Os impactos da Lava Jato trouxeram, sabidamente, abalos significativos à democracia brasileira, conforme se vislumbra hoje nos detalhes mais profundos dos planos golpistas de Jair Bolsonaro, figura que jamais teria chegado onde chegou, não fossem os desmandos da operação. No entanto, não se deve resumir à política tais impactos, mas a economia nacional também teve graves revezes em sua decorrência, e ainda hoje tenta se reerguer, como comentou o presidente Lula em seu discurso na Petrobrás. Não há como negar a centralidade da operação e suas consequências no debate político atual, e, sua figura central, Sérgio Moro, mantém sua aliança estratégica com a mídia tradicional que, mesmo após a exposição das irregularidades e com o esforço dos tribunais superiores em revertê-las, na hora H sempre opta pela mesma agenda da década passada. Tudo isso em detalhes a seguir, na Newsletter de 10/03 sobre as notícias das últimas semanas.

Lula, Lava Jato e Petrobrás:

No dia 17 de fevereiro, o presidente Lula discursou à Petrobras em meio à campanha pela exploração petrolífera na Margem Equatorial, e não pôde deixar de relembrar a jornada de recuperação que a empresa enfrentou nos últimos anos. Sabe-se o quão prejudicada foi a indústria nacional por conta da forma como a operação Lava Jato conduziu suas condenações, em muitos setores produzindo um verdadeiro desmonte, algo que também objetivou para a Petrobras, levando-a a uma perda de potencial e recursos, além de desemprego para muitas famílias. O presidente foi ao ponto central em sua fala:

O que estava em jogo na questão da Lava Jato era a destruição da indústria de engenharia desse país e a tentativa de destruir a Petrobras, criando uma imagem negativa da Petrobras no mundo (…) Depois de dificuldades em privatizar a Petrobras, transformaram a Lava Jato num caça-níquel contra a Petrobras e seus trabalhadores. Se você praticou corrupção, prende o dono, mas não prejudique os trabalhadores

Os desdobramentos da operação revelaram muitos dos objetivos políticos de seus participantes, mas seus interesses eram muito mais profundos. Não é a toa que a operação punia a própria empresa em vez de responsabilizar os indivíduos, o interesse não era apenas interno, sempre houve parceiros no estrangeiro, institutos como a Transparência Internacional viram apenas exemplos pequenos quando se pensa nos interesses econômicos dos Estados Unidos que eram satisfeitos por tamanhas medidas. Um exemplo de estudo a esse respeito é “A Hegemonia Estadunidense e o Combate à Corrupção no Brasil”, tese de doutorado de Arthur Banzanatto. Assim, a fala do presidente Lula foi muito precisa em relembrar a atualidade dos impactos lavajatistas na política, economia e soberania brasileiras.

Novas anulações da Lava Jato:

O mês de fevereiro de 2025 foi muito impactante para o legado jurídico da operação, visto que, dando sequência às anulações dos processos da Lava Jato contra Leo Pinheiro e Paulinho da Força pelo ministro do STF, Dias Toffoli, foram anulados novos processos contra figuras de grande proeminência política, o ex-governador baiano, ex-ministro dos governos Lula e Dilma, atual senador pela Bahia e importante liderança petista, Jaques Wagner, assim como o ex-ministro da fazenda e da casa civil dos governos Lula e Dilma, e alvo prioritário da operação, Antonio Palocci. No caso do ex-governador, foram arquivados os seus processos no âmbito da Lava Jato por decisão do juiz federal da 2ª Vara Criminal de Salvador, Fabio Moreira Ramiro, que, manifestando-se no mesmo sentido que o Ministério Público Federal, afirmou não haver evidências concretas para as apurações. Já no caso do Palocci, o ministro do STF, Dias Toffoli, repetiu o entendimento dos demais processos recentemente anulados, embasando-se nas descobertas da Vaza Jato e da Operação Spoofing, de que a irregularidade dos agentes lavajatistas em combinarem entre si os procedimentos era base suficiente para total anulação, como explicou:

