O Dia das Mulheres na Vigília Lula Livre
Ao longo dos seus 580 dias de existência (e resistência), entre 7 de abril de 2018 e 8 de novembro de 2019, a Vigília Lula Livre celebrou em duas ocasiões o Dia Internacional das Mulheres. A primeira delas ocorreu em 8 de março de 2019, quando Fernando Haddad visitou Lula, que seguia preso ilegalmente em Curitiba, e levou à militância acampada em frente à sede da Polícia Federal uma mensagem do então ex-presidente, que homenageou as mulheres e exaltou a luta pela igualdade no Brasil. Já no dia seguinte, um sábado, foi vez de um artista popular declamar um texto poético em homenagem a elas, fazendo ainda uma apresentação musical antes das 13 saudações diárias de “Bom dia, presidente Lula” ecoarem no pacato bairro residencial do Santa Cândida, região norte de capital paranaense.
No primeiro dia, Haddad, que era também um dos advogados de Lula, contou aos integrantes na Vigília Lula Livre que o petista apresentava uma “grande capacidade de reação” e seguia determinado em defender a democracia. Em seguida, leu uma mensagem do ex-presidente para as mulheres:
“Oito de março é dia de lembrar a luta das mulheres que vivem um movimento de luta diária. Desde o momento em que vêm ao mundo. Dia de marcar posição frente aqueles, que hoje no poder, tentam deslegitimar a luta de quem tem como ideal a igualdade de direitos.
Falamos de igualdade e do próprio direito à vida das mulheres que lutam para existir.
De onde me encontro, sigo em resistência pela construção da sociedade que sonhamos juntos, de um Brasil com oportunidades iguais para todos e todas.”, declarou Lula.
Já na manhã seguinte, um sábado, a Vigília teve muita cantoria para transmitir força e solidariedade a Lula, enquanto o artista João Bello declamou um texto, intitulado “Maria Maria”, de Fernando Brant e Milton Nascimento, uma homenagem às mulheres brasileiras. Os militantes em Curitiba ainda realizaram uma moda de viola com poesia cabocla e, mais tarde, bradaram os costumeiros “boa tarde” e “boa noite” a Lula, sendo que àquela altura a Vigília já somava 337 dias de luta e resistência.
MARIA MARIA
(declamado pelo artista popular João Bello no dia 9 de março de 2019, na Vigília Lula Livre, em homenagem ao Dia das Mulheres daquele ano)
“Maria, Maria, um simples nome de mulher.
Corpo negro de macios segredos, olhos vivos farejando a noite, braços fortes trabalhando o dia. Memória da grande desventura da raça, intuição física da justiça. Alegria, tristeza, solidariedade e solidão. Mulher pantera, fera. Mulher vida, vivida. Uma pessoa que aprendeu vivendo e nos deixou a verdadeira sabedoria: a dos humildes, a dos sofridos, a dos que tem o coração maior que o mundo.
Maria Maria nasceu num leito qualquer de madeira. Infância incomum, pois nem bem ela andava, falava e sentia e Já suas mãos ganhavam os primeiros calos de trabalho precoce. Infância de roupa rasgada e remendada, de corpo limpo e sorriso bem aberto. Infância sem brinquedos, mas cheia de jogos aprendidos com as velhas que lavavam roupas nas margens do Jequitinhonha.
Infância que acabou cedo, pois já aos 14 anos, como é normal na região, ela já estava casada.
Do casamento ela se lembra pouco, ou não quer muito se lembrar. Homem estranho aquele a lhe dar balas e doces em troca de cada filho. Casamento que em seis anos, seis filhos lhe concedeu. Os filhos se amontoavam nos quatro cantos da casa. Enquanto ela estendia a roupa na beira dos trilhos, os seis meninos sentados brincavam na terra fofa. Os seus olhinhos de espanto não entendiam nada.
De repente, notícia vinda dos trilhos. Maria Maria era viúva.
Pela primeira vez a morte entrava em sua vida e vinha em forma de alívio. E de retalho em retalho Maria se definiu: solidária, solitária, operária e brincalhona. Ela pode ao mesmo tempo ser Maria e ser exemplo de gente que trabalhando em todas as horas do dia, conserva em seu semblante toda pura alegria, de gente que vai sofrendo e quanto mais sofre, mais tem sabedoria.”