomadas para a cobertura das reportagens do Intercept, e sobre o material utilizado. Demori comentou também sobre a tentativa de criar parcerias com grandes veículos e os supostos “vetos” de trabalharem com o Intercept, o trabalho de analisar as mensagens, relações legais e ilegais entre imprensa e agentes, entre diversos outros assuntos. No meio do evento também, uma pergunta vinda do público comenta sobre uma nota do jornal Estadão no mesmo dia que incomoda os jornalistas.  

Vaza Jato: jornalismo de impacto e colaborativo

AS MENSAGENS SECRETAS DA LAVA JATO

O The InterceptBrasil começou publicando três reportagens intensas no dia 09 de junho de 2019, mostrando discussões controversas e legalmente questionáveis entre integrantes da Operação Lava Jato. O material publicado no Brasil também foi resumido em duas reportagens em inglês, que foram publicadas no The Intercept. 

Na primeira parte da série de reportagens, publicada pelo fundador do site, Glenn Greenwald, o diretor-executivo Leandro Demori e a chefe do The Intercept, Betsy Reed, explica sobre produção desse material e qual a relevância dessa investigação jornalística sobre a ação de agentes da Lava Jato ao interesse público. 

A importância dessas revelações se explica pelas consequências incomparáveis das ações da Lava Jato em todos esses anos de investigação. Esse escândalo generalizado envolve diversos oligarcas, lideranças políticas, os últimos presidentes e até mesmo líderes internacionais acusados de corrupção

The Intercept Brasil, 2019

A operação levou à prisão do ex-presidente Lula no ano de 2018. Sentenciado, foi condenado com rapidez na segunda instância, tornando-o inelegível em um momento em que as pesquisas revelavam sua liderança na corrida eleitoral. Tirar Lula da corrida significou abrir espaço para a vitória de Bolsonaro.

Por muito tempo os procuradores e o próprio juiz responsável se garantiram como desinteressados de motivações políticas ou partidárias, o que se mostrou controverso pelos diálogos revelados entre os integrantes da força-tarefa. A partir disso, as reportagens começaram a ganhar cada vez maior repercussão, desmascarando o suposto “heroísmo” de Sergio Moro. Certamente que logo após a exposição dos agentes na mídia e pressão colocada aos agentes, o ex-juiz Sergio Moro foi pressionado a dar explicações à Comissão de Constituição (CCJ) do Senado sobre suas ações.

A série de reportagens seria só o começo para que o disfarce de diversos agentes e autoridades da força-tarefa caíssem e que a grande imprensa brasileira começasse a repensar suas formas de cobrir a operação que mudou o percurso da política e da justiça brasileira.

PROVAS FRACAS E O CASO DO POWERPOINT

Dentre as primeiras reportagens publicadas pelo The Intercept Brasil, se destaca a que evidencia a fraqueza das provas que levaram Lula para a prisão em 2018. Nem mesmo o procurador responsável pelo caso, Deltan Dallagnol, confiava nas provas da denúncia que seriam apresentadas pelo MPF contra o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Quatro dias antes de apresentar a denúncia, o procurador enviou uma mensagem ao grupo chamado “Incendiários ROJ”. Na mensagem, o procurador demonstrava preocupação na denúncia baseada em matérias de jornais e também apresentou dúvidas se o apartamento triplex poderia ser apontado como propina para Lula nos casos de corrupção da Petrobras. 

Poucos dias depois o documento foi anunciado ao público como uma apresentação de PowerPoint que ficou bastante conhecida:

A apresentação tinha objetivos claros quando analisadas as mensagens trocadas. O primeiro objetivo era conseguir ligar o triplex aos casos de corrupção da Petrobras, com o intuito do caso sair de São Paulo e ser retomado em Curitiba, para ser julgado por Sergio Moro. O segundo era colocar Lula como “comandante máximo do esquema de corrupção” para a imprensa – de forma indevida já que ele não havia sido julgado ou sequer era objeto de denúncia.

Após encontrarem uma notícia de 2010 , Dallagnol escreveu no Telegram : “tesao demais essa matéria do O GLOBO de 2010. Vou dar um beijo em quem de Vcs achou isso”. Tratava-se da primeira reportagem sobre o apartamento do Guarujá, muito antes do início da Operação Lava Jato. Tal reportagem não mencionava nenhum tipo de ligação com a Petrobras e apenas informava que a falência da cooperativa que construía o edifício poderia prejudicar Lula e sua esposa na época, Marisa Letícia.

Deltan Dallagnol pediu o contato da repórter procurando por mais informações sobre a fonte. Ele estava otimista e já havia começado a planejar sua apresentação de PowerPoint aos jornalistas.

“Vcs não têm mais a mesma preocupacção que tinham quanto ao imóvel, certo? Pergunto pq estou achando top e não estou com aquela preocupação. Acho que o slide do apto tem que ser didático tb. Imagino o mesmo do lula, balões ao redor do balão central, ou seja, evidências ao redor da hipótese de que ele era o dono”, escreveu Dallagnol.

O problema da reportagem como prova

A reportagem do Globo foi usada como prova de que o triplex era do casal Lula na denúncia e foi usada na sentença assinada por Sergio Moro, que afirmou: “A matéria em questão é bastante relevante do ponto de vista probatório.

O problema em questão, apresentado pela investigação do The Intercept Brasil é que a reportagem apresenta duas inconsistências do que é dito na denúncia do Ministério Público Federal. A primeira inconsistência é o uso da declaração apresentada à Justiça Eleitoral em 2006, para comprovar o fato. A palavra triplex não aparece na lista de bens de Lula usada pelo Globo. 

A segunda é que a matéria atribui uma unidade na torre B, prédio dos fundos do condomínio: “A segunda torre (a torre A), se construída como informa a planta do empreendimento, lançado no início dos anos 2000, pode acabar com parte da alegria de Lula: o prédio ficará na frente do imóvel do presidente, atrapalhando a vista para o mar do Guarujá, cidade do litoral paulista”.

Portanto, a reportagem deixa claro que o casal perderia a vista do mar com a construção da torre A, que seria construída em frente a torre B.  Na denúncia feita pelo MPF, os procuradores afirmam que o triplex fica na torre A, que sequer existia quando a reportagem foi publicada e foi utilizada como prova de que a propriedade era do casal Lula, demonstrando a imprecisão de informações utilizadas como prova material de suposta propina recebida pela empreiteira.

“Essa matéria dava conta de que o então Presidente LULA e MARISA LETÍCIA seriam contemplados com uma cobertura triplex, com vista para o mar, no referido empreendimento”.

A incoerência de tal informação, no mínimo, colocaria em dúvida o valor de prova da reportagem, utilizada como argumento para a condenação de Lula, e como foi mencionada como relevante na sentença realizada pelo ex-juiz Sergio Moro. 

As provas indiretas de autoria

Alguns dias depois de apresentar a primeira denúncia contra o ex-presidente Lula, Deltan Dallagnol voltou a contatar Moro e demonstrou mais uma vez insegurança sobre as provas, após ser criticado por grande parte da opinião pública. 

 “A denúncia é baseada em muita prova indireta de autoria, mas não caberia dizer isso na denúncia e na comunicação evitamos esse ponto.” 

“Não foi compreendido que a longa exposição sobre o comando do esquema era necessária para imputar a corrupção para o ex-presidente. Muita gente não compreendeu porque colocamos ele como líder para imperar 3,7MM de lavagem, quando não foi por isso, e sim para imputar 87MM de corrupção.”

