Um levantamento do Ministério Público Federal (MPF) no Paraná, divulgado no começo de abril pela Veja, mostra que nos últimos sete anos os acordos de leniência, de delação premiada e de repatriação homologados pela Justiça garantiram a devolução aos cofres públicos de 25 bilhões de reais que haviam sido desviados. Pode parecer muita coisa, mas o valor não representa nem um quarto do prejuízo que a própria Operação Lava Jato, criada para investigar esquemas de corrupção na Petrobras, pode ter causado à economia brasileira.

É isso o que revela um estudo do Sindicato das Indústrias da Construção Pesada (Sinicon), divulgado ontem no Jornal da Band. Conforme a pesquisa, o governo deixou de arrecadar, apenas do setor da construção pesada, quatro vezes mais do que tudo o que o MPF diz ter recuperado: entre 2015 e 2019, R$ 105 bilhões em impostos deixaram de ser arrecadados. Não bastasse, uma em cada cinco empresas do segmento faliu, o que deixou 1,3 milhão de trabalhadores desempregados.

“Concordo que tiveram erros no passado, acho que as pessoas que reconheceram e assumiram esses erros estão pagando por isso, mas a sociedade como um todo também foi penalizada, uma vez que se perderam tantos postos de trabalho e CNPJs também assumiram isso”, afirmou à Band o presidente do Sinicon, Claudio Medeiros.

O caso da Odebrecht retrata um cenário vivenciado por diversas outras empreiteiras. A empresa, que participou de obras grandiosas no Brasil e no exterior (como a construção do aeroporto de Miami, nos Estados Unidos), chegou a ter 120 mil funcionários. Hoje, conta com apenas dez mil e o faturamento despencou ao ponto do grupo pedir recuperação judicial (a consultoria Alvarez Marsal, para a qual Sergio Moro foi trabalhar depois de deixar o governo Bolsonaro, recebeu honorários milionários por sua atuação nesse processo).

O advogado Walfrido Warde, também ouvido pelo Jornal da Band, resume o que aconteceu durante a operação liderada por Sergio Moro, Deltan Dallagnol e cia: “A Lava Jato, como um modelo de combate à corrupção, técnica de combate à corrupção, se manifestou, operou de maneira irresponsável, porque não distinguiu a empresa do empresário”.

‘Buraco’ na economia deixado pela Lava Jato pode ser ainda maior

O rombo que a Operação Lava Jato deixou na economia brasileira, contudo, é ainda maior do que aquele estimado pelo Sinicon. No ano passado, uma pesquisa feita pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) já apontava que R$ 172,2 bilhões haviam deixado de ser investidos no país entre 2014 e 2017.

O estudo ainda revelou que 4,4 milhões de pessoas ficaram desempregadas devido aos reflexos da operação, em áreas não apenas da construção civil, mas também do transporte, comércio e indústria, impactados pela redução do consumo causada pela retração da renda.

É possível combater a corrupção sem destruir a economia?

Na condição de réu da Lava Jato, em 10 de maio de 2017, o ex-presidente Lula prestou depoimento ao então juiz Sergio Moro e aproveitou a ocasião para questionar o magistrado sobre a destruição da indústria de construção civil brasileira. “Doutor Moro, o senhor se sente responsável pela Lava Jato ter destruído a indústria de construção civil desse país?”, interpelou Lula.

Moro, então, rebateu com um “eu tenho certeza que não. O senhor entende que o que prejudicou essas empresas foi a corrupção?”.

Lula respondeu que não. “[O que prejudicou as empresas] Foi o método de combater a corrupção”, disse o petista, ao que o juiz indagou “a que o senhor se refere?”, mostrando-se alheio aos impactos da operação que, hoje se sabe, ele liderava.

A operação de combate à corrupção deveria punir políticos e executivos corruptos. Em vez disso, iniciou uma cruzada política, destruiu empresas e provocou demissões em massa. E poderia ter sido diferente? Em outros termos, é possível combater a corrupção em grandes corporações sem afetar a economia?

Uma reportagem de 2017 do jornal Brasil de Fato buscou responder essa questão. E para tanto analisou o caso da Alemanha, país que hoje está entre os mais bem colocados no ranking de corrupção elaborado pela ONG Transparência Internacional (TI), após ter enfrentado enormes escândalos de corrupção recentes, de repercussão internacional.

Em 2005, por exemplo, o conglomerado industrial Siemens foi acusado de pagar mais de um bilhão de euros em propinas para fechar contratos de obras internacionais. Ao descobrir que o caixa 2 era uma prática institucionalizada na empresa, a Justiça alemã condenou a Siemens a pagar uma multa equivalente a 395 milhões de euros. Do Poder Judiciário dos Estados Unidos, veio outra multa: cerca de 800 milhões de dólares. Entre penalizações e gastos com advogados, o escândalo custou ao conglomerado mais de 2 bilhões de euros. Montantes que não chegaram nem perto de abalar a saúde financeira da empresa.

Dessa forma, nenhum trabalhador foi demitido, enquanto os executivos corruptos tiveram de deixar seus cargos (desde o presidente-executivo até o presidente do conselho de supervisão). Diversos deles ainda foram presos e outros respondem ou responderam na Justiça pelo crime de suborno.

Na Volkswagen, outro exemplo. Em 2015, descobriu-se que a empresa havia cometido fraude, instalando softwares em veículos para burlar a emissão de poluentes, para atingir os níveis exigidos na fase de testes. Ao todo, 11 milhões de veículos a diesel em todo o planeta teriam sido envolvidos no esquema fraudulento. A montadora teve de pagar multas gigantes em países diversos, mas na Alemanha houve um esforço para que se punisse somente os responsáveis diretos pela fraude, preservando-se a pessoa jurídica para salvar a empresa e evitar o desemprego.