As estratégias previamente ajustadas entre magistrado e procurador da República eram uma fórmula de sucesso desconhecida do grande público, mas que, no particular, envolvia aconselhamentos, troca de informações sigilosas, dentre outras estratégias que simplesmente aniquilavam o direito de defesa

No âmbito jurídico, há muita clareza quanto a gravidade das irregularidades praticadas por Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e a força tarefa, que culminavam em condenações sem provas e delações fabricadas para ferir figuras políticas específicas. O caso de Palocci é emblemático, na medida em que suas delações sem nenhum material probatório que as confirmassem foram chave para a campanha de difamação e eventual prisão do atual presidente Lula, evento que, em sequência, construiu o cenário de degradação democrática que ainda hoje resta ser esclarecido e punido.

Mídia tradicional sai em defesa da operação e da Transparência Internacional:

As reações às últimas anulações citadas, no entanto, foram de especial indignação na grande mídia brasileira, o que não surpreende, considerando o quanto se utilizou das delações de Palocci no noticiário. Enquanto se revela os detalhes mais sinistros das ambições e planos golpistas do ex-presidente, algo de uma gravidade substancialmente superior à corrupção investigada no Mensalão e na Lava Jato, palavras do ministro do STF, Gilmar Mendes, a mídia tradicional ocupou parte de seus esforços em contrariar as anulações.

Enquanto a lógica que determinou tais decisões é cristalina em sua defesa a princípios como o direito de defesa, e em não legitimar artimanhas entre juiz e denúncia, ou delações fabricadas, o discurso da mídia para criticar um suposto retrocesso no combate à corrupção se embasa mais uma vez na já conhecida Transparência Internacional. Há um certo cinismo nas repetidas citações a esse instituto, sem que se saliente as escusas ligações que possuem com os antigos membros da Lava Jato. O fluxo de dinheiro de Deltan para a Transparência Internacional, utilizando-se dos valores obtidos em condenações lavajatistas é simplesmente ignorado para ecoar o discurso do instituto, de que a corrupção no brasil estaria voltando e de que as anulações na verdade estariam retrocedendo o combate à corrupção, em vez de estarem simplesmente restituindo o direito de defesa e a necessidade de provas efetivas.

Deltan foi deputado e Moro hoje é senador, pré-candidado ao governo do Paraná em 2026, mas assim como a Transparência Internacional, são tratados ainda como insuspeitos formadores de opinião quando o tema é a operação que comandaram e que garantiu a eles uma carreira política. É o caso do jornal paranaense Gazeta do Povo, que para tratar do assunto das anulações citadas, chamou o senador para receber espaço editorial e estampar suas manchetes.

Moro segue tentativa de reaproximação de Bolsonaro, mirando em 2026:

A figura política de Moro segue em busca de maior relevância, e, como se sabe, seu interesse no momento está na eleição para o governo do Paraná em 2026, com seu nome conquistando bom desempenho nas pesquisas eleitorais. O aceno da mídia em seu favor, no entanto, não lhe parece o suficiente, visto que um eventual confronto com um candidato da situação, apoiado por Ratinho Jr. e Bolsonaro pode ser determinante para a disputa.

Assim, suas movimentações políticas seguem em direção ao ex-presidente, como já havia feito ao defender a anistia aos golpistas do 08/01, e independentemente da rejeição de figuras mais estridentes, como a do ex-ministro Mario Frias. No dia 18 de fevereiro, poucos dias antes da denúncia por tentativa de golpe, Jair Bolsonaro compareceu a um almoço com senadores para articular a pauta da anistia aos golpistas. Proposta constantemente disfarçada como um apelo àqueles que depredaram Brasília, mas que tem como objetivo final salvar o ex-presidente da prisão e garantir sua candidatura. Pouco se noticiou a respeito, mas Sérgio Moro compareceu a esse almoço para mais uma vez se reunir com o antigo aliado.

Com as pautas cada vez mais afinadas, Moro ainda sonha em lograr o apoio da extrema-direita em suas próximas aventuras eleitorais, mas, ainda que venha a falhar nessa tentativa, a mídia tradicional já demonstrou a disposição em seguir divulgando seu velho discurso contra corrupção, como se a realidade jurídica não o desmentisse dia após dia.

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