Em diversos momentos Dallagnol se preocupa com a opinião pública de seu trabalho: 

“Ainda, como a prova é indireta, ‘juristas’ como Lenio Streck e Reinaldo Azevedo falam de falta de provas. Creio que isso vai passar só quando eventualmente a página for virada para a próxima fase, com o eventual recebimento da denúncia, em que talvez caiba, se entender pertinente no contexto da decisão, abordar esses pontos”, escreveu a Sergio Moro.

Sergio Moro tenta tranquilizar o procurador dois dias depois:

“Definitivamente, as críticas à exposição de vcs são desproporcionais. Siga firme.”

O PowerPoint resultou em condenação por difamação 

No ano de 2022, o ex-presidente Lula movimentou um processo por difamação contra Deltan Dallagnol no caso do PowerPoint. No dia 22 de março do mesmo ano, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), condenou o ex-procurador da República ao pagamento de R$ 75 mil  de indenização por danos morais ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em razão da apresentação de PowerPoint apresentada em entrevista coletiva no ano de 2016.

O ex-procurador teria ultrapassado limites, utilizando linguagem não técnica e atribuindo qualificações degradantes à honra e à imagem do ex-presidente. Além de imputar a Lula fatos que não constavam na denúncia. 

As mensagens reveladas pelo Intercept mostraram as intenções dos agentes em incriminar Lula o mais rápido possível e com utilização de provas indiretas, com o propósito de inviabilizar sua candidatura em 2018. O uso da apresentação de PowerPoint teve o intuito de degradar a imagem do ex-presidente e fazer um apelo midiático sobre a denúncia. 

AGENTES PLANEJARAM CENSURA DE ENTREVISTA

Dentre as reportagens do dia 09 de junho de 2019, a segunda que se destaca é a que mostra uma articulação secreta entre procuradores para impedir entrevista de Lula antes das eleições, pelo receio de isso ajudar a eleição de Fernando Haddad. 

O objetivo era derrubar a decisão judicial do dia 28 de setembro de 2018, assinada pelo ministro Ricardo Lewandowski que liberou a entrevista, que aconteceria no dia 02 de outubro de 2018. A entrevista foi cancelada algumas horas antes, depois do ministro Luiz Fux proibir e ser decidida pelo presidente do STF, Antonio Dias Toffoli. 

Apesar de afirmarem sempre que suas ações são apartidárias e imparciais, os diálogos entre os procuradores demonstram grande preocupação política, com o retorno do PT ao poder. No momento em que o grupo teve a informação de que Lewandowski decidiu em favor da entrevista, os procuradores começaram a se manifestar.  Leia um trecho da matéria:

Fonte: The Intercept Brasil

O procurador Deltan Dallagnol também estava tendo uma conversa paralela com uma colega comentando negativamente sobre a possibilidade de Lula ser entrevistado antes das eleições, deixando explícito o objetivo de impedir o retorno do PT à presidência e portanto tomando uma posição política e completamente parcial:

Com a probabilidade de não conseguirem impedir a entrevista, o grupo passou a discutir em qual formato de entrevista o ex-presidente teria menos benefícios. Algumas sugestões foram dadas por diversos procuradores:

Januário Paludo: “Plano a: tentar recurso no próprio stf, possibilidade Zero. Plano b: abrir para todos fazerem a entrevista no mesmo dia. Vai ser uma zona mas diminui a chance da entrevista ser direcionada.”
Athayde Costa – 12:02:22 N tem data. So a pf agendar pra dps das eleicoes. Estara cumprindo a decisao
12:03:00 E se forcarem antes, desnuda ainda mais o carater eleitoreiro
Julio Noronha – 17:43:37 Como o Lewa já autorizou, acho que só há dois cenários: a) A entrevista só para a FSP, possivelmente com o “circo armado e preparado”; b) tentar ampliar para outros, para o “ciro” ser menor armado e preparado, com a chance de, com a possível confusão, não acontecer. 

Diversos desses trechos demonstram a articulação política sobre a entrevista. Sugestões como a de intervenção da Polícia Federal, deixam explícitas as intenções do grupo. Além disso, algumas discussões pretendiam vazar uma suposta petição para veículos de imprensa:

Paulo Galvão: 20:09:30 Passaram a petição da entrevista pro antagonista?20:09:51 Vcs querem passar p globo?

Apesar das preocupações, algumas horas mais tarde, uma reportagem do site O Antagonista foi compartilhada no grupo, com a notícia de que o Partido Novo (leia o pedido aqui) havia recorrido ao STF contra a entrevista de Lula e que o ministro Luiz Fux havia acatado o pedido (leia a decisão). Logo em seguida o clima foi de comemoração no grupo.

Januário Paludo: “Devemos agradecer à nossa PGR: Partido Novo!!!”. 
Januário Paludo – 23:41:02 Eu fiquei sabendo agora…
Deltan –  23:41:32 Rsrsrs
Athayde Costa – 23:42:02 O clima no stf deve ta otimo
Januário Paludo – 23:42:11 vai ser uma guerra de liminares…

Durante essas mensagens, tanto os momentos de preocupação com o resultado das eleições, que poderia ser alterado devido à uma entrevista, como a comemoração do grupo com uma decisão que afirma que “se faz necessária a relativização excepcional da liberdade de imprensa”, sem sequer questionarem como um ministro do STF pode censurar a imprensa de tal forma, ou como um partido que se diz liberal fazer tal tipo de requerimento, demonstram claramente que a posição dos procuradores não foi apolítica, imparcial ou técnica, muito pelo contrário.  

Em 2019 a decisão foi revogada

No dia 18 de setembro de 2019, no ano seguinte ao ministro Luiz Fux suspender a liminar concedida por Ricardo Lewandowski que autorizava a Folha de S.Paulo e outros veículos a entrevistarem Lula na prisão, em Curitiba (PR), o presidente do STF, Antonio Dias Toffoli, revogou a decisão. 

Em seu despacho, Toffoli entendeu que já houve o trânsito em julgado, ou seja, o término da ação que impediu a entrevista de Lula. Por essa razão, suspendeu a liminar de Fux, autorizando a entrevista do ex-presidente aos veículos de comunicação.

“Operado, portanto, o trânsito em julgado da ação principal, que foi objeto de questionamento neste incidente, há de se reconhecer a perda superveniente de objeto, atingindo, por consequência, os efeitos da liminar anteriormente deferida em toda sua extensão. Por essas razões, nos termos do art. 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, julgo extinta a presente suspensão de liminar.”

A COLABORAÇÃO ILEGAL ENTRE JUIZ E PROCURADOR

Dentre as primeiras reportagens se destaca também a que mostra que o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro teve cumpriu um papel que foi muito além de apenas julgar os casos. Em diversas mensagens Moro deu dicas e conselhos estratégicos para o Ministério Público, além de agir como superior de procuradores e da Polícia Federal.  Trecho da reportagem do abaixo: 

Fonte: The Intercept Brasil

De acordo com a Constituição brasileira, no sistema acusatório no processo penal, as figuras do acusador e do julgador não podem se misturar. O juiz deve analisar de maneira imparcial as alegações de acusação e defesa, sem apresentar qualquer interesse em qual será o resultado. 

Por muito tempo Moro negou trabalhar em parceria com o MPF, porém mensagens trocadas demonstram o contrário. Em uma conversa no dia 7 de dezembro de 2015, o ex-juiz passou informalmente uma pista sobre o caso de Lula para auxiliar na investigação do MP.

