Quatro anos após a série de reportagens da Vaza Jato que desmistificou a Operação Lava Jato, o hacker Walter Delgatti Neto esteve frente a frente com o ex-juiz e hoje senador Sergio Moro. O encontro aconteceu nesta quinta-feira (18 de agosto), em sessão da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) do 8 de janeiro, no Congresso Nacional, e teve direito a embate entre as duas figuras, com bate-boca e acusações mútuas.

Na condição de senador, Moro iniciou a inquirição já partindo pro ataque, acusando Delgatti de ser um estelionatário e questionando a quantos processos o hacker responderia por tal crime. O inquirido, então, afirma ter respondido a quatro ações e alega ter sido absolvido em todas elas, para em seguida contra-atacar, chegando a chamar o ex-juiz de “criminoso contumaz” ao recordar as mensagens do celular de Moro que foram hackeadas por ele próprio.

“Eu fui vítima de uma perseguição em Araraquara [no caso da acusação de estelionato], inclusive equiparada à perseguição que vossa excelência fez contra o presidente Lula e integrantes do PT. E ressaltando que eu li as conversas de vossa excelência, li a parte privada, e posso dizer que o senhor é um criminoso contumaz, que cometeu diversas irregularidades e crimes.”

Moro pediu então para o depoente ser advertido, pois estaria caluniando um senador da República. É quando Delgatti, em tom um tanto irônico, solta um “eu peço escusas, então”. Vale lembrar que a palavra “escusas” sempre foi utilizada em aspas do ex-juiz. Ela significa desculpas ou perdão.

Na sequência, um novo bate-boca se inicia e Cid Gomes, presidente da sessão, pede para ambas as partes serem respeitosas e objetivas nas perguntas e respostas. Mas quando Moro resolve questionar o hacker sobre as autoridades que tiveram seus celulares invadidos ou alvo de tentativa de invasão, Delgatti mais uma vez aproveitou para ‘cutucar’ o ex-juiz.

“Inclusive, eu cheguei às conversas de vossa excelência com o então procurador Dallagnol e essas conversas foram chanceladas pelo STF e são utilizadas até hoje para anular condenações de pessoas inocentes”, afirmou o ‘hacker de Araraquara’, que já no fim de seu depoimento afirmou ter sido ‘imparcial’ na seleção de alvos para serem hackeados. “Invadi, inclusive, um telefone que tinha o nome de Lula. E não achei nada.”

Delgatti coloca Bolsonaro no olho do furacão

Embora o embate entre Moro e Delgatti tenha viralizado, o assunto principal na sessão da CPMI, naturalmente, não foi a Lava Jato, a Vaza Jato ou a Operação Spoofing, mas sim o atentado do 8 de janeiro, quando militantes bolsonaristas de extrema-direita invadiram a Praça dos Três Poderes, em Brasília, e atacaram as sedes dos três poderes do Estado: o Palácio do Planalto (poder Executivo), o Congresso Nacional (poder Legislativo) e o Supremo Tribunal Federal (poder Judiciário). 

O hacker, que nos últimos tempos vinha prestando serviços para a deputada bolsonarista Carla Zambelli, que o ex-presidente Jair Bolsonaro pediu que ele assumisse a autoria de um grampo ilegal contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes em troca de um indulto para livrá-lo da cadeia. Segundo o depoente, a proposta ocorreu em um telefonema em 2022, antes do primeiro turno das eleições. O objetivo do grampo seria minar a confiança da população no processo eleitoral e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido por Moraes.

“Eu falei com o presidente da República e, segundo ele, eles haviam conseguido um grampo, que era tão esperado à época, do ministro Alexandre de Moraes. Segundo ele, esse grampo já havia sido realizado. Teria conversas comprometedoras do ministro, e ele (Bolsonaro) precisava que eu assumisse a autoria desse grampo. Ele disse no telefonema que esse grampo fora realizado por agentes de outro país. Não sei se é verdade, se realmente aconteceu o grampo porque não tive acesso a ele”, afirmou Delgatti aos parlamentares.

Ainda segundo o hacker, antes do telefonema ele teria tomado café da manhã com Bolsonaro no Palácio da Alvorada, em 10 de agosto, num encontro com a presenta de Zambelli, do então-ajudante-de-ordens do presidente da República, tenente-coronel Mauro Cid, e do coronel do Exército Marcelo Câmara. A reunião teria acontecido após dois encontros com o presidente do PL, Waldemar da Costa Neto, e Duda Lima, responsável pela campanha à reeleição. Nessas reuniões prévias, o marqueteiro teria sugerido que o hacker implantasse um “código malicioso” em uma urna eletrônica fora das dependências do TSE para induzir os eleitores a duvidar da integridade do sistema.

De acordo com o hacker, durante o encontro no Palácio da Alvorada, o então presidente da República reforçou o pedido e teria sugerido ainda que Delgatti auxiliasse técnicos do Ministério da Defesa a apontar ao TSE fragilidades das urnas eletrônicas.

“Ele (Bolsonaro) me disse que eu estaria salvando o Brasil. Era a liberdade do povo em risco. Eu precisava ajudar ele a garantir a lisura das eleições. A conversa foi evoluindo, chegou à parte técnica, e o presidente disse: ‘Essa parte técnica não entendo nada. Então, eu irei enviá-lo ao Ministério da Defesa e lá com os técnicos você explica tudo isso’. Ele chama o coronel Marcelo Câmara e fala: ‘Eu preciso que você leve ele até o Ministério da Defesa’. O coronel contrariou: ‘Não, mas lá é complicado’. E o Bolsonaro disse: ‘Não, isso é uma ordem minha. Cumpra’. Eu fui levado até o Ministério da Defesa pela porta dos fundos”, disse o hacker.

Até então, vários nomes pertencentes aos quadros do governo Bolsonaro (inclusive ministros de Estado) já haviam sido implicados no complô que culminou no 8 de janeiro. Essa é a primeira vez, contudo, que o nome do ex-presidente Jair Bolsonaro (junto de militares) é citado diretamente numa traição ao país na CPMI.