Em 2019, durante seu mandato como Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro atribuiu publicamente a redução das mortes violentas no Brasil às ações coordenadas entre governos estaduais e federal. Entre as medidas destacadas estavam o recorde de apreensão de drogas e a transferência de líderes de organizações criminosas para presídios federais. A narrativa apresentada sugeria avanços significativos na área de segurança pública, apesar do reconhecimento de que os indicadores ainda permaneciam elevados. 

No entanto, uma análise mais detalhada dos dados oficiais, como os relatórios do Atlas da Violência e estudos posteriores, revela uma realidade mais complexa e preocupante. 

O Que Os Dados Oficiais Mostram (2019-2022) 

Embora 2019 tenha registrado uma queda nos homicídios oficialmente contabilizados, esse mesmo período apresentou um aumento de 237% nas Mortes Violentas por Causa Indeterminada (MVCI), especificamente na cidade do Rio de Janeiro. Essa classificação indica que muitas mortes que provavelmente eram homicídios, mas não foram registradas do jeito certo. Ou seja, a redução da violência que apareceu nos números oficiais não mostrava a realidade completa. 

Entre 2020 e 2022, quando incluímos também esses casos que não foram classificados corretamente, evidencia-se que os números continuaram altos, sem queda real. Isso mostra que a violência não diminuiu de verdade e, em algumas regiões da área metropolitana, até aumentou. 

Por que Culpar Só o Governo Federal Atual Não Explica Tudo 

O senador Sérgio Moro (União-PR) afirmou nesta terça-feira, 28, após a operação realizada nos Complexos da Penha e do Alemão que a culpa da crise de segurança pública no Rio, é “resultado direto do desmonte” da área “em três mandatos do governo Lula”. 

A tentativa de atribuir exclusivamente ao governo Lula a escalada da violência no Rio de Janeiro desconsidera fatores estruturais e o legado do período anterior. Entre 2019 e 2022, durante o governo Bolsonaro, foram implementadas políticas de flexibilização no acesso a armas de fogo, fortalecendo o poder bélico de organizações criminosas e milícias. Paralelamente, observou-se o desmonte de políticas sociais essenciais para a prevenção da criminalidade. 

O aumento das mortes causadas pela polícia e as megaoperações que mataram centenas de pessoas mostram que a estratégia usada foi principalmente repressiva. Essa abordagem não tratou das causas reais da violência e, em alguns casos, pode ter piorado o problema. 

A Responsabilidade Principal é dos Governos Estaduais 

Um ponto fundamental é que, no Brasil, cuidar da segurança pública é tarefa principalmente dos governos estaduais, não do governo federal. No Rio de Janeiro, o governo estadual, de Cláudio Castro, escolheu uma estratégia de enfrentamento violento, fazendo operações policiais com muitas mortes. Além disso, no dia 31 de outubro de 2024, o governador do Rio de Janeiro, Castro, solicitou ao presidente Lula que os estados tivessem mais liberdade para atuar no enfrentamento ao crime organizado. Entre os pedidos, ele defendeu que os governos estaduais possam inclusive elaborar leis específicas, válidas apenas dentro de seus próprios territórios.

Agora, no dia 28 de outubro de 2025, aconteceu a operação mais letal da história do estado, com mais de 120 mortos nos complexos da Penha e do Alemão, sob liderança de Castro, que decidiu transferir a culpa para o governo federal.

Essas operações são justificadas como necessárias para combater o crime organizado, mas vêm acompanhadas de denúncias graves de violação de direitos humanos, além de atingirem principalmente as populações mais pobres, ceifam vidas inocentes e aumentam a sensação de insegurança nas comunidades. 

A falta de políticas de prevenção, a desorganização entre as forças policiais, o aumento da violência policial, a baixa capacidade de investigar e resolver crimes, e a falta de coordenação entre as instituições mostram que as estratégias adotadas não estão funcionando. 

Seletividade na Construção de Narrativas Políticas 

Poucos dias depois da operação que deixou 121 mortos no Rio, o presidente Lula sancionou um projeto de lei que aumenta as penas para crimes relacionados a organizações criminosas. O projeto foi relatado pelo ex-ministro Sérgio Moro e cria novos crimes, aumenta punições e fortalece a repressão às facções. 

Moro tem trabalhado para se apresentar como uma figura central na área de segurança pública, destacando seu papel na aprovação dessa lei. Porém, sua trajetória política mostra uma tendência a apresentar os fatos de forma seletiva: ele destaca resultados positivos parciais, ignora dados importantes sobre o aumento da violência e problemas nas políticas de governos aliados, e coloca a culpa quase toda no governo federal quando este é de oposição. 

Essa forma de agir precisa ser analisada com cuidado. Os dados oficiais, especialmente os do Atlas da Violência, mostram que a realidade da violência no Rio de Janeiro e no Brasil é complexa. Resolver o problema exige políticas integradas entre diferentes níveis de governo, transparência na análise dos dados e compromisso de todos os envolvidos, e não visões parciais que servem apenas a interesses políticos. 