17:42:56 Sergio Moro: “Entao. Seguinte. Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodado por ter sidoa ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex Presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou entao repassando. A fonte é seria”.
17:44:00 Deltan Dallagnol: Obrigado!! Faremos contato
17:45:00 Sergio Moro: E seriam dezenas de imóveis
18:08:08 Deltan Dallagnol: Liguei e ele arriou. Disse que não tem nada a falar etc… quando dei uma pressionada, desligou na minha cara… Estou pensando em fazer uma intimação oficial até, com base em notícia apócrifa
18:09:38 Sergio Moro: Estranho pois ele é quem teria alertado as pessoas que me comunicaram. Melhor formalizar entao.
18:15:04 Supostamente teria comentado com mario cesar neves, empresario, 67 81260405, que por sua vez repassou a informação até chegar aqui.
18:16:29 Deltan Dallagnol: Posso indicar a fonte intermediária?
18:59:39 Sergio Moro: Agora ja estou na
duvida.
19:00:22 Talvez seja melhor vcs falarem com este mario primeiro
20:03:00 Deltan Dallagnol: Ok
20:03:32 Ok, obrigado, vou ligar

No diálogo acima, fica evidente a atuação de colaboração entre juiz e procurador. Em seu próprio twitter, Deltan afirmou que “Demos a ‘sorte’ de que o caso caísse nas mãos de um juiz como Sergio Moro”.

Deltan Dallagnol em seu twitter – 19 de novembro de 2018

Um dos procuradores da força-tarefa no MPF, Athayde Ribeiro Costa trocou mensagens com Roberto Pozzobon, membro da equipe e do grupo “FT MPF Curitiba 2”. O grupo era destinado a discutir estratégias para as investigações da operação. Após compartilharem uma notícia do Globo, no dia 16 de outubro de 2015, em que noticiava que “Diretor da Odebrecht que acompanhava Lula em suas viagens será solto hoje”, Deltan usou o chat privado para repassar a informação e conversar com Sergio Moro. 

11:46:32 Deltan Dallagnol: Caro, STF soltou Alexandrino. Estamos com outra denúncia a ponto de sair, e pediremos prisão com base em fundamentos adicionais na cota. Se Vc puder decidir isso hoje, antes do plantão e de eventual extensão, mandamos hoje. Se não, enviamos segunda-feira. Seria possível apreciar hoje?
11:51:08 Sergio Moro: Não creio que conseguiria ver hj. Mas pensem bem se é uma boa ideia.
12:00:00 Teriam que ser fatos graves
13:32:04 Na segunda acho que vou levantar o sigilo de todos os depoimentos do FB. Nao vieram com sigilo, nao vejo facilmente risco a investigação e ja estao vazando mesmo. Devo segurar apenas um que é sobre negocio da argentina e que é novo. Algum problema para vcs?
13:38:26 Deltan Dallagnol: Já respondo

No grupo Dallagnol volta anunciando que falou com o “russo”. O apelido usado é referência ao ex-juiz Sergio Moro e a partir disso o grupo começou a planejar estratégias para reverter a decisão, sabendo que Alencar não seria preso novamente.

No mês seguinte Moro enviou ao procurador Deltan:

12:07:09 Sergio Moro: Olha está um pouco dificil de entender umas coisas. Por que o mpf recorreu das condenacoes dos colaboradores augusto, barusco emario goes na acao penal 5012331-04? O efeito pratico é impedir a execução da pena.
12:18:16 E julio camargo tb. E nao da para entender no recurso se querem ou nao alteracao das penas do acordo?

O juiz não deveria demonstrar interesse nos resultados do processo, como por exemplo o período de pena de um acusado. Nem conversar ou pedir explicações do Ministério Público fora dos autos oficiais.

No dia  21 de fevereiro de 2016, o ex-juiz fez um comentário que deixa explícito sua função no planejamento do MP: “Olá Diante dos últimos . desdobramentos talvez fosse o caso de inverter a ordem da duas planejadas”. Nesse trecho da conversa, fica claro que Moro dá dicas de como conduzir a investigação. No dia seguinte a fase da Lava Jato passa para 23°, nomeada de Operação Acarajé. 

Em agosto do mesmo ano, o ex-juiz questionou o ritmo das prisões e apreensões: “Não é muito tempo sem operação?”. “É sim”, respondeu Dallagnol mais tarde. A operação seguinte ocorreu três semanas depois.

Em trecho do The Intercept Brasil: A periodicidade – e até mesmo a realização de operações – não deveria ser motivo de preocupação do juiz, mas Moro trabalhava com Dallagnol para impulsionar as ações do Ministério Público, como comprovam os diálogos e comentários habituais nas conversas entre os dois.

O juiz extrapolou sua função

No dia 7 de dezembro de 2015, o ex-juiz passou informalmente uma pista sobre o caso de Lula para que o grupo do MP pudesse investigar, ele escreveu: “Entao. Seguinte. Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodado por ter sidoa ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex Presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou entao repassando. A fonte é seria”. Dallagnol agradeceu e confirmou que faria o contato. 

Em março de 2016, Moro também revelou vontade de “limpar  o congresso”, durante as manifestações contra o governo de Dilma Rousseff. 

22:19:29 Deltan Dallagnol: E parabéns pelo imenso apoio público hoje. Você hoje não é mais apenas um juiz, mas um grande líder brasileiro (ainda que isso não tenha sido buscado). Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal. Sei que vê isso como uma grande responsabilidade e fico contente porque todos conhecemos sua competência, equilíbrio e dedicação.
22:31:53 Sergio Moro: Fiz uma manifestação oficial. Parabens a todos nós.
22:48:46: Ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional de limpar o congresso. O melhor seria o congresso se autolimpar mas isso nao está no horizonte. E nao sei se o stf tem força suficiente para processar e condenar tantos e tao poderosos.

Três dias depois da conversa, Dilma tentou nomear Lula para a Casa Civil. No mesmo dia Sergio Moro publicou a conversa gravada entre a presidenta e o ex-presidente (relembre). Na época foram feitas diversas críticas aos vazamentos e o grupo 

MORO PARTICIPOU DE AUDIÊNCIA DO CCJ

O The Intercept Brasil publicavacada vez mais reportagens sobre os vazamentos que logo chegaram ao conhecimento do então ministro da Justiça Sergio Moro. Ele enviou um pedido para dar explicações na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e compareceu no dia 19 de junho de 2019.

CCJ – Audiência com o ministro da Justiça Sergio Moro – 19/06/2019

Na audiência, Moro insistiu que as mensagens haviam sido coletadas de maneira ilícita e acusou o Intercept  de manipular as mensagens para fins “sensacionalistas” a fim de manchar a imagem e o histórico da operação e seus envolvidos. Sobre as explicações sobre a veracidade das mensagens, o ex-juiz pareceu se desfocar do assunto e não disse se o conteúdo era autêntico ou não, apenas frisa que podem ter sido alteradas e ao mesmo tempo minimiza a relevância desse conteúdo. “ataques criminosos de hackers”, se contradizendo em diversos momentos. 

Moro afirmou que agiu de forma imparcial quando questionado pelo líder do PT no Senado, na época Humberto Costa (PE), se Moro estava a “serviço de um projeto político”.

Em diversos momentos o ex-juiz nega que haja imparcialidade em seus julgamentos na Operação Lava Jato, agindo sempre conforme à lei e que suas conversas reveladas pelo Intercept não caracteriza nenhum tipo de ilegalidade ou irregularidade.

