Foto: Gibran Mendes

Não há como explicar a prisão do Presidente Lula sem antes analisar a sucessão de arbitrariedades judiciais tomadas pelo Poder Judiciário brasileiro anteriormente. Até o ano de 2016, era pacífico o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que não era cabível o início do cumprimento da pena criminal antes do trânsito em julgado da condenação no processo criminal, ou seja, quando a sentença não é mais suscetível à reforma por qualquer tipo de recurso. Porém, em 17 de fevereiro de 2016, o pleno do STF julgou o Habeas Corpus 126.292, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, e alterou a jurisprudência consolidada: por 7 votos a 4, a Corte afirmou ser possível o início do cumprimento da pena antes término do processo, bastando que a sentença condenatória fosse confirmada pelo Tribunal em recurso de apelação. Votaram pela possibilidade da prisão em segunda instância os Ministros Teori Zavascki, Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, restando vencidos os Ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.

Em seu voto, Teori Zavaski pontuou: “Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então observado”. Em resposta, Marco Aurélio afirmou que o Supremo Tribunal Federal rasgou a Constituição: “Hoje no Supremo nós vamos proclamar que a cláusula reveladora do princípio da não culpabilidade não encerra garantia porque antes do trânsito em julgado da decisão condenatória é possível colocar o réu no xilindró, pouco importando que posteriormente esse título condenatório venha a ser reformado”. 

Ressalta-se que tal mudança se deu principalmente em virtude da grande pressão midiática decorrente das megaoperações da Lava Jato, que transformaram a exceção da prisão em regra e promoveram verdadeira espetacularização do processo penal. Eram recorrentes prisões de acusados figurões da política nacional e empresários donos de grandes empreiteiras serem mantidas pelas cortes superiores, ainda que totalmente ilegais e sem sequer uma sentença ter sido aplicada.

Após o novo posicionamento do STF, as prisões decorrentes de julgamento em segunda instância se tornaram uma regra em todos os procedimentos criminais, desconsiderando a necessidade dos julgadores explicarem as razões para a medida drástica. Isso afetou o sistema carcerário de modo significativo: o número de presos aumentou substancialmente, e ainda que a taxa de reversão de condenações à prisão nas cortes superiores seja bem alta, segundo levantamento da Folha de SP, 13% dos recursos extraordinários encaminhados ao STF levam de 8 meses a 1 ano para serem julgados. Habeas Corpus, por outro lado, pode levar anos até ser julgado. Durante esse longo período, o réu aguarda julgamento de seu recurso já encarcerado segundo o novo entendimento. Foi diante de todo esse turbilhão social que foi armada e preparada a prisão de Lula.

Em 12 de julho de 2017, o então juiz federal Sergio Fernando Moro proferiu sentença no caso chamado “Triplex do Guarujá”, que supostamente teria sido destinado a Lula como propina para que houvesse ingerências nas indicações dos diretores da PETROBRAS para beneficiar empreiteiras. A pena aplicada foi de 09 anos e 06 meses de prisão, a ser cumprida em regime inicial fechado. Tal condenação foi objeto de um recurso de apelação, tanto pela defesa quanto pela acusação, que foi julgado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 24 de janeiro de 2018, que não só entendeu por manter a sentença condenatória como também aumentou a pena imposta. A 8ª Turma Julgadora, composta pelos desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus, majorou a pena total para 12 anos e 01 mês a ser cumprida em regime inicial fechado.

A defesa de Lula opôs embargos de declaração para tentar sanar vícios da decisão do TRF-4, mas não obteve êxito e em 18 de março de 2018 foi negado o recurso. Em 05 de abril de 2018 foi enviado ofício do Tribunal Federal ao juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba para que fosse dado início ao cumprimento de pena e às 17h50m do mesmo dia Sergio Moro decretou a prisão de Lula, ainda que existisse a possibilidade de outros embargos declaratórios e demais recursos. 

Em sua decisão, Moro fundamentou: “Não cabem mais recursos com efeitos suspensivos junto ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Não houve divergência a ensejar infringentes. Hipotéticos embargos de declaração de embargos de declaração constituem apenas uma patologia protelatória e que deveria ser eliminada do mundo jurídico. De qualquer modo, embargos de declaração não alteram julgados, com o que as condenações não são passíveis de alteração na segunda instância”. Ainda: “Relativamente ao condenado e ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, concedo-lhe, em atenção à dignidade cargo que ocupou, a oportunidade de apresentar-se voluntariamente à Polícia Federal em Curitiba até as 17:00 do dia 06/04/2018, quando deverá ser cumprido o mandado de prisão. (…) Esclareça-se que, em razão da dignidade do cargo ocupado, foi previamente preparada uma sala reservada, espécie de Sala de Estado Maior, na própria Superintendência da Polícia Federal, para o início do cumprimento da pena, e na qual o ex-Presidente ficará separado dos demais presos, sem qualquer risco para a integridade moral ou física”.

Lula somente se apresentou para a prisão em 07 de abril de 2018, havendo nas proximidades da Delegacia da Polícia Federal de Curitiba ampla manifestação com milhares de pessoas aguardando a sua chegada. A polícia federal de modo arbitrário usou bombas de efeito moral contra os manifestantes. A partir dessa data começa oficialmente a Vigília Lula Livre e a história do Brasil se transforma.

Vídeo: Folha de São Paulo (2018)