Considerações Finais

A trajetória de Sérgio Moro mostra um padrão problemático no uso das instituições públicas e de temas importantes como a segurança. Da mesma forma que sua atuação na Operação Lava Jato revelou, depois, colaboração inadequada com a acusação e violação de princípios básicos de imparcialidade que um juiz deve ter, sua postura atual sobre segurança pública sugere que essas questões estão sendo usadas principalmente para sua carreira política, e não como compromisso real com o bem-estar da população. 

Moro busca construir uma imagem de protagonista no combate à criminalidade e defensor da justiça no Brasil. No entanto, essa imagem é construída de forma seletiva e estratégica, frequentemente omitindo dados e fatos relevantes que poderiam comprometer a narrativa favorável a ele e aos governos aliados aos quais esteve vinculado. 

Sua seletividade dentro do campo político foi evidenciada quando Moro foi informado sobre esquemas de fraudes e irregularidades, como fraudes no INSS, mas não agiu. Essas informações não foram levadas ao debate público nem às investigações. Essa postura mostra que houve proteção de aliados políticos e da própria imagem, deixando de lado a transparência e o compromisso com a justiça que ele defende publicamente. 

Além disso, Moro tende a atribuir quase toda a responsabilidade pelo aumento da violência ao governo federal, mas apenas quando se trata de um governo de oposição, como o atual, de Lula.. Essa narrativa parcial serve mais a interesses políticos do que a uma análise honesta da violência. Essa seletividade prejudica o entendimento completo do problema, desvia o foco dos verdadeiros responsáveis para transformar opositores em culpados, aumenta a polarização política, e distorce e dificulta o desenvolvimento de políticas públicas que realmente funcionem. 

Há, então, uma contradição evidente: embora Moro aceite ser relator de projetos de lei que dizem buscar soluções para a segurança pública, suas ações concretas não demonstram uma verdadeira preocupação com as pessoas afetadas pela violência. O discurso ganha centralidade; o cuidado real com vidas, não.

O padrão que vemos – tanto quando ele era juiz quanto agora na política – parece mostrar que questões importantes são usadas para ganho político pessoal. Seja na Lava Jato, seja agora no seu posicionamento sobre políticas de segurança pública, as evidências mostram que instituições e temas importantes parecem ser utilizados conforme as conveniências políticas do momento. 

Por isso, é preciso ter um olhar crítico sobre essa atuação, reconhecer as limitações dessas narrativas e exigir transparência e compromisso real com o enfrentamento da violência, independentemente de interesses políticos. A sociedade brasileira precisa de políticas de segurança baseadas em evidências, continuidade nas ações e compromisso genuíno com a redução da violência, não do uso desses temas apenas para fins politicos. 

Assim, fica o questionamento: a atuação de Sérgio Moro no debate sobre segurança pública configura um compromisso efetivo com políticas baseadas em evidências e orientadas ao interesse coletivo, ou representa fundamentalmente uma estratégia de autoposicionamento político?

REFERÊNCIAS  
Atlas da Violência 2019 (IPEA e FBSP) — Documento oficial com dados estatísticos e análises sobre violência. 
Atlas da Violência 2020 (IPEA e FBSP) — Documento oficial com dados estatísticos e análises sobre violência. 
Atlas da Violência 2021 (IPEA e FBSP) — Documento oficial com dados estatísticos e análises sobre violência. 
Atlas da Violência 2023 (IPEA e FBSP) — Documento oficial com dados estatísticos e análises sobre violência. 
Atlas da Violência 2024 (IPEA e FBSP) — Versão anterior com dados e projeções. 
Atlas da Violência Municípios 2024 (IPEA e FBSP) — Dados detalhados por município. 
Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP) — Relatórios e publicações oficiais sobre segurança estadual. 
Kolody, A.; Bittencourt de Lima, B. E. A questão da segurança pública no Brasil de Bolsonaro. 
https://fontesegura.forumseguranca.org.br/seguranca-publica-no-governo-bolsonaro-alguns-apontamentos/ 
https://www.conjur.com.br/2022-dez-22/governo-causou-retrocessos-fez-crime-crescer-transicao/ 
https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/09/01/moro-atribui-queda-de-mortes-violentas-a-acoes-dos-governos-transferencias-de-chefes-de-faccoes-e-apreensoes-de-drogas.ghtml 
https://www.cartacapital.com.br/politica/em-livro-moro-reforca-sua-omissao-enquanto-esteve-no-governo-bolsonaro/ 
https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/09/01/moro-atribui-queda-de-mortes-violentas-a-acoes-dos-governos-transferencias-de-chefes-de-faccoes-e-apreensoes-de-drogas.ghtml 
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cj97wwv2kndo 
https://www.youtube.com/watch?v=RuuqeF501Gs 
https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202510/ha-um-ano-governador-do-rj-pedia-a-lula-mais-autonomia-para-os-estados-na-area-de-seguranca-publica
https://apublica.org/2025/10/rj-tem-operacao-mais-letal-de-sua-historia-seis-meses-apos-reviravolta-na-adpf-das-favelas/