Controvérsia

“O que eu posso assegurar é que na condução dos trabalhos como juiz em nome da operação lava jato eu sempre agi conforme a lei”

Sergio Moro no mínuto 48:55

Apesar da frase do ex-juiz logo no início da audiência, os conteúdos analisados nas conversas trocadas entre o Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol fraudam o art. 8° do Código de Ética da Magistratura que prevê a imparcialidade do magistrado e o Inciso IV do Artigo 254 do Código do Processo Penal (CCP)

Na coluna do UOL, em parceria com o Intercept, Reinaldo Azevedo publica uma reportagem sobre a fala de Sergio Moro aos senadores durante a CCJ no dia seguinte à Comissão. Confira 

Oposição pediu criação de uma CPI da Vaza Jato

Enquanto isso, na Câmara eram recolhidas assinaturas para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Vaza Jato, com a finalidade de investigar a conduta dos integrantes da Operação Lava Jato, com base nas mensagens divulgadas pelo Intercept. O pedido foi validado com 175 assinaturas – todos os líderes da oposição – no dia 13 de setembro de 2019  das 200 recolhidas. A autora do pedido foi Jandira Feghali, deputada do PCdoB/RJ e contou com a assinatura dos deputados Paulo Pimenta (PT-RS), Ivan Valente (Psol-SP), Daniel Almeida (PCdoB-BA), Orlando Silva (PCdoB-SP), Tadeu Alencar (PSB-PE), André Figueiredo (PDT-CE) e Alessandro Molon (Rede-RJ), entre outros. 

Além do objetivo de apurar as mensagens trocadas entre o ex-juiz Sergio Moro e os Procuradores da República no Paraná, o requerimento pediu investigação de possível cumplicidade entre as autoridades responsáveis pelo caso, a tentativa de utilizar a estrutura do Judiciário em prol político de interesses particulares e a configuração de crimes como “fraude processual”, “prevaricação”, “advocacia administrativa” e “abuso de autoridade”. 

A ideia era que a CPI gerasse medidas concretas averiguando se houve violação à Constituição e aos códigos do Ministério Público e da magistratura. A oposição deixou claro que a intenção não era de perseguição, mas um processo de investigação tranquilo e sério, sem “cometer os mesmos erros”

Do outro lado 

Enquanto o presidente da Câmara dos Deputados na época, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não havia ainda analisado o documento protocolado pelos parlamentares, a “bancada da bala” tentava sabotar o apoio à Comissão, com pedidos de retirada de assinaturas. Os pedidos feitos pelos deputados Lucas Vergílio (Solidariedade-GO), Alexis Fonteyne (Novo-SP), Leandre (PV-PR), Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), Eli Borges (Solidariedade-TO), Gonzaga Patriota

(PSB-PE), Schiavinato (PP-PR), Ronaldo Carletto (PP-BA) e Marina Santos (Solidariedade-PI). A retirada não foi permitida pela consultoria legislativa da Câmara, que afirmou não ser possível retirar ou adicionar apoios após conferidas as assinaturas. 

Segundo a Gazeta do Povo: “Após as manifestações, os paranaenses se juntaram a outros 18 deputados que estavam na mesma situação e foram ao STF na quinta-feira (18) pedir que a corte impedisse a instalação da CPI.

No pedido, eles afirmam que “vários parlamentares subscritores relatam desconhecimento de seu objeto, ou mesmo má-fé em sua coleta”.

Na sexta-feira (20), entretanto, o grupo capitaneado pela deputada Joice Hasselman (PSL), líder do governo no Congresso, pediu a desistência da ação. Não foi divulgada uma justificativa formal para isso, mas fontes ligadas aos parlamentares citam que o fato de o pedido ter caído nas mãos do ministro Gilmar Mendes – notório crítico da Lava Jato – foi o que impeliu a decisão. O grupo sustenta, entretanto, que novas medidas serão tomadas para buscar impedir a criação da CPI.” Confira a reportagem da Gazeta do Povo

Mas afinal, teve CPI?

Não! Apesar dos recolhimentos das assinaturas, que inclusive passaram o mínimo estipulado e da grande expectativa da oposição e até mesmo do interesse público de obter explicações diante das revelações da Vaza Jato, Rodrigo Maia (DEM-RJ) – presidente da Câmara dos deputados na época – não deu muita importância ao caso e afirmou que para ele não havia “fato determinado” para investigar e foi contra à CPI da Vaza Jato. 

“Eu sou a favor da Lava Jato, mas houve excessos. E em qualquer área, quando há excessos, as pessoas têm que ser punidas. Cabe à própria estrutura de controle do Ministério Público investigar e tomar as decisões, mas não cabe a nenhum de nós interferir nisso”, disse. (Fonte: Agência Câmara de Notícias)

Segundo o presidente da Câmara, seria “perigoso” para o Congresso fazer esse tipo de investigação. Sendo assim a CPI acabou sendo jogada para escanteio.

OPERAÇÃO SPOOFING

Do outro lado, a Polícia Federal (PF) começou as investigações da chamada Operação Spoofing, no dia 23 de julho de 2019. O objetivo era investigar as invasões à conta das autoridades relacionadas à operação Lava Jato. 

A expressão Spoofing foi escolhida como nome da operação por ser correspondente a um tipo de falsificação tecnológica, em que determinado indivíduo utiliza táticas virtuais para assumir uma identidade que não é sua, com o objetivo de enganar as pessoas. 

No mesmo mês, a Polícia Federal deteve quatro suspeitos nas cidades de Araraquara, São Paulo e Ribeirão Preto. Eles foram detidos temporariamente e foram cumpridos mandados de busca e apreensão. 

É importante lembrar que em nenhum momento a redação do The Intercept teve conhecimento sobre a identidade do hacker ou qualquer envolvido que tenha fornecido o material para o site. O que foi descoberto e os suspeitos que admitiram terem acessado as conversas e enviado o material foi resultado da operação da Polícia Federal.

Um dos presos pela PF, Walter Delgatti Neto, prestou depoimento e no dia seguinte confessou ter sido o responsável por clonar o telefone de Sergio Moro. Em seu depoimento ele contou como chegou aos arquivos e como repassou a Greenwald. Ele também afirmou não ter recebido nenhum dinheiro em troca, que sua renda provém de aplicações na bolsa e que nunca revelou sua identidade a Glenn ou a Manuela D’ávila (PCdoB-RS). A ex-deputada confirmou a versão.

Ministro da Justiça e Segurança Pública disse que ia destruir as mensagens

No dia 25 do mesmo mês, o então ministro da Justiça e ex-juiz da operação Lava Jato informou ao presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), o ministro João Otávio de Noronha que iria descartar as mensagens apreendidas pela Polícia Federal. No mesmo dia a PF publicou uma nota, afirmando que o material apreendido seria mantido: 

“A Polícia Federal esclarece que as investigações que culminaram com a deflagração da Operação Spoofing não têm como objeto a análise das mensagens supostamente subtraídas de celulares invadidos.

O conteúdo de quaisquer mensagens que venham a ser localizadas no material apreendido será preservado, pois faz parte de diálogos privados, obtidos por meio ilegal.

Caberá à justiça, em momento oportuno, definir o destino do material, sendo a destruição uma das opções.”

Por que o descarte é problemático?

O primeiro problema do descarte dessas mensagens solicitado pelo então ministro Sergio Moro, é que apesar da Polícia Federal ser subordinada ao Ministério da Justiça, o ministro não tinha poder formal para intervir nas investigações. Nessa situação somente o juiz do caso poderia tomar decisões em relação às provas. 

O ministro da justiça também não poderia ter acesso ao inquérito que corre em segredo de justiça. Nem mesmo autoridades policiais teriam poder sobre a decisão de descartar ou decidir sobre o destino dos materiais encontrados. Somente o magistrado responsável pela autorização da coleta do material poderia decidir sobre qual o fim dos elementos.

O Supremo Tribunal Federal tomou medidas

No dia 01 de agosto, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, determinou a preservação das provas apanhadas pela operação spoofing. Fux também intimou Sergio Moro a prestar explicações sobre a declaração de destruição das provas obtidas pela Polícia Federal. 

Na decisão o ministro pediu uma “cópia do inteiro teor do inquérito relativo à referida operação, incluindo-se as provas acostadas, as já produzidas e todos os atos subsequentes que venham a ser praticados.” (Leia a decisão). Segundo o Consultor Jurídico, a decisão teria se baseado em uma ação do Partido Democrático Trabalhista (PDT) ao STF. 

No dia seguinte, o ministro Alexandre de Moraes do STF deu 48 horas para o juiz federal Vallisney de Oliveira, que preside o inquérito, enviar à corte uma cópia integral do inquérito e de todo o material apreendido pela operação spoofing. (Leia a decisão)

NOVAS PARCERIAS e… até a veja

Enquanto isso, o Intercept continuava revelando novas mensagens e fazendo parcerias com outros veículos de comunicação. Reinaldo Azevedo na coluna do UOL e Folha de S. Paulo entraram como parceiras já no primeiro mês da Vaza Jato. Logo no mês seguinte a revista Veja começa a publicar reportagens e em seguida El País, Agĉncia Publica e BuzzFeed News.

Até o mês de protocolagem de assinaturas para a CPI da Vaza Jato (que não aconteceu) o Intercept e jornais parceiros já haviam publicado 91 reportagens ao todo, sendo 94 reportagens até o final de dezembro de 2019. Durante esse período, foram feitas diversas tentativas de impedir a continuidade da Vaza Jato ou de criminalizar as investigações e o coordenador Glenn Greenwald. 

Até a Veja entrou nessa

Mesmo depois de ser um dos grandes veículos que mais celebrou o trabalho da Lava Jato e principalmente de Sergio Moro, com capas e manchetes vangloriando e o colocando com a imagem de “heroi”, a revista Veja mudou de posicionamento depois das mensagens vazadas. 

O então diretor de redação da revista Veja, Mauricio Lima, leu as reportagens do Intercept e rapidamente começou a agir para avançar com uma reportagem também. Logo na primeira semana entrou em contato com Greenwald e promover uma parceria.

Apesar das divergências entre os veículos, a equipe se preocupou com os princípios do jornalismo. O que havia sido revelado era grave e precisava ser mostrado. No dia 5 de julho de 2019 foi anunciada a parceria entre os dois veículos, com uma reportagem abordando como Sergio Moro orientava ilegalmente ações da Lava Jato. 

Capa da edição 2642 da revista Veja

Além da reportagem, a revista publicou uma “Carta ao Leitor” , que explica o processo jornalístico empregado pela Veja e também as razões pelas quais a revista reconhece as problemáticas da conduta de Moro e “mudou” sua postura sobre o ex-juiz e então ministro. 

Veja o primeiro trecho do editorial: 

TRATADO COMO HERÓI – O ex-juiz Sergio Moro foi capa de VEJA em diversas oportunidades, a maioria a seu favor: embora ele tenha sido fundamental na luta contra a corrupção, não se pode fechar os olhos. – Fonte: Carta ao Leitor/VEJA

VERACIDADE DAS MENSAGENS DO INTERCEPT

No segundo mês de reportagens, o site The Intercept se pronunciou sobre como sua equipe confirmava a identidade dos envolvidos. Diante da falta de questionamento de agentes da força-tarefa sobre a autenticidade das mensagens e com o andar da Operação Spoofing, para desvendar quem foram os responsáveis por invadir os celulares de autoridades e quais suas relações e interesses com a Vaza Jato, diversos jornais resolveram testar e confirmar a veracidade das mensagens. 

No dia 15 de julho, o Intercept publicou uma reportagem explicando como a equipe faz uma apuração do material, que “incluiu consultas com especialistas em tecnologia, com fontes que corroboram a autenticidade de conversas privadas que tiveram com os procuradores (das quais jamais saberíamos sequer da existência), com juristas e partes envolvidas nos processos que confirmaram a veracidade de vários documentos e atos processuais inéditos e confidenciais, além da comparação jornalística entre o conteúdo das discussões e eventos – públicos ou não –- que os procuradores participaram. Após a publicação dos primeiros artigos da série #VazaJato, diferentes veículos, usando métodos similares de investigação jornalística, confirmaram a autenticidade do material.” (The Intercept, 2019) 

No dia 13 de junho, o BuzzFeed News já havia publicado formas de investigação que demonstravam a autenticidade das mensagens (Veja aqui). No dia 19 de junho os repórteres especificaram mais uma vez como o desenvolvimento da Lava Jato coincidiu precisamente com as conversas (Leia mais).

No dia 17, o jornal El País confirmou, com a ajuda de fontes externas que mensagens trocadas eram verdadeiras (Leia aqui)

“JORNALISMO QUE NÃO INCOMODA, NÃO É JORNALISMO”

A expressão utilizada pelo editor geral do Intercept Andrew Fishman, “jornalismo que não incomoda, não é jornalismo”, aparece no livro “Vaza Jato: os bastidores das reportagens que sacudiram o Brasil” e evidencia muito bem o importante papel do jornalismo investigativo e o compromisso da imprensa com a sociedade. Em meio as mensagens vazadas, foram reveladas relações antiéticas entre alguns jornalistas e agentes da operação. Além disso, a Vaza Jato colocou a grande imprensa de “frente para o espelho”, como coloca a jornalista do El País, Regiane Oliveira.

O TIB e diversos outros jornais independentes e menores sempre adotaram uma postura combativa aos excessos da Lava Jato, desde antes do acesso às mensagens. O The Intercept foi fundado em 2014, nos Estados Unidos, autodenominado uma “organização de notícias premiada, dedicada a responsabilizar os poderosos por meio de um jornalismo adverso e destemido”. Nas publicações do site, tanto original dos EUA, quanto aqui no Brasil, seus principais temas abordam política, justiça, meio ambiente, entre outros, de caráter investigativo.

Sobre o The Intercept 
O Intercept é uma organização de notícias premiada dedicada a responsabilizar os poderosos por meio de um jornalismo destemido e adversário. Suas investigações aprofundadas e análises inflexíveis se concentram em política, guerra, vigilância, corrupção, meio ambiente, tecnologia, justiça criminal, mídia e muito mais. O Intercept dá a seus jornalistas a liberdade editorial e o apoio legal de que precisam para expor corrupção e injustiça onde quer que a encontrem.

Pierre Omidyar, fundador e filantropo do eBay, forneceu o financiamento para lançar o Intercept em 2014. Hoje, o Intercept também é alimentado pela generosidade de seus membros — uma comunidade de leitores comprometidos que apoiam financeiramente sua missão e objetivos — e colaboradores institucionais que apoiam a missão do Intercept.

Com a proposta de ser um jornalismo de impacto, a Vaza Jato foi de fato o maior furo que o site já havia experimentado no Brasil. Quando as mensagens foram reveladas, houve um impacto muito grande que obrigou a imprensa a se comportar de maneira diferente. Durante praticamente todos os anos, a grande mídia brasileira trabalhou cobrindo as autoridades de forma acrítica e sem contestação. Abraçaram a narrativa sobre a “corrupção” ser o maior problema do Brasil e idolatraram os agentes de forma incontestável, como se estes fossem heróis.

Emissoras como a Globo, deram cobertura à eventos como o golpe institucional da presidenta Dilma, a condução coercitiva de Lula ate sua prisão, anos depois, de forma à construir uma narrativa de criminalização do Partido dos Trabalhadores (PT), seus representantes e partidos parceiros da esquerda. A verdade é que desde muito antes da operação Lava Jato, ela já estava construindo uma narrativa para ligar a corrupção a esquerda brasileira . Na linha de frente do combate simbólico, junto a outros veículos de comunicação, ela teve papel central no auxílio da construção narrativa promovida pela Lava Jato, na opinião pública.

“Compreender o golpe no Brasil é compreender o papel central da Globo na derrubada de Dilma e na tentativa judicial de interditar Lula.

Vianna, Rodrigo. (De Lula a Bolsonaro: Combates na Internet – Curitiba: Kotter Editorial, 2022)

Acontece que a reação foi mais crítica e criou uma ideia de criminalização da política em geral. A narrativa deu abertura para discursos não somente anti-PT, mas anti-política e anti-democracia. Como coloca a jornalista , especialista em direitos humanos e integrante da coordenação do Intervozes, Bia Barbosa em seu Blog:

“Quando a mídia nega o direito da população a uma informação plural, acusa e condena previamente; e quando se vê a maioria da população comprando esta narrativa e aplaudindo a espetacularização do justiçamento a todo custo, não é a biografia do Lula, os feitos de seu governo ou o projeto do PT que estão em risco. É a nossa democracia.”

Barbosa, Bia (Sem uma única crítica à operação, Jornal Nacional dedicou 85% do tempo a acusações contra Lula, texto publicado no blog Viomundo, 05/03/2016).

A investigação jornalística promovida pelo The Intercept, mostrou como a imprensa brasileira abandonou princípios fundamentais do jornalismo e articulou diretamente em um projeto político que mudou o rumo do País, derrubando uma presidenta , colocando um ex-presidente e diversos outros líderes e políticos injustamente na prisão e acobertando um sistema que deturpou o sistema de justiça brasileiro. O uso estratégico da opinião pública apoiada a Lava Jato foi essencial para os agentes da operação e os resultados afetaram diretamente a vida das pessoas.

VAZAMENTOS SELETIVOS

Apesar das tentativas de derrubar a Vaza Jato, as investigações seguiram com firmeza. A cada semana as investigações demonstravam o caráter e as intenções dos integrantes da Operação Lava Jato. 

Em uma nova série de mensagens publicadas, mostram que o procurador Deltan Dallagnol participou de grupos que planejavam e selecionavam vazamentos de forma categórica em alguns meios de comunicação, com o objetivo de manipular os suspeitos para intimidar pessoas determinadas para que esses fizessem delações. Além da conduta questionável, as mensagens mostraram que Dallagnol mentiu ao negar que ele repassava informações da Operação a terceiros. 

Pela lei das organizações criminosas (que estipulou regras para as delações premiadas), o acordo só pode ser aceito caso a pessoa tenha colaborado “efetiva e voluntariamente”. Mas o procurador confessou aos colegas que usava a imprensa para forjar um ambiente hostil e, com isso, conseguir delações por meio de manipulação — o que interfere em seu caráter voluntário. 


21 de junho de 2015 – Grupo FT MPF Curitiba 2

Orlando Martello – 09:03:04 – CF(leaks) qual foi a estratégia de revelar os próximos passos na Eletrobrás etc?Carlos Fernando dos Santos Lima – 09:10:08 – http://m.politica.estadao.com.br/noticias/geral,na-mira-do-chefe-,1710379
Santos Lima – 09:12:21 – Nem sei do que está falando, mas meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração.
Santos Lima – 09:15:37 – Li a notícia do Flores na outra lista. Apenas noticia requentada.
Santos Lima – 09:18:16 – Aliás, o Moro me disse que vai ter que usar esta semana o termo do Avancini sobre Angra
Martello – 09:25:33 – CFleaks, não queremos fazer baem Angra e Eletrobrás? Pq alertou para este fato na coletiva?
Martello – 09:26:00 – Para não perder o costume?                                
Fonte: The Intercept 

Em uma entrevista dada à BBC, em 2017, Dallagnol afirmou “que agentes públicos não vazam informações” se contradizendo ao que as mensagens divulgadas mostram. 

Além disso, no início de 2020, o Intercept revelou que em mensagens trocadas em novembro de 2018, o procurador Deltan Dallagnol passou informações privilegiadas ao site O Antagonista com o intuito de interferir na escolha do presidente do Banco do Brasil durante o governo Bolsonaro. 

“Em fins de 2018, a força-tarefa municiou com documentos o site comandado pelos jornalistas Diogo Mainardi, Mario Sabino e Claudio Dantas para alimentar notícias que evitassem que o ex-presidente da Petrobras Ivan Monteiro ocupasse a presidência do banco. Monteiro era o nome mais forte entre os cotados para assumir o BB, uma escolha do ministro da Economia Paulo Guedes – a ele era dado o crédito por ter salvado as contas da Petrobras.”

A LAVA JATO e O FBI

Imagem ilustrativa do jornal Agência Pública no especial da Vaza Jato. Fonte: https://apublica.org/2020/03/desde-2015-lava-jato-discutia-repartir-multa-da-petrobras-com-americanos/

Em setembro de 2019 a Agência Pública anunciou parceria com o TIB e durante os meses seguintes a equipe faz nove reportagens. Seis delas inéditas sobre as relações da Operação Lava Jato com o FBI. Na primeira reportagem, o jornal publicou os diálogos do ex-procurador e coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, com integrantes do Instituto Mude e empresários, na tentativa de consegui recursos para financiar o Instituto, “promovendo” a “marca” da Lava Jato.

Desde 2015, Lava Jato discutia repartir multa da Petrobras com americanos

No dia 12 de março de 2020, o site faz uma revelação inédita: desde o ano de 2015 a Lava Jato trabalhou em cooperação com procuradores norte americanos. A mensagens mostraram que desde o início, o ex-procurador e coordenador já pensava na criação de um fundo e no financiamento de entidades que lutam contra a corrupção.

Em uma conversa de Deltan Dallagnol compartilha com Vladimir Aras, o então chefe do setor de cooperação internacional da PGR (Procuradoria-Geral da República), uma matéria do portal Jornal GGN que critica a investigação da Petrobras pelos norte-americanos. Esse acontecimento havia vazado, após agentes da força-tarefa tentarem manter em sigilo. Na conversa Dallagnol comenta sobre quando a imprensa descobrir o valor da multa.

Deltan Dallagnol: “Temos que pensar na linha de imprensa quando vier a notícia do 1.6 bi de dólares de multa”.
Vladimir Aras: “Era esperado. Mas sossega. Os cães ladram”, responde Aras.

Em agosto do mesmo ano a Agência Reuters publica o valor o da multa, que segundo o jornal, havia sido vazado por uma fonte interna da Petrobras. A Petrobras negou a informação:

Manchete da Agência Reuters sobre multa à Petrobras.

Em outubro, Vladimir Aras afirma que a ideia de compartilhar a informação havia sido do procurador Januário Paludo e que gostava da ideia de receber porcentagem dos norte-americanos. Além disso, eles marcaram reunião com om as autoridades dos Estados Unidos para discutir para onde deveriam destinar o dinheiro.

20:56:12 Vladimir Aras: “Achei ótima a ideia de Januario de que a multa de USD 1,6 bilhão (ou são 4 bi?!) que o DOJ pode aplicar à Petrobras seria dividida entre o Brasil e os EUA. Se Patrick Stokes deu sinalização positiva para que o Brasil fique com um quarto disso, tanto melhor. Passarei informe ao PGR, com a ressalva do sigilo”
Deltan Dallagnol: “Caros hoje tem reunião com americanos 9.30 sobre empresas estrangeiras, inclusive Petrobras. Ontem falamos com eles sobre assets sharing da multa e perdimento associados à ação deles contra a Petro, e em parte desses valores há alguma perspectiva positiva”, escreveu Dallagnol no Telegram aos colegas que participavam do chat “FT MPF Curitiba 2”

“Contudo, precisamos de alguém que se disponha a estudar e bolar um destino desses valores que agradaria a todos, como um fundo, entidades contra a corrupção, o sistema de saúde público, fundo de direitos difusos, fundo penitenciário, órgãos públicos que combatem corrupção, a transparência internacional Brasil ou contas abertas etc”

“Minha sugestão é propor uma composição de 5 destinos diferentes, porque o valor é muito alto e dará uma maleabilidade. Se não gostarem de dado destino, basta recompor a divisão. Quem se propõe a estudar possíveis destinos? Isso terá de ser, num segundo momento, se for o caso, levado a outras instâncias, mas é impotante termos boas propostas e com uma justificativa de 5 linhas para cada. Quem se dispõe a fazer isso? É algo bavanisso, uma experiência única de possível assets sharing.”

Asset sharing” significa compartilhamento de ativos, ou seja, os Estados envolvidos na cooperação internacional dividem em certa proporção o que conseguiram recuperar de atividades ilícitas de uma investigação judicial

Quem se voluntariou a proposta de Dallagnol foi o procurador Roberson Pozzobon e outros procuradores que estavam no mesmo grupo de conversa, como Antonio Carlos Welter e Orlando Martello também ofereceram ajuda. Pozzobon tem o apelido de “Robito” e recebe uma mensagem de Dallagnol no mês seguinte: “Robito, falei com os americanos hoje e preciso de um prazo para sua proposta, que estudaria, de destinação do dinheiro fruto de assets sharing da colaboração com os americanos. Precisamos ter uma ideia mais concreta do que propor. Paulo e Orlando se propuseram a contribuir, mas preciso que Vc me dê uma deadline. Sugiro dia 15 de novembro, que tal? Nossas novas conversas estarão mais pautadas em possibilidades concretas a partir do estudo de destinação.”

No mesmo dia, Deltan conversou com Aras em um chat privado e contou como foi sua conversa com os estadunidenses.

O “Patrick” que Deltan se refere, é o Patrick Stokes, na época chefe do departamento FCPA (Foreign Corrupt Practices Act). Dentre as alternativas dadas, estava inclusa a de devolver o dinheiro para ser aplicado em “programas contra a corrupção”.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) só foi informada sobre a possibilidade de multas e confisco de valor da Petrobras mais de um mês depois das tentativas. Com base no documento enviado, a PGR “por meio de seu Secretário de Cooperação Internacional, autorizou que os procuradores que integram a Força-Tarefa envidassem esforços nos contatos internacionais, com o objetivo de buscar que os recursos de eventual punição fossem revertidos para o Brasil.”

Apesar de insistirem desde o início que a Petrobras era alvo de esquema de corrupção, o interesse em obter parte da multa aplicada pelos Estados Unidos sempre foi do interesse de agentes da operação. Deltan explica a Vladimir Aras que para ter melhores condições de negociar a partição dos valores, pretendia atrasar interrogatórios diretos de delatores norte-americanos.

Além disso, documentos obtidos pelo The Intercept mostraram que a equipe liderada pelo procurador Deltan Dallagnol fez de tudo para facilitar a investigação dos americanos – a tal ponto que pode ter violado tratados legais internacionais e a lei brasileira.

Lava Jato escondeu visita do FBI em Curitiba

Em outra reportagem da Agência Pública, publicada no mesmo dia, a redação revelou como Dallagnol e Aras não informaram nomes de diversos agentes norte-americanos que estiveram em Curitiba, no ano de 2015, que ocorreu sem conhecimento do Ministério da Justiça.

Na manhã do dia 6 de outubro de 2015, cerca de 17 norte-americanos compareceram na sede do MPF em Curitiba para conversar com membros do Ministério Público Federal e empresários que estavam sob investigação no Brasil. Eram procuradores ligados ao Departamento de Justiça (DOJ) e agentes do FBI.

Ao final do mesmo dia, o diretor da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) da Procuradoria-Geral da República (PGR), Vladimir Aras, informando que o Ministério da Justiça ficara sabendo da visita dos estadunidenses pelo Itamaraty – ou Ministério das Relações Exteriores (MRE), é um órgão do Poder Executivo, responsável pelo assessoramento do Presidente da República na formulação, no desempenho e no acompanhamento das relações do Brasil com outros países e organismos internacionais -.

O procedimento de atos de colaboração entre Brasil e Estados Unidos, devem ser feitos por um pedido formal de colaboração, denominado MLAT, que deve ser estabelecido pelo Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal e determina que o Ministério da Justiça deve ser o ponto de contrato com o Departamento de Justiça americano. Na época o ministro Eduardo Cardozo era chefe do ministério, sob a presidência de Dilma Rousseff (PT). A mediação deveria ser feita pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça, o DRCI, então chefiado pelo delegado da Polícia Federal (PF) Ricardo Saadi, o que não ocorreu e então ele enviou um e-mail ao Ministério da Justiça.

“Fomos informados hoje pelo Ministério de Relações Exteriores (MRE) sobre possível vinda de autoridades americanas para o Brasil para conversar com autoridades brasileiras e/ou realizar investigações no âmbito da Operação Lava Jato. Considerando que, até a presente data, este DRCI não tinha qualquer conhecimento dessa possibilidade, pergunto: 1. O MPF tem conhecimento sobre eventual vinda de autoridades norte-americanas para o Brasil para conversar com autoridades brasileiras e/ou para praticar atos de investigação ? 2. Em caso positivo, qual o período que ficariam em solo nacional ? 3. Foi feito algum contato oficial nesse sentido ? 4. Quais seriam as atividades desenvolvidas pelos norte-americanos em solo nacional ? 5. O MPF teria nome/função das autoridades americanas que viriam ? 6. Outras informações que entender relevantes”.

O e-mail foi compartilhado no grupo do Telegram “FTS-MPF”, em que os agentes da Lava Jato organizavam procedimentos com outros procuradores.

Na madrugada do dia seguinte Deltan respondeu Aras, sugerindo que não dessem detalhes ao MJ e que “eles consultem o DOJ, porque eles pediram que mantenhamos confidencial”. Além disso ele aconselhou não entregar o nome dos investigadores estadunidenses “Caso Vc entenda que deve abrir, posso te mandar a lista, mas sugiro reflexão, porque isso pode gerar ruídos com os americanos”. Aras respondeu que o ministério sabia da visita porque “algo já tinha saído na imprensa”:

Em outro diálogo, Dallagnol conversa com o procurador Marcelo Miller sobre a viagem para Curitiba. Na conversa Patrick Stokes, chefe da divisão que cuidava de corrupção internacional no DOJ. Os agentes demonstram preocupação com a FCPA Foreign Corrupt Practices Act), lei norte-americana que permite ao DOJ investigar e condenar atos de corrupção que envolvam envolvam autoridades estrangeiras , mesmo que não tenham ocorrido nos Estados Unidos, só é necessária a existência de ligação com algum banco norte-americano e que vendam ações de empresas envolvidas no país. Com base nessa lei, Stokes investigou e aplicou multas bilionárias a empresas brasileiras investigadas pela Lava Jato, como o caso da Petrobras e a Odebrecht.

Tradução das mensagens em inglês:
08:29:32 
@ ( @Nós tornamos a investigação pública nos EUA. então nosso assessor de imprensa vai simplesmente confirmar esse fato, mas não comentar sobre a investigação ou nossa presença no Brasil

08:29:52 
@ ( @azil. Como eu mencionei, o FBI vai confirmar a presença no Brazil, mas não vai comentar sobre o motivo ou a investigação.</p>

Para evitar a divulgação da visita da DOJ, Deltan Dllagnol orientou a assessoria de imprensa de imprensa do MPF seguir a orientação de sigilo dos estadunidenses e na noite do mesmo dia Dallagnol pede novamente que os nomes dos estadunidenses sejam escondidos. “Eu tiraria a lista anexa e diria para consultarem os americanos, para evitar ruídos e porque me parece uma ‘cobrança indevida’, mas Vc que sabe. Eles podem também usar essa info contra nos pelo tamanho da delegação. Não é suficiente informar os órgãos de origem? Isso é bom pq não inclui SEC”.

O documento oficial do Itamaraty obtido pelo The Intercept contradiz a versão que Dallagnol oferece em resposta ao Ministério da Justiça. Segundo o documento, a DOJ pediu vistos para pelo menos dois de seus procuradores – Derek Ettinger e Lorinda Laryea – detalhando que eles planejavam viajar a Curitiba “para reuniões com autoridades brasileiras a respeito da investigação da Petrobras” e com advogados dos delatores da Lava Jato. “O objetivo das reuniões é levantar evidências adicionais sobre o caso e conversar com os advogados sobre a cooperação de seus clientes com a investigação em curso nos EUA”.

Já no e-mail enviado ao chefe DRCI, o conteúdo se limita a dizer que as visitas ocorreram por motivos “reuniões de trabalho”, como “apresentação de linhas investigativas adotadas pelo MPF e pela PF e pelos norte-americanos no caso Lava Jato”, e não “diligências de investigação no Brasil, o que seria irregular”.

O ministro, José Eduardo Cardozo afirmou: “Eu fui avisado pela PF de que havia uma equipe norte-americana em Curitiba estabelecendo um diálogo com autoridades, e a PF me perguntou se isso havia sido autorizado por nós. Eu não tinha a menor ciência disso.” O procurador-geral da República Rodrigo Janot também afirmou que não tinha conhecimento sobre o acontecimento.

“Pela legislação, quem representa a autoridade brasileira para fins de cooperação internacional é o MJ. E nós temos exatamente para isso um departamento, que é o DRCI”, detalha o ex-ministro, que afirma que já havia alertado a PGR sobre documentos que haviam sido trazidos ilegalmente da Suíça por membros da Lava Jato.

No mês seguinte à publicação da reportagem, Natalia Viana, codiretora e editora da Agência Publica também fez uma “thread” na rede social “twitter”, sobre a relação da Lava Jato com o Governo Americano.

A Operação atuou de forma semelhante ao FBI comandado por John Edgar Hoover.

Além das relações com o FBI e procuradores estadunidenses, agentes da Operação Lava Jato utilizaram métodos semelhantes ao FBI comandado por John Edgar Hoover, conhecido por perseguir e intimidar de forma clandestina adversários políticos. Confira a análise do The Intercept Brasil:

Lava Jato usou métodos do FBI de Hoover – 31 de out. de 2020

dEPOIS DA VAZA JATO

08 de novembro de 2019

LULA LIVRE 

Depois de 580 dias na prisão em Curitiba, a soltura do ex-presidente Lula foi autorizada em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubando a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. O réu só pode cumprir pena depois que acabarem todos os recursos da Justiça.

27 de agosto de 2019

 STF anulou outras sentenças

O Supremo Tribunal Federal reconsiderou posições. Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras, condenado em 2018, foi solto e teve sua condenação anulada. Bendine havia sido condenado a 11 anos de prisão na 1ª Instância, pelo então juiz Sérgio Moro. 

A anulação ocorreu devido ao entendimento da Lava Jato em que o réu delatado possuía prazo simultâneo ao de delatores para apresentarem alegações finais, contrariando o princípio de ampla defesa, em que o delatado fala por último no processo.

21 de janeiro de 2020

Glenn Greenwald foi denunciado pelo MPF

No início do ano de 2020, o Ministério Público Federal (MPF) fez uma denúncia ao jornalista Glenn Greenwald. O argumento da denúncia acusou o jornalista de ter orientado hackers a apagar mensagens em caso de invasão de celulares de autoridades, caracterizando uma associação criminosa. Rodrigo Maia, entidades da imprensa e a OAB criticaram a atitude do MPF.

06 de fevereiro de 2020

Denúncia do MPF foi rejeitada

O juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara de Justiça Federal de Brasília, rejeitou denúncia do Ministério Público Federal contra o jornalista Glenn Greenwald, com base em liminar de Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. 

16 de Junho de 2022

Lançamento de “Amigo secreto”

Foi lançado o filme “Amigo Secreto”, documentário que acompanha jornalistas durante as investigações da Vaza Jato.

“Amigo Secreto”, da consagrada cineasta Maria Augusta Ramos, é um documentário protagonizado por Leandro Demori, do The Intercept Brasil, Carla Jimenez, Regiane Oliveira e Marina Rossi, do El País Brasil, e mostra como uma grande operação de combate à corrupção atuou para fragilizar o sistema de justiça brasileiro, colocando em risco a democracia do país. O documentário é uma coprodução Brasil, Alemanha e Holanda. A produção fica por conta da Nofoco Filmes, Docmakers, Gebroeders Beetz Filmproduktion, e pela Vitrine Filmes.

Contribuições

Contribuíram de modo fundamental para a Vaza Jato as seguintes pessoas:

Akil Harris, Alexandre de Santi, Ali Gharib, Amanda Audi, Ana Paula Carvalho, André Souza, Andrea Jones, Andrew Fishman, Ariel Zambelich, Betsy Reed, Bruna de Lara, Bruno Machado, Bruno Sousa, Cecília Olliveira, Charlotte Greensit, Christian Braga, Cora Currier, Danielle Prieto, David Bralow, Emílio Moreno, Glenn Greenwald, João Brizzi, João Filho, José Victor Cardo, Juliana Gonçalves, Kate Myers, Kay Murray, Lauren Feeney, Leandro Demori, Luiza Drable, Marianna Araujo, Maryam Saleh, Micah Lee, Miroslav Macala, Nara Shin, Nathalia Braga, Nayara Felizardo, Nikita Mazurov, Nilo Batista, Paula Bianchi, Paulo Victor Ribeiro, Peter Maass, Philipp Hubert, Rafael Borges, Rafael Fagundes, Rafael Moro Martins, Rafael Neves, Rafaela Espínola de Carvalho, Rashmee Kumar, Rodrigo Bento, Rodrigo Brandão, Roger Hodge, Rosana Pinheiro-Machado, Sílvia Lisboa, Soohee Cho, Taia Rocha, Tatiana Dias, Victor Pougy e Yann Cordeiro.

Outras contribuições

Carla Jimenez, Daniel Haidar, Marina Rossi, Regiane Oliveira para o El País Brasil. Alice Maciel e Natalia Viana da Agência Pública. Eduardo Militão, Igor Mello, Jamil Chade, Gabriel Sabóia, Reinaldo Azevedo, Silvia Ribeiro e Vinicius Konchinski para o UOL . Victor Pougy, Edoardo Ghirotto, Fernando Molica, Leandro Resende e Roberta Pauduan para a revista VEJA. Flavio Ferreira, Mônica Bergamo e Ricardo Balthazar para a Folha de S. Paulo. Severino Motta para o BuzzFeed News.